Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/06/2003.
Os sindicatos vão sobreviver no século XXI?
Estou passando alguns dias em Bruxelas para apreender junto aos órgãos da União Européia o que está acontecendo com o relacionamento entre empregados e empregadores. Por força da presença desses órgãos, Bruxelas se transformou num rico nicho para instituições que estudam o trabalho. Uma delas é o Instituto Europeu dos Sindicatos dos Trabalhadores, que tem um excelente quadro de pesquisadores.
Jeremy Waddington e Reiner Hoffmann publicaram um estudo de 713 páginas cujo objetivo é responder a uma intrigante questão: Os sindicatos do mundo ocidental sobreviverão ou serão extintos ao longo do século XXI?
Os autores procuram responder essa questão, analisando o desempenho e o futuro dos sindicatos dos 15 países membros da União Européia. A conclusão é pessimista. Os sindicatos estão falhando no acompanhamento das mudanças econômicas, tecnológicas e sociais e, em consequência, vêm perdendo força, filiação e prestígio junto aos trabalhadores.
O principal indicador da crise é a redução da presença física dos sindicalistas junto às empresas. Na Alemanha, onde há uma lei que garante a presença sindical nos locais de trabalho, isso ocorre em apenas 6% dos casos. Os sindicatos têm encontrado uma enorme dificuldade para se fazer presente nos ambientes tecnificados e nos setores de comércio e serviços. Mais de um terço dos seus associados são aposentados ou desempregados. O quadro é de grande desilusão.
De um modo geral, os sindicatos se ressentem da falta de líderes para asumir posições de direção. Na França, Itália e Espanha, eles perdem prestígio para novos organismos da sociedade civil, em especial as organizações não governamentais que lidam com meio ambiente, movimentos feministas, anti-raciais e outros. Nenhum destes, porém, é substituto dos sindicatos nos locais de trabalho.
Na Holanda a credibilidade dos sindicatos também vêm caindo por força, em grande parte, da explosão do trabalho em tempo parcial, cuja força de trabalho é altamente feminizada e desinteressada do movimento sindical. Só na Suécia e outros países da Escandinávia, 50% das empresas têm representantes sindicais junto às empresas (Jeremy Waddington e Reiner Hoffmann, organizadores, Trade unions in Europe, Bruxelas: European Trade Union Institute, 2000).
Em quase todos os países da Europa, os sindicatos perderam as condições de seguir as negociações coletivas que se tornam cada vez mais descentralizadas e realizadas no nível das empresas muitas das quais já estão preferindo a contratação individual - o que constitui uma verdadeira bomba relógio no continente que foi o berço do sindicalismo.
O estudo defende que, sem uma volta às empresas e à negociação coletiva, os sindicatos vão desaparecer. De nada adianta a sua participação crescente nos altos níveis do diálogo social e nos órgãos dos governos. Isso pode ser bom para fortalecer o corprativismo europeu mas não para dar pujança aos sindicatos na defesa das condições dos trabalhadores por meio de negociações coletivas. Afinal, os sindicatos são instituições enraizadas nos locais de trabalho e não na sociedade civil, concluem os autores.
De fato, nota-se na Europa uma crescente capacidade dos sindicatos em participar de campanhas nacionais como, por exemplo, os movimentos de protesto contra as reformas da Previdência Social da França e Áustria, assim como nas manifestações contra o "liberalismo" dos países ricos (G-8) e degradação do meio ambiente. Mas, a ação direta junto aos trabalhadores está bastante comprometida.
Os sindicatos perderam esse foco e estão à procura de outros que são trabalhados por inúmeras outras organizações. Faz sentido, portanto, o chamamento de Lula na Conferência Internacional do Trabalho realizada na OIT em 02/06/2003: "Se as organizações sindicais não adotarem uma nova atitude, perderão espaço para outras organizações do movimento social".
Penso que os dados da Europa e a reflexão de Lula são de utilidade para os que vão iniciar a reforma da organização sindical no Brasil. Que tipo de sindicatos o país deseja? Quais as áreas em que poderão ajudar a criar emprego e melhorar as condições de trabalho? Como projetar um tipo de sindicato que desempenhe essas funções com durabilidade no tempo? E do lado patronal, o que tem de ser feito? Em que medida os representantes dos investidores podem colaborar para o emprego e a melhoria da qualidade de vida? Convém manter a atual simetria entre sindicatos de empregados e sindicatos de empregadores? Ou vale a pena marchar para modelos assimétricos como há na Europa? Mas, qual deles, se a maioria está em crise?
Essas são questões a serem estudadas no Fórum Nacional do Trabalho. Não há nenhuma necessidade de copiar o que é feito nos outros países mas, se a idéia é evitar erros, convém não ignorar...
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