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Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/05/2006.

Os sindicatos e a General Motors

A General Motors (GM) dos Estados Unidos passa por sérias dificuldades. Na década de 50, a empresa chegou a ter a maior força de trabalho do mundo, tendo sido também a primeira a faturar US$ 1 bilhão por ano. Atualmente, a empresa perde US$ 1 bilhão a cada 30 dias, enquanto a Toyota, sua concorrente, lucra US$ 1 bilhão por mês.

As causas são múltiplas: problemas de gestão, descompasso com os consumidores, concorrência externa, despesas inesperadas e conduta sindical.

Nos Estados Unidos, na maioria dos setores, os sindicatos negociam por empresa. A United Auto Workers (UAW) é a entidade que negocia com as montadoras de automóveis onde os trabalhadores são sindicalizados.

Para atenuar as dificuldades, há questão de um ano, a UAW e a GM fizeram uma revisão dos planos de aposentadoria e saúde que haviam ultrapassado a capacidade da empresa.

Mas, para sobreviver, a empresa precisava de mais concessões, dentre elas, uma redução do quadro de pessoal e remuneração dos empregados. Para atingir esses objetivos, a GM separou a Delphi de sua estrutura, embora tenha continuado com a participação daquela empresa como uma das suas principais fornecedoras de autopeças.

Ocorre que, na separação, a Delphi manteve um quadro composto por funcionários amparados por contratos firmados no tempo das vacas gordas, que garantem até hoje salários e benefícios três vezes maiores do que seus colegas que trabalham em empresas semelhantes da região de Detroit.

A GM, que pensou ter amenizado o problema com aquela separação viu suas dificuldades agravadas. Os executivos da Delphi tentaram renegociar os contratos de trabalho com a UAW, mas sem êxito. Em março passado, desesperados, chegaram a pedir a um juiz que cancelasse o contrato de trabalho ora em vigor, ao que a UAW respondeu com uma ameaça de greve ("Last tango in Detroit?", The Economist,08/04/2006). É claro que uma greve na sua principal fornecedora teria conseqüências devastadoras, podendo levar a GM à falência.

Por que a negociação está tão difícil? Porque a UAW, sabedora que a GM possui cerca de US$ 20 bilhões em caixa para fazer face a emergências, deseja contar com esse dinheiro para garantir compensações em um eventual corte de salários e benefícios.

O líder da UAW, Ron Gettelfinger, compreende a situação aflitiva da GM, sabe que os contratos têm de ser renegociados e que a GM não pode emprestar aqueles recursos à Delphi. Ademais, para reforçar sua candidatura à reeleição na sua entidade ele teve de garantir aos filiados que UAW não fará nenhuma concessão à Delphi ou à GM até a próxima data base (meados de 2007). A situação tornou-se aflitiva para as duas empresas.

A intranqüilidade se estende aos credores, financiadores, e consumidores. Estes temem a falência da GM, que deixaria de atender os carros vendidos. Os credores temem perder o que têm a receber, negando novas vendas à empresa. E os financiadores começam a fechar as torneiras do crédito em vista do atraso de pagamentos.

Empresa e sindicato estão no meio de um jogo muito perigoso e que pode por a perder a montadora e milhares de empregos diretos e indiretos.

Muitos dirão que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Há muita verdade nisso. Mas, em horas de crises agudas, a negociação é a única tábua de salvação. É isso que tem acontecido na Alemanha onde, não só montadoras, mas várias outras empresas e sindicatos estão renegociando os contratos de trabalho para evitar a fuga dos capitais para o leste europeu ou até para a Ásia e, conseqüentemente, a destruição de milhões de empregos dentro da própria Alemanha.

Como diz Leo Troy, "há muitos empregadores que exploram os empregados quando a competição é reduzida assim como há sindicatos que buscam benefícios acima do que é competitivo, colocando as empresas forma do mercado e os seus filiados no inferno do desemprego (Leo Troy, Beyond Unions and Collective Bargaining, New York: M. E. Shape, 1999).

Essa é a realidade. No bom tempo, os sindicatos devem aproveitar e estabelecerem contratos favoráveis. No mau tempo, devem fazer ajustes. Aí está a arte do sindicalismo.

Feliz é o país em que as leis permitem fazer ajustes por negociação - o que não ocorre no Brasil onde a lei impede que as partes troquem o que lhes parece mais apropriado. A cada dificuldade da empresa, logo se parte para a demissão. Isso é fruto do anacronismo da lei.