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Publicado em O Estado de S. Paulo, 03/09/2002.

Acidentes, terceirização e parcerias

O trabalho mata 8 brasileiros por dia. São mais de 3 mil mortes por ano - fora os 15 mil trabalhadores que ficam permanentemente inválidos devido a acidentes e os 20 mil que adquirem doenças que os seguem pelo resto da vida (Informe da Previdência, Ministério da Previdência e Assistência Social, outubro de 2001).

Os dados são de 2.000. Naquele ano foram notificados cerca de 345 mil acidentes do trabalho, e um outro tanto não-notificados. O quadro é desumano. O desperdício é enorme: mais de R$ 24 bilhões por ano!

Nesse montante não está incluído o maior de todos os custos: a dor dos acidentados. É impossível calcular o sofrimento das vítimas e de seus familiares. Mas, certamente, é o mais doloroso de todos.

No Brasil, para cada 100 mil trabalhadores, há quase 15 acidentes notificados por ano; na França, são apenas 7,6; na Alemanha, 5,5; e na Suécia, 2,7. Nesses países, os acidentes fatais são raros, enquanto que o Brasil só perde para o Paquistão, Índia, El Salvador, Turquia e Perú.

As causas dos acidentes são bem estudadas pelos especialistas. Dentre elas, destacam-se o baixo investimento das empresas em sistemas de prevenção; a avaliação ineficaz dos riscos; e a falta de equipamentos de proteção (J. Paul Leigh e outros, Cost of Occupational Injuries ans Illness, Ann Arbor: The University of Michiegan Press, 2000).

Essas causas precisam e podem ser removidas. Em boa hora, o SESI, a Confederação Nacional da Indústria e a Associação Brasileira de Prevenção de Acidentes abriram em 22 de agosto de 2.002, mais uma campanha de combate aos acidentes e doenças profissionais.

Ultimamente, a literatura tem se preocupado com a terceirização. De fato, a incidência de acidentes é maior nas empresas prestadoras de serviços do que nas tomadoras. Em certos setores, chega a ser o dobro.

Seria essa uma "fatalidade" da terceirização? Não. No setor petrolífero, por exemplo, onde há pouca sub-notificação e muita terceirização, a diferença também é grande (70%), mas os dados referentes a uma pesquisa realizada entre 84 empresas petrolíferas de 66 países, em 1999, mostram uma melhoria animadora (ver gráfico).

A média de acidentes fatais por 100 milhões de horas trabalhadas nas empresas tomadoras foi de 4,81, enquanto que nas empresas prestadoras de serviços foi de 8,10. Mas a trajetória é cadente. Em 1995, os acidentes fatais nas prestadoras foi de 9,9 por 100 milhões de horas trabalhadas; em 1996, subiu para 11,4; em 1997, desceu para 10,9; em 1998, ficou em 8,3 (excluindo o impacto do desastre aéreo); e, em 1999, caiu para 8,1 - o mais baixo da história.

Uma coisa é certa. Os acidentes incidem mais nas terceirizações mal feitas, de curta duração, sem o devido preparo dos trabalhadores e das empresas.

Neste campo, o grande "segredo" é a parceria. Ser parceiro implica em correr riscos conjuntamente e agir com deliberação para superar a incerteza. Por mais brilhantes que sejam os representantes das tomadoras e prestadoras não há como antecipar tudo o que vai ocorrer ao longo do empreendimento. Eles precisam estar prontos para enfrentar e resolver os problemas na medida em que forem surgindo. Quanto maior for o envolvimento, maior é a chance se vingar o genuíno espírito de parceria. A confiança mútua é fundamental. Os trabalhadores das tomadoras e prestadoras têm de ser igualmente tratados com dignidade e respeito.

Os contratos precisam ser longos, bem monitorados e avaliados conjuntamente. As tomadoras necessitam entender que, o mais importante não é reduzir custos, mas, sim, construir um ambiente de trabalho cordial, seguro e eficiente. Essa é a grande diferença entre o "menor preço" e o "melhor preço". É também a maneira mais eficaz para terceirizar sem machucar ou matar. Oxalá a campanha ora lançada venha a contribuir para o amadureciumento dessa nova atitude.