Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/04/2003.
Importação de modelos trabalhistas
A CUT e o PT sempre tiveram simpatia pelo estilo europeu de relações de trabalho. Na Europa, não se pode falar em modelo único pois cada país tem suas peculiaridades. De um modo geral, porém, os sistemas da Europa Continental buscam atingir um tipo de "capitalismo regulamentado" que objetiva redistribuir os benefícios da economia de mercado pela via do "diálogo social".
A retórica do diálogo social está amplamente difundida, embora pouco praticada. Há exceções como a Noruega, Dinamarca, Suécia, Holanda, Áustria e, em menor escala, a Alemanha - países que sempre cultivaram a cultura da conversação em busca do consenso. Mesmo assim, a ampliação da distribuição de benefícios através de pactos consensados, cria problemas de segunda geração que nem todos os países conseguem resolver. Tomemos o caso recente da Alemanha.
O sistema trabalhista alemão nos últimos 30 anos estabeleceu leis e contratos coletivos que elevaram os mínimos de proteção e os benefícios a níveis invejáveis. Veja o caso do seguro desemprego. A lei alemã garante 34 meses de benefícios que variam de US$ 600 a US$ 1,400 por mês. Além disso, a lei assegura aos desempregados o direito de rejeitar uma oferta de emprego que lhe pareça pouco atraente.
As despesas do governo não páram com o seguro-desemprego. Cerca de 500 mil trabalhadores são retreinados e reciclados anualmente, durante o desemprego, o que movimenta uma colossal e caríssima máquina pública. Esses programas transformaram-se na mais próspera indústria de requalificação do mundo, uma verdadeira "indústria do desemprego". O Ministério do Trabalho é em um dos maiores empregadores do país (100 mil servidores), o que drena recursos que poderiam ser orientados para gerar empregos. Para tocar essa monstruosa máquina, o governo alemão gasta, anualmente, o equivalente a US$ 20 bilhões em salários e US$ 20 bilhões em subsídios.
Esse esforço tem gerado empregos? Os números oficiais falam em 4 milhões de desempregados - 9,5%. Ao se incluir as pessoas que, por força da lei, são aposentadas precocemente (50 anos de idade), o número de desocupados sustentados pelo Estado chega perto de 6 milhões - 14%. Para muitas empresas, é cômodo "encostar" seus excedentes no seguro-desemprego ou antecipar suas aposentadorias.
É verdade que o país gastou muito com a integração das duas Alemanhas. Mas a escalada das leis e contratos de elevada proteção social, somada aos subsídios ao desemprego e às aposentadorias precoces respondem, hoje em dia, por um déficit público de quase 4% do PIB e constituem um dos principais inibidores do emprego.
As centenas de comitês e comissões tripartites, que se reúnem dia e noite para praticar o diálogo social, têm conseguido criar projetos e programas de todos os tipos e finalidades, menos para gerar empregos.
Os grandes beneficiários desse modelo são os protagonistas da "indústria do desemprego". É o eterno perigo de se exagerar na criação de burocracias que distribuem subsídios com o dinheiro dos contribuintes.
Isso tem comprometido a economia alemã. O PIB tem crescido pouco mais de 1% anualmente. É irrisório. O déficit público de 3,8% está prestes de provocar uma punição por parte dos controladores da União Européia.
E agora, o que fazer? Só resta desmontar o neo-corporativismo implantado. Várias mudanças foram tentadas mas todas foram prontamente abortadas pela demagogia e esperteza de alguns políticos e dirigentes sindicais que, com pompa e circunstância, falaram em nome dos mais fracos.
No seu novo mandato, Gerhard Schroder se diz disposto a mudar tudo. Estabeleceu uma agenda dura que inclui a simplificação da burocracia e redução dos custos não salariais para as pequenas e médias empresas; a limitação do seguro-desemprego a 12 meses; corte dos custos não salariais (encargos sociais); e descentralização da negociação coletiva em direção ao nível da empresa e, mesmo assim, permitindo exceções.
O desmonte será dificílimo pois vai mexer com as chamadas conquistas sociais.
E no Brasil? Corremos o risco de criar promessas irrealizáveis para ter de cortá-las amanhã ou vamos continuar com o atual cinismo em que a lei protege apenas 40% dos trabalhadores e joga 60% na informalidade? Esse é o grande desafio da reforma trabalhista.
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