Publicado no Boletim de Relações do Trabalho, CNI – mai/jun 2001
Reforma trabalhista na Nova Zelândia faz dez anos
Quando se discutem reformas trabalhistas de profundidade é comum argumentar-se que elas só ocorreram por força de guerras, revoluções e ditaduras. Mas a história contemporânea registra belos exemplos de modernização por meios democráticos. No mês de maio, a Nova Zelândia completou dez anos de uma das mais profundas reformas trabalhistas.
A Nova Zelândia é um país pequeno – menos de 4 milhões de habitantes. A economia é fortemente exportadora. Na década de 60, o país ocupou o terceiro lugar no ranking de renda per capita. Em 1990, caiu para vigésimo. O crescimento foi de 2%; a inflação, 16% e o desemprego, 11%
Um grande programa de reformas foi implantado entre 1988-90. A última foi a trabalhista. O mercado de trabalho estava engessado por leis que garantiam o monopólio dos sindicatos nas negociações e filiação obrigatória. As negociações cobriam inúmeras empresas, muitas vezes setores nacionais. A arbitragem era compulsória. Os laudos, arbitrais, valiam para todo o país.
A "Lei dos Contratos de Emprego", aprovada em maio de 1991, remexeu todo sistema. Acabou-se com o monopólio sindical e a obrigatoriedade de filiação. Empregados e empregadores passaram a escolher entre negociações multiempresariais ou uniempresarial. Acabou-se com a arbitragem compulsória. Os resultados foram expressivos. O emprego e os salários aumentaram. A produtividade do trabalho subiu substancialmente. Os conflitos diminuíram (Tim Maloney, "Has New Zealand´s employment contracts increased employment and reduced wages?", Australian Economic Papers, Vol. 36, dezembro de 1997).
Mas a grande mudança foi o fato de a nova lei ter deixado para os empregados decidirem se desejavam negociar individual ou coletivamente com as empresas e, neste caso, com ou sem ajuda dos sindicatos. Uma verdadeira revolução nas relações de trabalho. O que aconteceu?
É verdade que nem tudo dependeu do novo regime trabalhista. Mas, nos cinco anos seguintes, o crescimento se manteve entre 5% e 7%. O país retomou a pujança exportadora. As contratações foram simplificadas. O conflito reduzido ao mínimo. E o desemprego caiu para 6%.
No início, a maioria dos empregados se entusiasmou pela contratação individual. Mas, gradualmente, foram se dividindo. A maioria voltou-se para os contratos coletivos. E como ficaram os sindicatos nesse novo cenário?
As primeiras negociações coletivas foram feitas com pouca participação dos sindicatos, cobrindo várias empresas. Mas, aos poucos, tudo mudou. Hoje, 99% dos contratos são por empresa. E empregadores e empregados voltaram a negociar com a participação dos sindicatos. Mesmo quando a maioria dos empregados não é sindicalizada, os empregados reconhecem nos dirigentes sindicais um bom domínio das técnicas de negociação. Para muitas empresas isso também se revelou mais conveniente. Para elas, é melhor negociar coletivamente e com líderes competentes do que manter diferentes contratos individuais. Atualmente, cerca de 65% dos contratos são negociados desse jeito. Os demais, individualmente.
A nova lei recebeu um aperfeiçoamento de outubro de 2000, passando a se chamar "Lei das Relações de Emprego". O novo instituto manteve a não-obrigatoriedade de filiação e a liberdade para a realização de contratos individuais. Mas, reconhecendo a tendência da realidade, passou a exigir que toda negociação coletiva seja feita com a participação dos sindicatos sem, no entanto, exigir sua filiação àquelas agremiações. Os sindicatos passaram a funcionar como um business, especializados em negociação. E quem decide o nível e tipo de negociação são os empregados e empregadores, garantindo-se, assim, a liberdade na contratação do trabalho.
Muitos argumentarão que, para o Brasil, essa lição vale pouco. Afinal, a Nova Zelândia é uma nação pequena e homogênea. Nós somos o inverso. Mas, assim como não se deve copiar sistemas estrangeiros, convém não ignorá-los, especialmente quando produzem bons resultados.
A Lei das Relações de emprego de 2000 tem um grande capítulo, reforçando o conceito da boa-fé. Empregados e empregadores têm de ser honestos e transparentes uns com os outros. A apresentação de dados fiéis é parte mais importante da boa-fé. Nenhuma das partes pode induzir a outra a erros devido a blefes e escamoteamentos. Os empregadores têm de respeitar os sindicatos quando o acordo é de natureza coletiva. Os sindicatos têm o direito de entrar nos locais de trabalho, dentro de suas atribuições. O empregador pode negar sua entrada, quando o assunto é impertinente ou intempestivo.
Apesar de arrepiar os teóricos ortodoxos do trabalhismo mundial, o sistema de relações do trabalho da Nova Zelândia constitui um dos mais eloqüentes exemplos do exercício efetivo da liberdade e do respeito entre empregados e empregadores. É uma peça de criativa engenharia social, em pleno funcionamento, e que não pode ser ignorada pelos amantes da democracia.
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