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Publicado no Jornal da Tarde, 05/03/2003.

Lula esfria os sindicalistas

No último dia 25 de fevereiro, o Presidente Luis Inácio Lula da Silva deu um outro puxão de orelhas nos sindicalistas que o visitaram no Palácio do Planalto. O primeiro foi no dia 26 de novembro quando, reunido com os "companheiros", em São Paulo, disse:

"Aviso que vai acabar essa moleza dos sindicalistas trabalharem só na data-base e ficar o resto do ano sem fazer nada. Vocês precisam entender o tamanho do 'pepino' que recebemos. Nesta sala, com mais de 500 dirigentes sindicais, não há um trabalhador excluído, aquele que não tem trabalho e nenhuma proteção. Os excluídos é que devem ser a nossa prioridade. Vou chamar vocês para negociar com as outras forças políticas para, juntos, fazermos as reformas da Previdência Social e a tributária. De vocês, espero menos bravata e mais competência".

Na fala da semana passada, ele repetiu o sermão: "Os sindicalistas precisam deixar de ser corporativistas e passar a olhar os problemas do ângulo da Nação. Sindicatos, no modelo atual, só protegem os incluídos. É preciso que comecem a ajudar os excluídos".

O que terá acontecido com Lula, o ex-dirigente sindical? Por que tanta crítica aos sindicatos?

Lula passou por várias mudanças. Mas há uma delas que é de enorme profundidade. Ao se eleger Presidente da República, Lula tornou-se o maior empregador do Brasil. Se contarmos todos os servidores da União, os funcionários das autarquias e os empregados das empresas estatais federais, Lula é responsável por mais de 1,5 milhão de empregos diretos. Na mesa de negociação, ele saiu de um lado e entrou no outro.

Dentre todas as metamorfoses por que passou, essa é, sem dúvida, a de maior repercussão no seu comportamento. Como empregador, Lula foi obrigado a olhar para a capacidade de pagamento da sua tesouraria. Constatou, espantado, que está sem caixa. Suas disponibilidades dão apenas para cobrir um aumento linear de 2,5% para os servidores públicos, cuja maioria, sofre um arrocho que dura anos e, por isso, reivindica 46,95%. Se o aumento for diferenciado, pode chegar a 4%. Há um colossal abismo entre o pleito e a oferta.

Nessas condições, só restava ao Presidente da República levar os visitantes à boca do cofre para ali verificarem a penúria em que se encontram as finanças do Estado brasileiro.

Mas o pedido de Lula, por mais realista que seja, deixa os sindicalistas em posição de extrema dificuldade. Os seus compromissos fundamentais é com os trabalhadores que representam. Por mais que tenham se engajado na campanha do Presidente, eles não podem negar apoio aos seus "incluídos". Para eles, o trabalho efetivo com os excluídos é secundário. Durante a campanha, eles usaram e abusaram do sofrimento dos desempregados, dos informais, dos pobres e dos miseráveis para dar respaldo à vitória de Lula. Mas o seu foco são os que trabalham nos setores público e privado que já têm proteção.

Lula está cobrando uma coisa que a maioria dos sindicalistas não sabe ou não tem condições de fazer, pois o mundo dos excluídos é enorme, heterogêneo, espalhado por toda parte, e profundamente desorganizado. São mais de 45 milhões de brasileiros que superam, em muito, os 28 milhões que estão no mercado formal.

Lula é presidente de todos. E tem especial compromisso com os que sofrem. Essa é a razão do seu dramático apelo. Ele mesmo deu pistas para os sindicalistas agirem.

Quanto à melhoria dos vencimentos dos servidores públicos, disse Lula, os sindicatos têm de se fazer presentes no Congresso Nacional no momento de se montar o orçamento público.

Quanto ao atendimento dos excluídos, arrematou, os sindicatos têm de se engajar nas reformas previdenciária e tributária.

Trata-se de uma agenda muito ampla para o sindicalismo brasileiro, aliás, parecida com a que é perseguida pela maioria dos sindicatos da União Européia, onde cresce a cada dia o seu envolvimento com os temas centrais da sociedade: previdência, educação, saúde, geração de emprego, seguro-desemprego, tributos, encargos sociais, etc. É o chamado "neo-corporativismo" através do qual os sindicalistas ocupam posições estratégicas que os fazem olhar a realidade através de uma grande angular e não meramente dos objetivos imediatos.

Será que o sindicalismo brasileiro está preparado para esse novo papel? Afinal, inúmeros sindicalistas estão assumindo cargos importantes nos governos da União e dos Estados onde o PT venceu. O que sairá disso? Teremos um tempo de cooperação e construção ou uma era de pura militância partidária? Isso, só o tempo dirá.