Publicado no Jornal da Tarde, 27/11/2002.
Os dilemas da contribuição sindical
A reforma da organização sindical é muito parecida com a reforma tributária: todos concordam que é necessária mas todos discordam sobre como fazê-la.
São inúmeros os pontos de desencontro. Um dos mais visíveis é o da contribuição sindical compulsória. A grita contra essa compulsoriedade é enorme. Mas na hora de mexer nela, o desencontro é enorme.
No dia de ontem, o Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva reuniu-se, pela primeira vez, com todas as representações de trabalhadores para começar a explorar o assunto. A discordância foi total. Para João Felício, Presidente da CUT, a contribuição sindical deveria acabar já, e os sindicatos deveriam viver dos que, livremente, se associam a eles, pagando mensalidade. Para José Calixto, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria, a contribuição sindical não deveria acabar nunca. Para o Alemão, Presidente da Social Democracia Sindical, ali representado por Roberto Santiago, o fim da contribuição deveria ser gradual. Para Paulo Pereira da Silva, Presidente da Força Sindical, a contribuição deveria ser substituída por outra, aprovada pelos trabalhadores.
Os fatos que aponto abaixo não significam minha concordância ou preferência pelo sistema de contribuição compulsória. Eles indicam simplesmente os problemas que terão de ser superados para se chegar a um sistema de voluntário ou "misto" na questão do financiamento dos sindicatos. Comecemos pelo lado mais prático.
Você acha justo ter de pagar a mensalidade de um clube do qual você não é sócio? Esse é o caso da contribuição sindical no Brasil. Ela é compulsória, por força de lei, e aplicável a todos os empregados e empregadores, sejam eles filiados ou não aos seus respectivos sindicatos. Os empregados são obrigados a entregar um dia por ano de trabalho ao seu sindicato e os empresários, um percentual do capital social de sua empresa.
Colocada dessa maneira, a opção mais comum costuma ser a do voluntarismo: paga quem quer; quem gosta; e quem acha útil. Afinal, ninguém é obrigado a se filiar ou não se filiar a uma associação.
Mas, o problema é mais complexo. Permita-me reformular a pergunta inicial da seguinte forma: você acha justo que apenas alguns paguem pela manutenção de um clube quando outros se utilizam de seus serviços sem nada pagar? Esse é o caso de empregados e empregadores que se beneficiam dos resultados de uma negociação coletiva que consumiu recursos dos filiados durante as fases da campanha e do próprio processo negocial. A compreensível preferência por pegar uma carona ("free-rider") gera condutas controvertidas.
Como tratar o oportunismo dos que desejam benefícios sem custos? Uma alternativa seria a de limitar os benefícios da negociação aos que contribuem. Mas isso é impossível e anti-democrático. Outra, seria a de criar uma pressão moral para os não contribuintes rejeitarem os benefícios para os quais nada pagaram. Também impossível. Quem abdica de benefícios?
No Brasil, a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987-88, em lugar de enfrentar o problema, preferiu criar mais uma contribuição - a confederativa. Os sindicatos de empregados e empregadores, aproveitando o embalo, criaram um farto cardápio de outras contribuições. Hoje, o Brasil possui, pelo menos, quatro contribuições sindicais: a compulsória, a confederativa, a associativa e a assistencial - mas as três últimas não são de pagamento obrigatório.
Na maioria dos países a legislação prevê que as assembléias dos sindicatos têm poderes para fixar o valor das contribuições relativas aos serviços prestados pelas entidades sindicais - em especial a negociação. Nessa assembléia podem comparecer e votar filiados e não filiados. Uma vez aprovado o referido valor, todos os beneficiados pela negociação são obrigados a pagar.
Quem não gosta dessa idéia, tem a alternativa de comparecer à assembléia para defender um valor próximo de zero. É ali que o trabalhador ou o empresário exerce o seu direito de discordar. Passada essa fase, ele tem de pagar o que a assembléia fixou.
Essa idéia já vem sendo considerada por muitos sindicatos do Brasil. Pode ser uma saída para se enfrentar os que gostam da carona.
Mas, por trás desse exercício sobre fórmulas de financiamento, há uma questão de profundidade ainda maior e que exige um esclarecimento prévio: qual é o futuro do sindicalismo no Brasil? Os empregados e empregadores querem continuar com sindicatos ou gostariam de dispor de outras instituições para ajudá-los a resolver seus problemas? Como ficam os que não são nem empregados e nem empregadores, como é o caso dos autônomos, dos subcontratados, dos teletrabalhadores, dos terceirizados e dos que trabalham por projeto? Enfim, como colocar uma meia-sola na contribuição sindical sem antes discutir essas questões?
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