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Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/01/2006.

Litígios espantam empregos

Estando em New York no início deste mês de janeiro, quis saber o endereço da Lufthansa naquela cidade. Liguei para o telefone 0-800 da empresa. Um funcionário atencioso pediu-me um tempinho para me dar a informação, pois estava no "call center" da Lufthansa da África do Sul. Depois de consultar o banco de dados, forneceu-me o endereço que, aliás, ficava a três quadras do hotel de onde fiz a ligação. São os tempos da globalização.

Os americanos estão desesperados com vôo dos empregos para todos os cantos do mundo. A causa mais apontada é o custo do trabalho. Para a Lufthansa, uma informação emitida em Joanesburgo custa 10% do que custaria se fosse emitida em New York. Milhares de exemplos desse tipo são citados para mostrar que os Estados Unidos estão perdendo cerca de 300 mil empregos para outros países todos os anos.

Apesar do custo do trabalho pesar bastante, os estudos mais recentes estão ressaltando um outro fator. Trata-se da crescente onda de litigiosidade que ocorre no mercado de trabalho e outros. Com o advento de novas leis no campo dos direitos civis, proteção ambiental, garantias ao consumidor, etc. os americanos, estimulados pelos advogados, passaram a recorrer à Justiça com uma freqüência impressionante e o valor estipulado nas sentenças passou a apavorar os empresários, o que espanta investimentos e empregos.

Processar uma empresa, como substituto processual de uma classe ("class action") tornou-se uma fonte de renda magistral para os advogados. Os advogados têm enormes incentivos para acionar as empresas mesmo porque, nos acordos, as importâncias são também fenomenais. A Toshiba acertou um acordo de US$ 1 bilhão para evitar o prosseguimento de uma ação na qual, os reclamantes, argumentavam que, em determinadas circunstâncias, os "laptops" produzidos pela empresa corrompiam os dados. Os advogados ganharam US$ 147 milhões pelo acordo alcançado. Outro exemplo. A Toyota, analisando o passado litigante do Mississipi, considerou aquele estado como desfavorável a instalação de uma grande fábrica, mesmo considerando a boa qualidade da mão-de-obra, a excelente infra-estrurura e a elevada qualidade de vida dos seus eventuais funcionários (Todd G. Buchholz, Bringing the jobs home, New York: Ed. Sentinel, 2004).

Os Estados Unidos estão numa perigosa escalada de ações coletivas. Isso está onerando gravemente as empresas e a sociedade em geral. O custo dessas ações em 2002 foi de US$ 233 bilhões - o que significa 2,2% do PIB! - e isso não pára de crescer (Tillinghast & Towers Perrin, New York: U.S. tort costs: 2003 update). Em 1950, o custo da litigancia era de US$ 12 por per capita; em 2002, foi de US$ 809; e em 2005, US$ 1,003.

É claro que os direitos dos cidadãos devem ser defendidos em todas as áreas. Mas a litigancia exagerada modifica o comportamento das empresas não só por causa do enorme custo direto mas também pelo custo indireto, especialmente o que afeta a sua reputação.

Por isso, esses exageros preocupam. Despesas da ordem de US$ 233 bilhões geram preços mais altos, salários mais baixos, lucros menores e, sobretudo, um estímulo para os capitais procurarem outras paragens para investir, o que compromete o emprego. Tudo porque a litigância exagerada transfere os custos para os consumidores e os trabalhadores, o que leva muitos especialistas a considerar que o custo final desse excesso, ultrapassa, em muito, os US$ 233 bilhões (Council of Economic Advisers, "Who pays for tort liability claims?", mimeo, 2002).

No Brasil, um trabalho recente demonstra a mesma preocupação, ainda que não tenha chegado a estimar o impacto do excesso de ações e de regulamentação para o crescimento econômico e o emprego (Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, Direito, Economia e Mercados, Rio de Janeiro:, Elsevier Editora, 2006). Mas ao analisar a regulação dos serviços públicos, infra-estrutura, dos mercados financeiros e do trabalho, a proteção ao consumidor e a defesa da concorrência, os autores destacam que a nossa tradição legalista impõe custos exagerados aos investimentos.

No caso do mercado de trabalho, o custo direto da Justiça do Trabalho é de mais de R$ 6 bilhões por ano. Ao se adicionar os custos indiretos, referentes aos honorários dos advogados, administração dos processos, perda de tempo em audiência e outros fatores, o custo total ultrapassa a casa dos R$ 12 bilhões anuais. Para a maioria dos pequenos e micro-empresários trata-se de um custo intolerável, razão pela qual, acabam contratando na informalidade.

É irônico dizer que a defesa de direitos funcione como espantalho de empregos nas sociedades do século XXI. Mas esse é o caso do excesso de regulamentação e de processos.