Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/04/2003.
O retrato dos sindicatos
A pesquisa sindical realizada pelo IBGE em 2001 tem várias limitações metodológicas, mas, ainda assim, é reveladora de informações úteis, algumas, surpreendentes.
Apesar da Constituição Federal estabelecer a "unicidade sindical", o Brasil tem 11.354 sindicatos de trabalhadores e 4.607 de empregadores - totalizando 15.961 entidades sindicais - 2/3 urbanas e 1/3 rurais.
Entre 1991 e 2001, o crescimento anual dos sindicatos foi enorme - 3,3%! Cerca de 78% desse crescimento deveu-se à criação de sindicatos de trabalhadores e 22% de empregadores. Do lado laboral, os que mais cresceram foram os sindicatos dos servidores públicos (que hoje respondem por mais de 30% dos sindicatos de trabalhadores) e dos autônomos (14% ao ano). Os que menos cresceram foram os sindicatos dos trabalhadores da indústria.
O que fazem os sindicatos? Mantendo-se a reserva metodológica mencionada, a pesquisa derruba alguns mitos, dentre eles, o de que a maioria dos sindicatos não faz absolutamente nada. Eu mesmo me surpreendi com alguns resultados. Por exemplo, no setor urbano, 72% dos sindicatos de empregados e 68% dos empregadores realizam negociações coletivas.
A pesquisa não permite avaliar a fidedignidade das respostas. Muitos informantes podem ter afirmado que negociam quando, na realidade, não negociam. De qualquer forma, os percentuais são altos quando se alega que a vasta maioria dos sindicatos é de "gaveta".
Um outro dado surpreendente é que a proporção dos associados que estão aptos a votar e que comparecem às urnas está entre 81% e 100%. Outra vez, a pesquisa não permite detectar qual é a proporção dos aptos a votar dentro do quadro de associados ou da categoria profissional ou econômica. Mas é uma proporção substancial em face das alegadas "assembléias fantasmas" nas quais os diretores ali comparecem para votar em si mesmos.
Em dois aspectos, os dados batem com a observação do cotidiano. Em primeiro lugar, na maioria das eleições sindicais, predominam as chapas únicas. Em seguida vêm as chapas de rodízio, que se revezam no período de mandato, em geral, três anos. Em segundo lugar, predominam os militantes de larga experiência no sindicalismo. A maioria dos dirigentes eleitos participou de quatro ou mais gestões.
No campo do financiamento há uma surpresa. Apesar de ser compulsória, cerca de 30% dos sindicatos de trabalhadores do setor urbano e 23% dos empregadores não recolhem o chamado "imposto sindical".
O que dizer desse quadro? Alguns sindicatos, provavelmente, não dependem dessa fonte de receita; outros são desorganizados no recolhimento. Pode ter ocorrido ainda, na coleta dos dados, uma confusão entre quatro tipos de contribuição sindical que as entidades podem recolher: a compulsória, a confederativa, a associativa e a negocial.
O que os sindicatos fazem com a contribuição recolhida? Cerca de 80% ficam com ela e usam em suas atividades. Um pouco mais de 20%, no setor urbano, devolvem-na aos seus associados, sendo 10% de forma expontânea e 12% mediante requerimento do contribuinte.
O IBGE confirma, assim, que a contribuição compulsória é o grande esteio das finanças dos sindicatos brasileiros. Mas essa não é a única fonte de financiamento. Cerca de 40% cobram a contribuição assistencial ou negocial dos seus associados; 28% cobram-nas de toda a categoria profissional; 24% recolhem a contribuição confederativa.
Em suma. Pelos dados dessa pesquisa não se pode dizer que a maioria das diretorias dos sindicatos do Brasil é eleita por si mesma ou formada por oportunistas sem experiência sindical. A maioria dos dirigentes sindicais diz usar a contribuição compulsória para as atividades de negociação e serviços assistenciais.
Os que receberão a responsabilidade de pensar em um novo tipo de sindicalismo para o Brasil não poderão ignorar esses fatos. Na mudança, há que se pensar em criar um mecanismo que tenha a necessária pontaria para promover o fortalecimento dos sindicatos competentes e os que podem se tornar competentes, em especial, no campo da negociação. A simples eliminação da contribuição compulsória não garante esse resultado. Ao contrário, um erro de cálculo, pode sacrificar as entidades sindicais que podem ser úteis e dar vida às inúteis no atendimento dos seus representados.
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