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Publicado em O Estado de S. Paulo, 05/11/2002.

Jornada de 35 horas

A França é um dos poucos países que reduziu a jornada de trabalho por lei, passando-a de 42 para 39 horas semanais, em 1982, e de 39 para 35 em 1997.

No Brasil, a decisão francesa ganhou as manchetes, em especial, nos jornais dos sindicatos de trabalhadores. As centrais sindicais reforçaram a campanha que sempre fizeram para se reduzir a jornada semanal de 44 para 40 horas semanais - o que implica mudar a Constituição Federal. O presidente eleito Luiz Ignacio Lula da Silva incluiu no seu Programa de Governo a mesma redução, sem diminuição de salário, o que implica no encarecimento da hora trabalhada em 10%, mais os encargos sociais.

A lei francesa entrou em vigor em janeiro de 2001. Dois importantes fatos passaram despercebidos da imprensa brasileira. O primeiro é que, no período anterior à vigência da lei (1997-2000), o governo deu fortes incentivos para as empresas aderirem às 35 horas o mais rápido possível. O segundo é que, a Suprema Corte da França mandou respeitar o prazo de vigência dos contratos coletivos de trabalho. A lei se tornou realidade depois de expirados os contratos. O negociado prevaleceu sobre o legislado.

Nesse interim, as empresas realizaram um ajuste negociado com os empregados que serviu para manter estável o "custo unitário do trabalho". Isso foi conseguido através de várias mudanças no regime de trabalho tais como novos turnos, determinação rígida do período de férias, encurtamento de descansos durante a jornada diária, remanejamento de folgas, trabalho aos sábados, etc., o que significou, em última análise, uma elevação da produtividade do fator trabalho.

Qual foi o resultado disso para os trabalhadores contemplados com a redução da jornada?

Depois de quase dois anos de implementação da lei, os funcionários de escritório estão comemorando. Mas os trabalhadores da produção estão detestando. Os primeiros trabalham menos e ganham mais por hora trabalhada pois, para eles, foram poucos os ajustes dos turnos, descansos, folgas, trabalho aos sábados, etc.

Os trabalhadores da produção, entretanto, foram atingidos por ajustes de grande profundidade nos itens acima indicados. Por isso, eles reclamam que, em vez de trabalhar menos, passaram a trabalhar mais e, no fim das contas, ganhar menos.

Para uma grande parte dessa força de trabalho, a eliminação das horas extras reduziu os ganhos mensais. Por outro lado, a intensificação do trabalho elevou o stress. Ademais, eles têm menos controle sobre os dias de folga e menos liberdade em relação ao período de férias.

Em suma, os trabalhadores da produção se desiludiram com a nova jornada e acham que o tiro saiu pela culatra. Muitos deles votaram em Jean-Marie Le Pen que, no primeiro turno das últimas eleições presidenciais, venceu o proponente das 35 horas semanais, o socialista Lionel Jospin. As pesquisas qualitativas indicaram que esses trabalhadores sentiram-se abandonados pela esquerda (Jean Viard, Le sacre du temps libre: la societé des 35 heurs, Paris: Centre d'étude de la vie politique française, 2002).

O principal objetivo da nova lei era criar empregos. De fato, entre 1997-2001 o desemprego baixou de 12,1% para 8,7%, mas os estudos não conseguem demonstrar que isso foi devido à redução da jornada. Eles captam bem o impacto do crescimento econômico que foi acelerado no período em tela quando, o desemprego teria baixado mesmo sem a redução da jornada. Nos primeiros nove meses de 2002, entretanto, o crescimento diminuiu, a jornada continuou reduzida e o desemprego voltou a aumentar, chegando a 9% em setembro último.

Nos dias atuais, o governo de Jacques Chirac já pensa em flexibilizar essa lei. A principal mudança seria permitir mais horas extras (hoje limitadas em 130 por ano), pelo menos por um período experimental de 12 a 18 meses.

Os sindicatos socialistas são contra a idéia. Os empresários apoiam, desde que a mudança seja permanente. Os operários que foram afetados pela redução de ganhos vêem nisso a melhor limonada a ser feita com os limões que a nova lei lhes deu. Ainda assim, continuarão estressados.

É claro que a França é a França e o Brasil é o Brasil. Mas não é demais pensar um pouco na experiência francesa antes de se mudar a Constituição Federal para reduzir a jornada semanal no Brasil.

Será que as empresas brasileiras têm mais gordura do que as francesas para poder aceitar um aumento de 10% no salário hora (mais encargos de 103,46%) sem repassar isso para os preços ou perder competitividade?