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Publicado em Revista de Relações do Trabalho, CNI, 12/08/2001.

As causas da rotatividade

Um dos argumentos usados para se elevar a indenização de dispensa de 40% para 50% no "acordo" que visa atender a sentença do STF para se corrigir o FGTS dos Planos Verão e Collor I, é que, esse expediente ajudará a reduzir a rotatividade no mercado de trabalho. Os que defendem essa tese, é claro, buscam reduzir as demissões. O que dizer sobre isso?

A rotatividade da mão-de-obra (labor turnover) é medida pela diferença entre admissões e demissões ocorridas em um mês, em relação ao estoque de empregados. O fenômeno é determinado por decisões das empresas e dos empregados.

Do lado das empresas, as demissões são devidas a variações no ciclo econômico, mudanças tecnológicas, reestruturação de quadros, inadequação dos trabalhadores, custo do trabalho e outros fatores.

Do lado dos trabalhadores, os pedidos de demissão decorrem de mudança de município, busca de melhores salários, insatisfação no trabalho e razões ligadas à idade, saúde e família.

Na recessão, as demissões provocadas pelas empresas aumentam, e a rotatividade cai, pois não há recontratação; e os pedidos de demissão diminuem, pois os trabalhadores temem não conseguir empregar-se em outra empresa. No reaquecimento, dá-se o inverso.

O treinamento é usado para adaptar os trabalhadores às empresas. Os aprovados ficam. Os reprovados saem. Por isso, a maior parte da rotatividade ocorre no início das carreiras e entre os mais jovens.

No Brasil, a taxa de rotatividade mensal é de 3,33% (usou-se junho de 2000, um mês pouco afetado por fatores sazonais). Naquele mês, houve cerca de 1 milhão de movimentos de entrada e saída no mercado formal.

Qual foi a responsabilidade de cada parte nessa movimentação? Infelizmente, não há estudos recentes nesse campo, mesmo porque, nos últimos anos, praticou-se abertamente um conluio entre empregados e empregadores, simulando dispensas sem justa causa, para viabilizar a indenização e recebimento do saldo do FGTS.

Uma pesquisa mais qualitativa e baseada em entrevistas, realizada em 1981, mostrou que as empresas respondiam por 60% das demissões e os trabalhadores por 40% (Roberto M. Macedo e José P. Chahad, O FGTS e a Rotatividade da Mào-de-Obra, FIPE, São Paulo).

Naquele tempo, a indenização de dispensa era de 10%. Com a elevação para os tentadores 40%, em 1988, parece razoável supor que a responsabilidade de cada parte passou para 50% (exceto nos momentos recessivos em que a participação da empresa aumenta).

Alem desses fatores, as dispensas e as recontratações estão ligadas à natureza da atividade das empresas. Na construção civil, a rotatividade mensal é mais do dobro da média (6,95%). Terminada a obra, termina o trabalho. Na agricultura, supera em 40% (4,67%). No plantio e na colheita, a demanda aumenta. Na entre-safra, diminui. No comércio, também por fatores sazonais, é 10% maior do que a média (3,65%).

Os principais focos de rotatividade estão nesses três setores. Será que uma indenização de 50% terá o dom de mudar as peculiaridades da construção civil, agricultura e comércio sazonal? Será que isso reduzirá a tentação do trabalhador em provocar sua demissão?

A resposta a essas questões só virá com o tempo. Mas, há efeitos que podem ser visualizados já.

1. O aumento da indenização vai penalizar as empresas que menos despedem e que têm em seus quadros funcionários que acumularam recursos de grande monta no FGTS. Elevou-se, assim, o seu passivo trabalhista. Na hora das demissões - pois não há emprego vitalício - a indenização será acrescida de 25%, sobre um valor alto.

2. No outro extremo, serão penalizadas as empresas que, por força da natureza de suas atividades, são forçadas a contratar e descontratar com maior freqüência. A informalidade na construção civil, agricultura e pequeno comércio que já é altíssima (acima de 65%), pode aumentar ainda mais o que, é claro, prejudicará os trabalhadores, a Previdência Social e o próprio FGTS.

3. As empresas que estão em expansão, antes de contratar, avaliarão com mais cuidado as alternativas de mecanização e automação, podendo antecipar a incorporação de tecnologias poupadoras de mão-de-obra. Seria bem melhor se as tecnologias entrassem a seu tempo e por razão de produtividade, e não pelo encarecimento do fator trabalho em um País que precisa criar tantos empregos.

A elevação da indenização da dispensa, portanto, corre o risco de gerar efeitos contrários ao pretendido, desorganizando ainda mais o mercado formal; penalizando quem despede menos; punindo quem admite e demite mais - sem falar no aumento de custos, perda de competitividade e desestímulo à contratação. No mercado de trabalho a regra é clara: a cada dificuldade que se cria na hora da saída, criam-se duas na hora da entrada.

Não se deve desvestir um santo para vestir outro. Felizmente, o assunto está no Congresso Nacional onde há espaço para audiências públicas e apresentação de dados que permitirão simular com mais rigor os resultados da medida proposta.