Publicado em O Estado de S. Paulo, 20/03/2006.
Uma radiografia da empregada doméstica
Trabalhando duro como doméstica, a empregada conseguiu comprar um sobrado de mais de R$ 300 mil. Ela ganha, em média, R$ 3.500 por mês. Com essa renda, ela fez um bom seguro de saúde para si e seus familiares e paga os estudos de seu filho em uma boa faculdade de medicina. Uma vez por ano, ela tira 15 dias de férias no exterior.
Você deve estar curioso. Mas essa é a história real de Maria da Graça Sales, uma professora primária, formada em Minas Gerais que, em 1986, decidiu migrar para os Estados Unidos, onde passou a trabalhar como faxineira.
As faxineiras brasileiras que trabalham na América têm um nível de instrução bastante alto e, por isso, são as preferidas nos subúrbios de Boston e outras áreas. Muitas trabalham em equipe e conseguem limpar uma residência de 400 metros quadrados em apenas duas horas.
São pessoas que possuem vínculo previdenciário ("social security") e desfrutam das proteções sociais que são garantidas aos trabalhadores americanos. O trabalho é puxado, sem dúvida, mas, em quatro ou cinco anos, elas adquirem uma invejável independência financeira (Joel Millman, "Imigrantes brasileiros criam lucrativo negócio de faxinas em Massachusetts", Estado, 16/02/2006).
O assunto foi bem estudado por uma antropóloga brasileira que acompanhou a trajetória das nossas patrícia. Foi a fórmula que elas encontraram de entrar e se estabelecerem de forma legal nos Estados Unidos (Soraya Resende Fleischer, Passando a América a Limpo, Editora Annablume, São Paulo, 2002).
Do lado de cá, a realidade é bem diferente. Das 6,5 milhões de empregadas domésticas que trabalham no Brasil, apenas 1,6 milhões têm registro em carteira. Ou seja, 75% não dispõem de nenhuma proteção trabalhista ou previdenciária. Nas regiões norte e nordeste, essa proporção chega perto dos 90%.
A renda dessas profissionais é muito baixa. Cerca de 70% das empregadas domésticas ganham até um salário mínimo por mês - R$ 300,00 - bem diferente dos R$ 3.500 auferidos em Massachusetts. Ademais, cerca de 25% ganham menos de um salário mínimo (dados da PNAD 2004).
É verdade que 80% das empregadas domésticas do Brasil residem no domicílio do empregador, onde se alimentam, descansam e cuidam da higiene pessoal. Mas ainda assim, os salários monetários são irrisórios, em especial, das que trabalham sem registro em carteira. Cerca de 80% das empregadas que estão nessas condições ganham menos de um salário mínimo. Na região norte, isso chega a quase 90% e no nordeste a aproximadamente 95%! É um absurdo.
Na informalidade, a empregada que adoece não dispõe de licença remunerada para tratar da saúde. Na gravidez, não tem licença maternidade. Na velhice, não pode se aposentar. E na morte, não deixa nada para seus descendentes.
Ou seja, se há uma categoria que merece estímulos para a formalização do trabalho é a das empregadas domésticas. Nesse sentido, foi louvável a iniciativa do governo ao editar a Medida Provisória 284 que permite deduzir do imposto de renda o que o empregador recolhe para o INSS do salário da sua empregada doméstica (12%). A MP teve a virtude adicional de não mexer na receita da Previdência Social que já está muito combalida.
Mas, infelizmente, a fórmula adotada é de baixa potência. A dedução se refere ao imposto devido, sabendo-se que apenas 6% da população economicamente ativa (PEA) têm imposto a pagar e, mesmo assim, só 38% utilizam o formulário completo do imposto de renda que permite o abatimento. Esses 38% de 6% da PEA se transformam em 2,3%. Esses são os brasileiros que podem fazer a dedução e formalizar suas empregadas domésticas.
Ocorre que, na maioria, essas pessoas já registram suas empregadas domésticas. Nesse segmento não há o que formalizar porque a relação de emprego já foi formalizada. Além disso, a medida se restringe a apenas uma empregada, com teto de um salário mínimo. Isso significa que os 2,3% (que têm empregadas registradas) poderão abater do imposto devido cerca de R$ 378 no ano de 2006.
Trata-se de um estímulo pequeno e desfocado. Os que mais precisam formalizar estão fora da MP 284 porque têm renda muito baixa ou porque preenchem o formulário simplificado.
A estimulação da formalização das empregadas domésticas por meio da MP 284 terá pouco efeito diante dos 48 milhões de trabalhadores informais já existentes no país. O que o Brasil precisa, urgentemente, é de uma reforma trabalhista que transforme os desestímulos em estímulos para que a maioria dos empregadores façam contratações legais.
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