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Publicado em O Estado de S. Paulo, 29/07/2003.

Fórum Nacional do Trabalho

Instala-se hoje o Fórum Nacional do Trabalho com o propósito de sugerir mudanças para modernizar as instituições trabalhistas do Brasil.

O Ministério do Trabalho e Emprego será o coordenador do organismo, onde representantes do governo, empregados e empregadores apresentarão propostas para mudar as leis do trabalho, a organização sindical, a Justiça do Trabalho e outras instituições.

Será uma caminhada de vários meses. As expectativas são altas. Afinal, o governo é sindicalista e se diz disposto a modernizar o atual sistema de relações do trabalho, adequando-o a uma economia aberta, internacionalizada e concorrencial, e atendendo as necessidades de uma população grande, diversificada e que precisa trabalhar. O que esperar desse Fórum?

Apesar da globalização, os sistemas de relações do trabalho continuam nacionais. Mas, para fins didáticos, os estudiosos costumam agrupá-los em três tipos básicos.

Tipo 1. Nesse sistema, praticado com variações, nos países de cultura anglosaxônica (Inglaterra e Estados Unidos) e, mais recentemente, na Ásia (Japão e Tigres Asiáticos), a maior parte das regras trabalhistas emerge de negociações realizadas prioritariamente no nível das empresas. As proteções fundamentais são fixadas em lei, como é o caso de saúde e segurança, discriminação, aposentadoria, seguro-desemprego e outras, e o restante é colocado em contratos descentralizados e com pouca interferência estatal.

Tipo 2. Nesse sistema, que é comum na social-democracia da Europa (Alemanha, Áustria, Holanda, Escandinávia), os parceiros sociais se envolvem permanentemente em negociações em vários níveis. As vezes, negociam com o governo, fazem pactos ou ajudam a formular políticas públicas nos campos do emprego, desemprego, seguridade social, formação profissional, etc. Outras vezes, a negociação é entre empregados e empregadores e dentro dos grandes setores da economia (negociação centralizada) nos quais são estabelecidas regras básicas que servem de orientação para as negociações locais e empresariais (negociações descentralizadas). É a "descentralização centralizada". A interferência do Estado se faz presente mas é aprovada pelos parceiros sociais.

Tipo 3. Nesse sistema, que predomina nos países latinos da Europa (Itália, França, Espanha, Portugal) e, com mais clareza na América Latina, as negociações (centralizadas e descentralizadas), são realizadas sob uma forte influência do Estado através de leis detalhadas e normas administrativas aprovadas há tempos e, nem sempre, com a concordância de todos os parceiros sociais. Há um forte intervencionismo estatal.

Os tipos acima são simplificações dos sistemas existentes. É claro que o Brasil terá o seu próprio sistema. Mas é bem provável que, do lado do governo, o Fórum Nacional do Trabalho venha a receber muitas sugestões inspiradas no tipo 3, mescladas com algumas idéias do tipo 2. Afinal, a CUT e o PT formaram seus quadros ao longo das décadas de 80 e 90 com apoio de centrais sindicais e outras entidades da Itália, Espanha, França e Alemanha.

Mas, será que os representantes dos empregados e empregadores aceitarão essa mescla? Arrisco um palpite. Penso que o peso do nosso "garantismo legal" vai empurrar o resultado para o lado do tipo 3. A tendência brasileira é de colocar na lei – e não nos contratos -, a maioria das proteções e dos benefícios trabalhistas. Isso é difícil de mudar. As inovações respeitarão a cultura reinante.

O novo sistema de relações do trabalho não será igual ao atual. Mas não será totalmente diferente. A engenhosidade brasileira, baseada na arte do jeito, muito provavelmente vai levar o Fórum a inovar sem arrojo, de forma gradual, com avanços transitórios e dentro de um quadro de referência que todos conhecem e se sentem seguros.

Será um grande sucesso se os avanços transitórios apontarem para o duplo objetivo acima enunciado, ou seja, a melhoria das proteções dos trabalhadores (hoje, 60% não têm nenhuma proteção pois estão no mercado informal) e a garantia da agilidade para as empresas enfrentarem a crescente competição (nacional e internacional). O crescimento econômico e o emprego da população dependem muito dessas medidas.

O Fórum será uma boa oportunidade para se analisar os argumentos em seus detalhes. E, no campo trabalhista, os detalhes são muito importantes.

Trata-se de um exercício valioso para o Brasil. Outros foram tentados no passado. Mas não com a sistemática proposta. Por trás de tudo, porém, há que se garantir um clima de cordialidade e respeito. O governo, como coordenador do Fórum, tem uma grande responsabilidade nessa tarefa. Seu papel é de anfitrião educado e magistrado responsável. Desejo pleno sucesso aos integrantes do Fórum. O futuro do Brasil depende muito do seu trabalho.