Publicado em O Estado de S. Paulo, 08/10/2002.
Cofres cheios, assembléias vazias
Com base nos dados da Pesquisa Sindical 2001, divulgados pelo IBGE na semana passada, O Estado de S. Paulo apresentou um interessante editorial na edição de ontem (07/10/2002) mostrando que, no Brasil, paradoxalmente, o número de sindicalizados cai e o de sindicatos aumenta.
A Constituição Federal de 1988 manteve o modelo de "unicidade sindical" (apenas um sindicato por categoria e base territorial). Apesar disso, o número de entidades sindicais saltou de 11 mil para 16 mil na década passada. Criar sindicatos tornou-se um bom negócio.
Depois de discutir extensamente o fim da contribuição sindical compulsória, os constituintes de 1988 não só a mantiveram como criaram três outras: a confederativa, a associativa e a assistencial.
No que tange à contribuição compulsória, os trabalhadores são obrigados a pagá-la, independente de serem filiados à entidade sindical. O dinheiro recolhido é redistribuído entre sindicatos, federações e confederações. Os dados da tabela abaixo mostram que esses recursos não são poucos e que têm aumentado velozmente a despeito do desemprego crescente e declínio da sindicalização.
Arrecadação Sindical no Brasil 1998-2002
Ano |
Valor em R$ |
1998 |
363.791.177,46 |
1999 |
415.151.761,83 |
2000 |
507.668.646,87 |
2001 |
740.470.689,37 |
2002* |
900.000,000,00 |
Fonte: Caixa Econômica Federal, 2002. (*) Estimativa do Autor.
Além disso, os sindicatos têm contado com generosos aportes do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (FAT), cuja destinação - ainda não avaliada - é para intermediação e treinamento de mão-de-obra. Tais recursos engrossam os orçamentos das entidades sindicais. Em 1999, 42% da receita da CUT foi proveniente de dinheiro do FAT ("CUT depende de dinheiro público", O Estado de S. Paulo, 08/12/1999). O mesmo ocorreu com a Força Sindical. No período de 2000-01, os aportes aumentaram mais.
Os sindicatos têm sido criativos para inventar novas fontes de recursos. Por exemplo, em decorrência de uma controvertida convenção coletiva firmada entre a FIESP e a Força Sindical em 2001, as empresas pagaram aos sindicatos daquela central cerca de R$ 30 milhões a título de "taxa negocial", lembrando-se que sindicatos não publicam balanço e nem prestam contas desse tipo de recurso a órgãos públicos.
As invenções não param aí. Tanto a CUT como a Força Sindical estão lutando na Justiça para descontar uma contribuição associativa (entre R$ 2,00 e R$ 4,00 per capita) dos quase 20 milhões de aposentados do Brasil. Aliás, a Confederação Brasileira dos Aposentados e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura já recolhem R$ 6,59 de cada um dos 1,7 milhão de aposentados da "categoria".
O mais incrível é que, para receber a contribuição sindical compulsória, o sindicato não depende do número de filiados. São comuns os casos em que o número de trabalhadores da categoria (que são obrigados a pagar um dia de salário por ano) é imenso, e o número de sócios do sindicato é irrisório. Um sindicato desse tipo é fácil de ser administrado, não sofre pressão de filiados e goza de liberdade total para usar os recursos que arrecada.
Os trabalhadores do Brasil precisam decidir se desejam continuar com esse sistema anacrônico pelo resto da vida. Um interessante simpósio sobre o assunto, patrocinado pelo "John M. Olin Institute" (University of Pittsburgh, Pennsylvania, EUA), mostrou que a maioria dos parlamentos do mundo estão tomando iniciativas para evitar que o dinheiro suado dos trabalhadores seja usado em atividades escusas dos sindicatos, muitas delas, com finalidade política e com as quais os trabalhadores não concordam ("Union Money, Political Action and Government Regulation", Journal of Labor Research, Vol. 20, no. 3, 1999).
Seria de grande utilidade se os parlamentares recém eleitos no último domingo (06/10/2002) fizessem uma sondagem junto aos seus redutos políticos para saber se os brasileiros estão satisfeitos com o que é feito com o seu dinheiro no âmbito dos sindicatos. A reforma da Constituição Federal, na parte da organização sindical, é das mais complexas, sem dúvida, mas precisa ser enfrentada. Nada justifica garantir a sobrevivência aos sindicatos que vivem com cofres cheios e assembléias vazias.
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