Publicado em O Estado de S. Paulo, 07/02/2006.
O dilema da terceirização na Índia
Nos últimos dez anos, a Índia se transformou em um dos maiores pólos de atração para a terceirização devido à abundância de pessoal qualificado, domínio da língua inglesa e baixos salários.
As primeiras ondas de terceirização buscaram profissionais de qualificação média. As atuais demandam qualificação elevada, sendo que o baixo custo do trabalho continua crucial. Por exemplo, os advogados nos Estados Unidos cobram, em média, US$ 300 por hora. Os da Índia, que são fluentes em inglês e têm pleno conhecimento da "commom law", cobram menos de US$ 70. Uma quantidade enorme de serviços advocatícios têm sido terceirizados, envolvendo projetos complexos como é o caso dos registros de patentes, negociações internacionais, ações sobre direitos civis, etc. O que acontece com os advogados, ocorre com os engenheiros, biólogos, médicos, auditores e pesquisadores de várias áreas.
Ultimamente, porém, a demanda explosiva por qualificação começou a enfrentar problemas de oferta. Conseqüência: os salários dos bons talentos explodiram. Por exemplo, um engenheiro-administrador de projetos que ganhava US$ 10 mil por ano em 2000, passou a ganhar US$ 30 mil em 2004. E a escalada continua. Em 2005, os profissionais qualificados tiveram um aumento médio de 25% em termos reais.
As universidades não estão dando conta de injetar no mercado o montante que é demandado pelas empresas que precisam de profissionais sofisticados. Isso começa a minar a vantagem comparativa da Índia e, ao mesmo tempo, a desafiar o governo para investir mais (e melhor) na educação superior.
A oferta de bons profissionais foi garantida até hoje por muito treinamento no exterior e por 10 ou 12 universidades nacionais de padrão internacional. O ensino nas 17 mil faculdades e universidades restantes é, na grande maioria dos casos, bastante precário.
Para o governo, a tarefa é dificílima, mesmo porque a Índia tem de atender as necessidades do ensino básico de uma população gigantesca de mais de 1 bilhão de habitantes e uma força de trabalho de 485 milhões de pessoas - lembrando que o analfabetismo entre os homens é de 30% e entre as mulheres ultrapassa os 50%.
Voltando aos salários. É verdade que, apesar das mudanças recentes, as diferenças salariais entre a Índia e o mundo desenvolvido, continuarão grandes por vários anos. Mas, para quem tem o olho no futuro, o desequilíbrio entre demanda e oferta preocupa. Bill Gates que está investindo quase US$ 2 bilhões naquele país, mostra-se apreensivo com a crescente dificuldade para recrutar profissionais de alta qualidade. Segundo estimativas oficiais, até 2010, a demanda por especialistas em informática aumentará dos atuais 700 mil profissionais para 2,3 milhões. Naquele ano, porém, apenas 1 milhão de profissionais de qualidade serão formados ("India: the next wave", The Economist, 17/12/2005).
Por isso, as empresas estrangeiras intensificam a terceirização na China que, apesar do inglês precário, paga salários muito mais baixos do que a Índia e expande o ensino superior de forma mais agressiva. Perifericamente, são procurados as Filipinas, Rússia e países do leste europeu.
Por que a América Latina está fora dessa corrida? Recente estudo da UNESCO mostra que os investimentos mundiais em pesquisa e desenvolvimento em 2002 chegaram a US$ 810 bilhões. A América do Norte foi responsável por 37% desses investimentos; a Ásia, 32%; a Europa, 27%; a América Latina, 2,6%; a Oceania, 1,1%; e a África, 0,3% (UNESCO, Science Report 2005, Paris: Unesco). Não há dúvida. Os "new players" são os asiáticos, em especial a China e a Índia que aumentaram sua participação mundial de forma expressiva.
O Brasil tem sido pouco procurado pelos mesmos motivos. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento são pequenos (embora tenham aumentado nos últimos anos) e, sobretudo, os problemas educacionais são os mais rudimentares. Cerca de 60% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Dos alunos que se matriculam na primeira série do ensino básico, apenas 50% chegam à 8ª. série. Só 9% cursam faculdades, na maioria, de baixa qualidade.
Conclui-se que nestes tempos de globalização, a posse de grandes massas de bons talentos constitui um dos mais valiosos ativos para atrair investimentos e gerar empregos de qualidade. Para participar desse jogo, o Brasil só tem uma escolha: melhorar muito a qualidade do ensino em todos os níveis.
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