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Publicado em O Estado de S. Paulo, 20/05/2003.

A sustentação financeira dos sindicatos

A reforma sindical é parecida com a tributária: muitos defendem o fim da contribuição sindical compulsória mas poucos propõem um substituto que as partes aceitem.

Não há dúvida que um grande número dos 15.961 sindicatos do Brasil são de "gaveta" e só existem para embolsar a contribuição sindical. Cerca de 70% deles, porém, dizem realizar negociações coletivas (Pesquisa Sindical, Rio de Janeiro: IBGE, 2001). Na hipótese de se acabar com a contribuição compulsória, de onde virão os recursos para os serviços de negociação, estudos, formação de dirigentes, campanhas salariais e greves?

Ao fazer essas perguntas não vai nenhuma insinuação para se manter aquela contribuição. Elas visam apenas orientar o trabalho dos responsáveis pela reforma sindical na busca de fontes alternativas de recursos para os sindicatos.

Como raramente se pode contar com o aporte voluntário dos associados, muitos países adotam a figura da contribuição "negocial" ou de "solidariedade". Os beneficiados de uma negociação coletiva (empregados e empregadores) são obrigados a recolher para o respectivo sindicato os recursos gastos naquela campanha, como ocorre, por exemplo, no México, Colômbia, Argentina e vários países da Europa (Sérgio Pinto Martins, Contribuições Sindicais, São Paulo: Editora Atlas, 1998). A obrigatoriedade é geralmente garantida por lei, e o valor é fixado pela assembléia sindical ou pelo contrato coletivo.

São raros os sindicatos que conseguem viver somente de contribuições expontâneas de seus filiados. Para "induzir o voluntarismo", alguns tentam restringir os benefícios da negociação aos que se associam (e pagam) aos sindicatos. Mas isso é difícil. Na prática, os benefícios se estendem a todos os empregados das empresas cobertas pela negociação.

O PT e a CUT gostam dos modelos europeus onde inexiste contribuição compulsória como no Brasil. Ocorre que os sindicatos de trabalhadores da Europa, além de receberem as contribuições de solidariedade, são alimentados com recursos generosos, do governo e das empresas.

O caso da Espanha é eloqüente. Além da contribuição de solidariedade ("canon de negociación"), os sindicatos recebem subvenções pela participação em órgãos públicos responsáveis pelo seguro-desemprego, aposentadoria e pensões, saúde e segurança e outros; pela prestação de serviços junto a entidades governamentais que cuidam da formação profissional, supervisão da previdência complementar, convênios de saúde, etc. Além disso, incrível (!), recebem recursos das empresas: créditos horários para atividade sindical, ajuda às comissões intra-empresariais, atividades educacionais, esportivas, culturais e outras.

Aliás, na Europa, o recebimento de recursos do governo por participação em colegiados, comissões, comitês e órgãos públicos é generalizado. Na França, por exemplo, os sindicatos recebem verbas do governo para participar de centenas de colegiados tripartites de níveis local, regional e nacional; contam com verbas das prefeituras e subvenções do Ministério do Trabalho (formação profissional, saúde e segurança); ganham recursos de ministérios de outras áreas para funções específicas na educação, saúde, agricultura, etc.; e recebem subvenções contínuas do Primeiro Ministro para o funcionamento do IRES (Institut de Recherches Économiques et Sociales). No agregado, tais recursos representam cerca de 40% da receita total dos sindicatos franceses (Hubert Landier e Daniel Labbé, Les Organisations Syndicales en France, Paris: Les Editions Liasons, 2000).

Por força da CLT francesa, "Code du Travail", art. 434-8, os empregadores com mais de 50 empregados são obrigados a manter os "comitês de empresa" e ceder local, mobiliário, equipamento, meios de comunicação, etc. para o bom funcionamento daquelas unidades. Além disso, eles têm de pagar aos comitês um mínimo de 0,2% da folha de salários, fixado em lei, ou um outro valor, acertado no contrato coletivo de trabalho. Na prática, o percentual tem variado entre 0,5% e 2% - nas grandes empresas, chega a 5% da folha de salários (Patrick Duncombe, Le Comité d´ Enterprise dans le Cadre Européen, Paris: Hermesnet, 1998).

Em resumo: ao acabar com a contribuição sindical compulsória, os responsáveis pela reforma sindical terão de propor alternativas de sustentação financeira. Será que o Brasil vai querer adotar os modelos acima citados nos quais trabalhadores, empresas e governo financiam os sindicatos? É isso que constitui um sindicalismo "livre e autônomo"? Quanto vai custar para cada parte? Elas estão de acordo?