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Publicado no Jornal da Tarde, 09/02/2000

Mutações no trabalho

Conheço um técnico de raio X que trabalha em um grande hospital há cinco anos. Esse hospital, porém, não é seu empregador. Os serviços de diagnóstico por imagem são ali realizados por uma outra empresa – especializada no ramo.

Mas o referido técnico não é empregado dessa empresa tampouco, pois ela tem vários contratos com outras empresas, cooperativas de trabalho e pessoal autônomo.

O técnico em questão tem uma microempresa que, juntamente com seu irmão, presta serviços a várias empresas que, por sua vez, prestam serviços a hospitais. Há milhões de brasileiros trabalhando dessa forma.

Conheço também uma secretária que, nos últimos cinco anos, trabalhou para 12 empresas. Apesar da variedade de ambientes de trabalho, ela se manteve como empregada de uma só empresa de prestação de serviços temporários. Como ela, há milhões de secretárias e outros profissionais trabalhando dessa forma.

Como se vê, há gente que trabalha há muito tempo dentro da mesma empresa sem ter a menor relação empregatícia com ela, assim como há gente que trabalha em várias empresas com um forte vínculo empregatício com outra que lhe garante proteções trabalhista e previdenciária.

Com as transformações nos métodos de produzir e vender e a revolução das tecnologias, enormes mudanças estão ocorrendo nos modos de trabalhar. Diminui a proporção de pessoas que trabalham na mesma empresa em empregos fixos, de longa duração, em tempo integral e com salários predeterminados e aumenta a proporção dos que trabalham de forma intermitente, por projetos, subcontratados, terceirizados e com remuneração variável.

Novas necessidades exigem novas formas de trabalhar e novas capacitações para o trabalho. As pesquisas sobre o assunto mostram que a "nova economia" dificilmente enfrentará problemas sérios de inflação ou oferta de bens e serviços. O grande problema será o de poder contar com trabalhadores letrados na linguagem da informática e das telecomunicações e instituições trabalhistas que amparam as novas formas de trabalhar.

Segundo os estudos da International Data Corporation, na Europa, dentro de dois anos a demanda por pessoal especializado excederá a oferta em 20%. Em menor escala, os Estados Unidos e o Japão enfrentarão o mesmo problema, o que faz esses países depositar suas esperanças na importação de talentos da Ásia, em especial, Índia e China.

Estados Unidos e Japão já possuem instituições trabalhistas que conseguem acomodar de forma bem razoável as novas formas de trabalhar. Na Europa, alguns países já chegaram nesse estágio (Inglaterra e Holanda, por exemplo) e a maioria caminha nessa direção.

Tudo isso nos põe a pensar. Se Europa, Estados Unidos e Japão, que dispõem de uma excelente estrutura educacional e avançam na direção da modernização das instituições trabalhistas, estão com esse problema, o que dizer do Brasil onde a força de trabalho tem em média quatro anos de escola – e má escola – e as relações do trabalho são dominadas por leis ultrapassadas?

Não há escapatória. Temos de acelerar muito o processo de educação geral e modernizar as instituições do trabalho. Pela sua natureza, a tarefa de educar é mais demorada do que a de mudar as instituições. Ironicamente, o Brasil está andando mais depressa no primeiro campo do que no segundo. Isso precisa mudar. Educar e modernizar as instituições são peças essenciais do progresso econômico e ordem social.