Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/08/2005
Terceira versão da reforma
A novela da reforma universitária tem dois novos capítulos. O primeiro foi a divulgação da nova versão do projeto, durante a troca de comando do Ministério da Educação. O segundo foi a decisão do novo ministro, Fernando Haddad, de tentar pôr em vigor algumas das diretrizes da reforma antes da sua votação no Congresso, por meio de decreto. Como o tema vem sendo debatido há quase um ano pela comunidade acadêmica, disse ele, essa iniciativa não "soaria como autoritária".
O que explica esse açodamento é a disposição do governo do PT de tornar essa reforma inexorável. A idéia, como o próprio Haddad reconhece, é impedir que ela possa ser engavetada pelo próximo governo. O problema é que a terceira versão do projeto não é melhor que as anteriores. Pelo contrário, ela continua sendo tão ruim e eivada de concessões corporativas que, caso seja imposta, mesmo parcialmente, por decreto, poderá gerar o caos no âmbito do ensino superior.
Atendendo a pressões da União Nacional dos Estudantes (UNE), a nova versão inclui duas medidas assistencialistas. No âmbito das universidades federais, aumenta de 5% para 9% o porcentual que essas instituições terão de gastar com bolsas de estudo, moradia e alimentação. A justificativa é garantir condições de sobrevivência aos estudantes que serão beneficiados pelo sistema de cotas. Já as universidades particulares terão de divulgar dois meses antes do fim do semestre, o valor do reajuste das mensalidades para o semestre seguinte.
Cedendo a pressões da comunidade acadêmica, que sempre acusou a política de cotas do governo de esvaziar o princípio do mérito no acesso ao ensino superior, a terceira versão do projeto prevê duas regras. Pela primeira, as instituições federais criadas após a aprovação da reforma universitária deverão, já no primeiro vestibular, reservar 50% das vagas de todos seus cursos para alunos oriundos da rede pública de ensino médio. Pela segunda regra, as universidades federais já existentes terão até 2015 para adotar o sistema de cotas. A justificativa de Haddad é que as novas instituições têm flexibilidade para implementar políticas de inclusão social, pois "não têm tradição a quebrar".
Continuam sendo polêmicos os critérios para que uma instituição de ensino superior possa continuar mantendo o status jurídico de universidade e a autonomia para criar cursos e ampliar vagas sem prévia autorização do Ministério da Educação (MEC). Segundo a terceira versão do projeto, elas deverão oferecer o mínimo de 8 cursos de graduação – na segunda versão eram 12 -, 3 de mestrados e 1 de doutorado. Como 99 das 164 universidades brasileiras hoje não atendem a essas exigências e os investimentos em pós-graduação são muito altos, elas terão o prazo de seis anos para cumprir essa determinação.
Na prática, o que o governo está pretendendo fazer, com essa iniciativa, é promover uma expansão quantitativa de mestrados e doutorados em todo o País, sem maior preocupação com a qualidade dos cursos a serem oferecidos. Com isso, o risco é o de que a pós-graduação acabe reproduzindo os mesmos problemas estruturais da graduação, desmoralizando ainda mais o ensino superior.
No mais, embora tenha reconhecido a autonomia das universidades públicas estaduais, como é o caso da USP e da UNICAMP, em São Paulo, a terceira versão mantém as concessões ao politicamente correto e desce a detalhes corporativos que beiram o absurdo. Ela continua insistindo na "gestão democrática das atividades acadêmicas", na "promoção da diversidade cultural, da identidade e da memória dos diferentes segmentos sociais" e na promoção da "cidadania". Ao mesmo tempo, ela garante ao servidor público civil e militar e a seus dependentes o direito à transferência para "qualquer sistema de ensino", em caso de remoção, e permite aos estudantes intelectualmente bem dotados abreviar a duração de seus cursos.
O novo projeto do governo, em vez de se limitar a estabelecer as linhas arquitetônicas do ensino superior, continua sendo uma imensa colcha de retalhos. É por isso que o anúncio feito pelo novo ministro da Educação, de que implementará parte da reforma por meio de decreto, antecipando-se ao exame do texto pelo Congresso, causa preocupação.
|