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Publicado em O Estado de S. Paulo, 25/02/2003.

Contribuições previdenciárias: da folha para a receita

Os 27 governadores e o Presidente da República divulgaram em 22 de fevereiro de 2003 a Carta de Brasília onde, dentre outras sugestões, recomendam o deslocamento das contribuições previdenciárias da folha de pagamentos para a receita bruta das empresas do setor privado, com o propósito de reduzir o peso dos encargos sociais e ajudar a formalizar os empregos.

Ao meditar sobre essa sugestão no último fim de semana, surgiram dez questões que desejo compartilhar com o leitor.

1. Levando-se em conta que, atualmente, as contribuições previdenciárias incidem sobre várias despesas da folha de pagamentos (13o. salário, férias, abono de férias, repouso remunerado, etc.) qual seria a alíquota sobre a receita bruta? Se for para manter as incidências atuais, garanto que será alta, o que vai redistribuir o custo Brasil, e não reduzi-lo.

2. A proposta deverá dividir o empresariado. As empresas que são intensivas em mão-de-obra aplaudirão. As que são intensivas em capital, condenarão. Como encontrar um ponto médio que atenda os interesses dos dois grupos?

3. Muitos vêm nisso mais justiça social, pois "quem fatura muito e emprega pouco, ajudaria a proteger os que trabalham em empresas que empregam muito e faturam pouco". É um sistema sui generis de "contribuições cruzadas": as empresas mais tecnificadas "bancariam" a aposentadoria dos empregados das empresas menos tecnificadas. Algum país tentou esse sistema? Deu certo?

4. O novo método de financiamento imporia mais tributação sobre o faturamento que já está bastante onerado com tributos e contribuições, muitas delas, aliás, destinadas à própria seguridade social (PIS, COFINS, CSLL, etc). Isso não vai contra o espírito da reforma tributária?

5. A aludida migração reduziria ou elevaria os custos de produção? Quais os reflexos sobre o custo unitário do trabalho? Se reduzir os custos, haverá estímulo aos investimentos e ao emprego. Se elevar, dar-se-á o inverso.

6. Ao jogar a contribuição previdenciária sobre a receita bruta – que está mais ligada ao preço final dos bens e serviços – a nova sistemática atenuaria ou "turbinaria" o efeito cascata do atual sistema tributário? Se atenuar, nota dez; se turbinar, nota zero.

7. E do lado da Previdência Social, o novo sistema geraria mais segurança de receita? É preciso lembrar que o faturamento das empresas está muito mais sujeito aos ciclos econômicos e às turbulências da economia globalizada do que as folhas de pagamento. Na recessão ou desaquecimento, a receita bruta cai instantaneamente, mas as empresas só despedem empregados depois de certo tempo. Como garantir pontualidade de pagamento aos pensionistas e aposentados com recursos incertos do lado das empresas?

8. É verdade que, hoje, 60% dos brasileiros trabalham na informalidade. Mas as empresas tecnificadas têm mais espaço para fazer "planejamento tributário" em cima da receita (mesmo bruta) do que em cima da folha de pagamentos. Quais os reflexos da sonegação, evasão e elisão nos recursos Previdência Social? Seria ela forçada a subir a alíquota sobre os que pagam como já aconteceu com o FINSOCIAL e COFINS?

9. Além da grande polêmica a ser instalada entre os empregadores, a idéia de penalizar quem moderniza, carrega consigo um certo viés contra a automação, mecanização e outros avanços quando, na verdade, o uso de tecnologia está muito mais ligado à natureza dos processos do que à vontade dos empregadores. Há certas atividades que só podem ser realizadas com a ajuda de máquinas, equipamentos, computadores, robôs, etc. As empresas terão a chance de substituir máquinas por trabalhadores nessas atividades?

10. Ademais, é o aumento da produtividade na economia em geral que garante mais empregos. Nos dias de hoje, as empresas mais tecnificadas e que têm mais de 200 empregados formais respondem por 50% dos postos de trabalho. Se o emprego está difícil com produtividade crescente o que dizer de um quadro de produtividade decrescente?

A nova fórmula de financiamento encerra enorme complexidade. Todos querem reduzir os encargos sobre as folhas de pagamento. Ótimo! Mas despir um santo para vestir outro parece não ser a melhor estratégia. Nesse campo, não há como evitar uma boa reforma trabalhista.