Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/07/2003.
A moralização dos sindicatos
Um dos problemas que mais incomoda os estudiosos da área trabalhista e os dirigentes responsáveis do sindicalismo brasileiro é a chamada "indústria de sindicatos" - entidades que são aprovadas por assembléias minúsculas e estatutos obscuros, interessadas, unicamente, na contribuição sindical.
O que fazer? Acabar abruptamente com a contribuição sindical compulsória, penalizaria as boas entidades. Acabar de maneira branda, daria sobrevida às que deveriam ter morte súbita. Transformar o compulsório em voluntário estimularia os que gostam de viajar de "carona", dizendo: "Por que vou pagar o sindicato se há trouxas que pagam por mim"?
A questão do financiamento das entidades sindicais está ligada ao modelo sindical que se pretende para o Brasil, assunto a ser discutido no Fórum Nacional do Trabalho. Por ora, deixemos isso de lado, para perguntar: Existe alguma maneira de moralizar os atuais sindicatos aproveitadores?
Em todo o mundo a vida sindical é sujeita a desvios de conduta. Os Estados Unidos, por exemplo, vivem esse drama com os 5.426 sindicatos cuja receita anual é superior a US$ 200 mil. Muitos deles têm apresentado sinais de corrupção, causando danos aos seus representados (Elaine Chao, "Demanding transparency from unions", Washington: Department of Labor, 2003).
Entretanto, por força de uma lei antiga e em vigor até hoje (Labor-Management Reporting and Disclosure Act - 1959), os sindicatos (e empresas que se relacionam com eles) são obrigados a enviar ao Ministério do Trabalho relatórios anuais detalhados sobre o uso de recursos pagos pelos empregados o que permite ao governo ajudar os contribuintes a zelar pelos seus recursos.
Ocorre que os relatórios desenhados em 1959 tornaram-se complicados e ineficientes em vista da esperteza dos contraventores contemporâneos. Por isso, aquele Ministério está modernizando a referida maquinaria de controle, introduzindo, inclusive, um sistema de Internet que permite, aos contribuintes, escarafunchar as contas das entidades sindicais até o último centavo.
Essa obrigação já existiu no Brasil. Pela redação do art. 551 da CLT dada pelo Decreto-Lei 8.740 de 19/01/1946, os sindicatos, federações e confederações eram obrigados a enviar anualmente à antiga Comissão de Sindicalização do Ministério do Trabalho, em formulário padrão, uma minuciosa prestação de contas, especialmente sobre o uso do imposto sindical.
Hoje isso é um absurdo, pois a Constituição de 1988 (art. 8º) vedou a interferência do Poder Público na vida dos sindicatos. Ao mesmo tempo, porém, a Constituição manteve a compulsoriedade do velho imposto sindical. Surgiu uma arquitetura intrigante. A Carta Magna garantiu a receita (recurso parafiscal) e dispensou os sindicatos de prestar contas e serviços aos seus representados - não precisando dar satisfações nem ao governo (que garante a compulsoriedade), nem aos seus representados (que pagam a contribuição). Como são organizações sem fins lucrativos, os sindicatos não têm, tampouco, obrigação de publicar seus balanços.
Será que era isso mesmo o que os constituintes queriam? Ninguém previu que a inusitada fórmula nos levaria à balbúrdia atual?
Os americanos - que são os campeões do auto-controle - acham que o governo precisa entrar no circuito para facilitar aos pagantes o controle do seu dinheiro. Aliás, nos Estados Unidos, há também uma contribuição sindical compulsória que deve ser paga por sindicalizados e não sindicalizados que são cobertos por negociação coletiva. Só com muita justificativa eles podem se isentar desse pagamento porque, afinal, ele se destina a cobrir as despesas dos sindicatos nos trabalhos da negociação coletiva e evitar a proliferação dos "caronas".
Não estou propondo copiar nada e muito menos voltar às práticas do autoritarismo. Estou apenas informando que é possível moralizar os sindicatos inescrupulosos no modelo atual ou em outro. Dentre eles há que se reavaliar essa estranha garantia de receita sem obrigação de prestação de contas e de serviços. Isso não se ajusta aos dias de hoje, quando se cobra transparência crescente e responsabilidade constante de todas organizações sociais. Não há justificativa para os sindicatos ficarem de fora disso.
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