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Publicado em O Estado de S. Paulo, 06/05/2003.

Pluralidade sindical

Uma das reformas mais fundamentais na legislação trabalhista é a da organização sindical. Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 029/2003), de autoria dos deputados Vicentinho (PT/SP) e Maurício Rands (PT/PE) que termina com o atual sistema de unicidade sindical (onde as partes podem organizar apenas um sindicato por categoria e base territorial) e propõe um sistema de autonomia e liberdade.

Além das restrições aposentadas - categoria e base territorial - o atual sistema sindical se baseia em uma contribuição compulsória - um verdadeiro imposto sindical - que dá origem à proliferação de sindicatos sem representatividade pois, para garantir receita, eles não dependem de prestar bons serviços aos seus representados.

O que se defende para o Brasil é o sistema de pluralidade sindical. Esse sistema, porém, tem certos pré-requisitos para funcionar. Um deles é que seja capaz de disciplinar a negociação. Cada parte precisa saber claramente qual é a regra que define a sua contraparte na negociação. Os empresários perguntarão: vamos negociar com quem? O mesmo ocorre com o sindicato de trabalhadores: vamos pleitear benefícios junto a quem?

O PT e a CUT tem grande simpatia pelos modelos europeus onde os acertos geralmente começam pelas negociações setoriais e regionais e terminam nas negociações empresariais.

Os sindicatos de empregados e as associações de empregadores da Europa, apesar da autonomia, liberdade e pluralidade, negociam segundo setores e bases territoriais definidas há muito tempo e com base em princípios tacitamente acertados entre as partes. O que vale para a negociação, vale para a criação de organizações representativas.

Na maioria dos países, o referido ordenamento não foi matéria de lei, mas, nem por isso, os sindicatos e associações européias foram criados erraticamente. Ao longo das últimas décadas, alguns fundiram-se e outros atomizaram-se mas, na hora de negociar, eles continuaram seguindo os setores e as bases territoriais anteriormente definidas.

O que acontecerá com a negociação no Brasil se as restrições de categoria e base territorial forem abruptamente retiradas da lei como critérios de criação de sindicatos e ordenamento da negociação?

Se isso acontecer, a desorientação poderá dominar. Sim, porque mudando-se as condições para criação de sindicatos, estes poderão considerar que mudaram também as linhas de negociação. Uma empresa poderá ser surpreendida com mais de um sindicato de empregados para negociar na data-base. Um novo sindicato pode estranhar a recusa de um conjunto de empresas em negociar com ele. Quem vai obrigar as partes a aceitar novas linhas de negociação?

Em outras palavras, a liberdade de criar sindicatos aleatoriamente pode se chocar com a disciplina exigida pelas empresas e trabalhadores no campo da negociação. Isso não impede e nem deve afastar a mudança da atual organização sindical. Mas esses problemas precisam ser antecipados para poder ser equacionados.

Há várias formas de resolver os impasses. Uma delas é realizar uma negociação prévia entre empregados, empregadores e seus representantes para ordenar essa matéria. Sim porque o melhor sistema é aquele que os protagonistas acham útil para si. É impossível para o técnico dizer que o alinhamento "a" seja melhor do que o "b". O que os estudiosos das relações do trabalho podem oferecer são esclarecimentos sobre as várias funções que um sistema de negociação tem de preencher e os possíveis desdobramentos deste ou daquele sistema.

Em outras palavras, os "efeitos colaterais" que decorrem da transformação do sistema sindical de unicidade para pluralidade são solúveis. Através de um pacto intersetorial, por exemplo, os representantes de empregados e empregadores poderão estabelecer um período de carência de vários anos, durante o qual, as negociações (1) continuariam seguindo os critérios de categoria e base territorial hoje existentes ou (2) poderiam ser modificadas mediante negociação prévia entre as partes por elas afetadas.

Uma outra questão refere-se ao fim da contribuição compulsória e às novas formas de financiamento dos sindicatos. Mas este assunto fica para um próximo artigo.