Apresentado na Comissäo de Assuntos Sociais do Senado Federal, Brasilia, 09-04-1997.
Contratação por Prazo Determinado
A redução e a flexibilização dos encargos sociais para contratos com prazo determinado chegam ao Brasil com uns dez anos de atraso. Isso é necessário para se ampliar o emprego formal e, sobretudo, melhorar a negociação.
A lei brasileira já prevê contratos por prazo determinado mas impõe o recolhimento de todos os encargos sociais, sem negociação. Para empregar um trabalhador, legalmente, a empresa gasta 102% sobre o seu salário (encargos sociais). Um trabalhador contratado por R$ 1.000,00 custa para a empresa R$ 2.020,00. Esse trabalhador sofre seus descontos (previdência social, imposto de renda, contribuição sindical, contribuição confederativa, contribuição assistencial e outras) e leva para casa, mensalmente, cerca de R$ 850,00.
O Brasil optou por pagar muito encargo e pouco salário - o inverso das nações mais avançadas que gastam mais com salário do que com encargo. Por isso, muitas empresas brasileiras arriscam-se e contratam parte ou toda a sua força de trabalho ilegalmente. Somos um país de tudo ou nada: ou contratamos legalmente pagando 102%, ou contratamos ilegalmente pagando 0%. Isso é ruim para os trabalhadores, governo e até mesmo para as empresas que deixam de investir em treinamento (baixando a produtividade) devido à alta rotatividade do mercado informal.
No Brasil, a elevação dos encargos sociais rígidos foi seguida de uma explosão do mercado informal. Boa parte desse deserviço foi prestada pela Constituição Federal de 1988. Hoje, 57% dos brasileiros trabalham na ilegalidade.
O projeto em tela tem o mérito de criar um ponto intermediário legal entre 0% e 102%. Com a nova sistemática, a empresa poderá contratar trabalhadores adicionais, pagando menos encargos sociais e negociando alguns. Este é um dos aspectos mais positivos do projeto. Ele inaugura uma nova era: a era da flexibilização legal do trabalho no Brasil.
O projeto tem outros elementos de muita riqueza interna, dos quais ressalto dois:
1. Ele prevê a possibilidade de acerto direto entre empregado e empregador, em especial, quando a negociação coletiva se mostra difícil ou impossível. Este é um grande passo na direção da flexibilização. Do contrário, uma enorme maioria de empresas e trabalhadores ficaria fora do sistema. A negociação descentralizada e o acerto direto entre empregados e empregadores é uma tendência mundial como consequência da revolução tecnológica e globalização da economia.
2. Um outro passo importante é a abertura de negociação do FGTS. O projeto reduz o mínimo para 2% e deixa as partes à vontade para adicionar o quanto quiserem - e com a vantagem dessa importância ir para uma conta bancária do empregado que poderá sacar no momento que achar mais oportuno. Seria bom saber se os demais trabalhadores não gostariam de entrar nesse sistema.
A introdução dessa flexibilidade é muito importante para se enfrentar os novos dias. O mundo moderno está demandando novas formas de contratação - além da convencional. Como diz o professor John T. Dunlop, uma das maiores autoridades em relações do trabalho:
"O trabalho em tempo integral [e por prazo indeterminado] é apenas uma modalidade de trabalho. Precisamos fugir do que ilegal, é verdade, mas não podemos temer essa variação".
Inúmeros países já possuem contratos que contemplam encargos sociais mais baixos e flexíveis. Alguns visam incorporar os jovens recém-saídos da universidade e que estão ainda em fase de formação. Outros ajudam os trabalhadores de meia-idade a se reempregar. Há ainda os que permitem uma redução e negociação de encargos sociais para os empregados que trabalham em novas atividades da empresa ou em projetos de expansão.
Muitos argumentam que esses países conseguiram aumentar a contratação por prazo determinado mas não resolveram o problema do desemprego. É claro, a solução desse problema depende de inúmeras outras medidas, dentre elas, a aceleração do crescimento e a melhoria da educação. Mas, os que criticam esses países precisam dizer qual seria a sua taxa de desemprego se não tivessem adotado aquelas variantes de contratação.
A flexibilização em si não cria empregos. Mas ajuda a desobstruir os canais que impedem a contratação de um maior número de trabalhadores no mercado formal. Ela contribui, assim, para a melhoria da qualidade dos empregos. Por isso, esse projeto, merece ser apoiado.
O projeto tem, porém, alguns aspectos negativos dos quais também ressalto dois:
1. O seu propósito básico é o de criar condições para se ampliar a oferta de empregos no mercado formal através de uma redução e flexibilização dos encargos sociais.
Ocorre que a redução e a flexibilização são muito pequenas. Em termos numéricos, na melhor das hipóteses, a redução chegará a 18% dos encargos sociais atuais (ver tabela abaixo). E, em termos de flexibilização, ela abre a possibilidade de negociação do FGTS e só isso.
É pouco provável que a grande empresa venha a se interessar por essa sistemática. Não é ela que está contratando informalmente. Ademais, o custo administrativo para gerenciar essa mudança será muito alto e pouco compensador quando comparados com o benefício de apenas 18%.
As pequenas empresas, que contratam muitos trabalhadores informalmente, têm o maior potencial para formalizar empregos. Mas, elas também analisarão em que medida compensa contratar novos empregados legalmente para economizar apenas 18%.
Encargos Sociais na Indústria
(Setor de Produção)
|
Tipos de Encargos |
Percentual sobre o Salário |
|
|
A - Obrigações Sociais |
CLT atual |
Nova lei |
Redução |
|
|
Previdência Social |
20,00 |
20,00 |
0,00 |
|
|
FGTS |
8,00 |
2,00 |
6,00 |
|
|
Salário-Educação |
2,50 |
1,25 |
1,25 |
|
|
Acidentes do Trabalho |
2,00 |
1,00 |
1,00 |
|
|
SESI |
1,50 |
0,75 |
0,75 |
|
|
SENAI |
1,00 |
0,50 |
0,50 |
|
|
SEBRAE |
0,60 |
0,30 |
0,30 |
|
|
INCRA |
0,20 |
0,10 |
0,10 |
|
|
Subtotal A |
35,80 |
25,90 |
9,90 |
|
|
|
|
|
|
|
|
B - Tempo Não-Trabalhado I |
|
|
|
|
|
Repouso Semanal Remunerado |
18,91 |
18,91 |
0,00 |
|
|
Férias |
9,45 |
9,45 |
0,00 |
|
|
Abono de Férias |
3,64 |
3,64 |
0,00 |
|
|
Feriados |
4,36 |
4,36 |
0,00 |
|
|
Auxílio Enfermidade |
0,55 |
0,55 |
0,00 |
|
|
Aviso Prévio |
1,32 |
0,00 |
1,32 |
|
|
Subtotal B |
38,23 |
36,91 |
1,32 |
|
|
|
|
|
|
|
|
C - Tempo Não-Trabalhado II |
|
|
|
|
|
13o. Salário |
10,91 |
10,91 |
0,00 |
|
|
Despesa de Rescisão Contratual |
2,57 |
0,00 |
2,57 |
|
|
Subtotal C |
13,48 |
10,91 |
2,57 |
|
|
|
|
|
|
|
|
D - Outros Encargos |
|
|
|
|
|
Incidência de A sobre B |
13,68 |
9,56 |
4,12 |
|
|
Incidência do FGTS/13o. Salário |
0,87 |
0,22 |
0,65 |
|
|
Subtotal D |
14,55 |
9,78 |
4,77 |
|
|
|
|
|
|
|
|
TOTAL GERAL |
102,06 |
83,50 |
18,56 |
|
Fonte: Itens da Constituição, CLT atual e projeto de lei aprovado pelo Senado Federal em 13-01-98.
A maior redução provocada pela nova sistemática, como se verifica, se dá no capítulo das obrigações sociais que cai de 35,80% para 25,90% - ou seja, uma redução de 9,90 pontos percentuais o que significa cerca de 28% daquele capítulo.
As demais reduções são mínimas. No total, verifica-se uma diminuição de 18,56% pontos percentuais o que significa 18,40% dos encargos sociais atualmente pagos pela empresa - ou, arredondando, 18%.
Como isso vai funcionar na realidade?
Volto a mencionar as micro e pequenas empresas. Como se sabe, são elas que têm um maior potencial para ampliar o emprego formal. São elas também que, no momento, contratam a maior parte da mão de obra informal.
É preciso saber, então, se um desconto de 18% será suficientemente forte para uma pequena alfaiataria, por exemplo, adicionar em seu quadro, mais um oficial, na base legal. Se essa redução não for atrativa, ela vai continuar correndo os riscos atuais perante a fiscalização do trabalho e da previdência social, permanecendo na sua estratégia de "contra-tar" seus quadros - total ou parcialmente -, inclusive os novos, na base informal.
A mesma pergunta precisa ser feita em relação à barbearia que pretende preencher temporariamente uma vaga de engraxate ou à oficina de costura que deseja adicionar uma ajudante por quatro meses. Será que os 18% vão motivá-las a contratar legalmente?
É evidente que, se o desconto fosse da ordem de 70% ou 80%, uma grande parte dos novos contratos seguiria o proposto na lei. Mas, 18% me parecem insuficientes para essa mudança de mentalidade.
Mais importante do que o valor é a flexibilidade dos encargos. Se eles pudessem ser negociados, a probabilidade de contratação formal aumentaria muito. A negociação de salários diretos é uma maneira mais simples para a empresa trocar remuneração por produtividade. O atual método indireto, via salário direto e salário indireto, é muito tortuoso e dificulta a negociação sadia.
Se eu fosse parlamentar, daria muito mais prioridade à flexibilização dos direitos sociais do que à redução dos encargos sociais pura e simplesmente. Encargos sociais negociados podem chegar a 100%, 120%, 150% - o valor que quiserem - pois, se foram negociados é porque compensam para os dois lados.
De qualquer forma, temos de esperar o teste da realidade para depois concluir alguma coisa sobre o efeito emprego-formal da nova lei.
2. Um segundo aspecto negativo que vejo nesse projeto é que ele começou cortando os recursos do setor em que o Brasil é mais carente: mão de obra qualificada. Esse é o caso da redução realizada no salário educação, agências de promoção social e formação profissional, instituições de capacitação de empresários, etc.
Como se sabe, a força de trabalho brasileira tem, em média, 3,5 anos de escola - e má escola. A força de trabalho da Coréia do Sul, tem 10 anos de escola - e boa escola. A do Japão tem 11 anos - de excelente escola. A dos Estados Unidos e Europa tem 12 anos.
Com 3,5 anos de escola é difícil para um trabalhador ler e entender um manual de instruções. E, hoje em dia, com a velocidade meteórica da revolução tecnológica, os trabalhadores são demandados a ler muitos manuais de instrução ao longo de suas carreiras.
As economias de mercado estão em estado permanente de criação e destruição de emprego. Ao nível da empresa, isso reflete uma miriade de ajustamentos: (a) desenvolvimento de novos produtos e processos; (b) crescimento e declínio dos mercados; (c) competição do exterior; (d) negociações com empregados; (e) reestruturação interna; (f) ampliação e restrição de crédito; (g) nível de regulamentação e tributação; (h) custo dos insumos trabalhistas e não trabalhistas, etc.
Os trabalhadores entram e saem da força de trabalho por inúmeras razões: (a) saúde; (b) escola; (c) criação de filhos; (d) aposentadoria; etc.
Nós, estudiosos do assunto, conhecemos muito pouco os processos de criação, destruição e realocação de pessoas no mercado de trabalho. Mas, uma coisa é certa: a maioria das novas posições de trabalho exige qualificação. Muitos trabalhadores ficam sem se empregar por falta de preparo. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em pronunciamento recente, referiu-se acertadamente a esses trabalhadores como os "inimpregáveis".
Ou seja, os novos postos de trabalho estão exigindo um tipo de trabalhador inexistente. Os trabalhadores atuais precisam ser reciclados, requalificados, reconvertidos - o que só pode ser feito com o apoio das agências que terão seus recursos cortados no que tange às novas contratações.
Se analisarmos a tabela dos encargos sociais, verificamos que a lei brasileira impõe uma remuneração bastante alta ao tempo não trabalhado - cerca de 52% que com reflexos ultrapassa a casa dos 70%. Temos uma lei que remunera melhor o descanso do que o trabalho. Não seria mais racional começar flexibilizando a parcela destinada ao descanso e preservando a parcela destinada à capacitação da mão de obra para o mundo de amanhã?
Quando falo em flexibilizar não me refiro a cortar. Estou bem consciente da dificuldade política de se revogar direitos sociais.
Mas, gostaria de propor aos nobres Senadores que considerassem a idéia de se transformar alguns direitos rígidos em direitos flexíveis a exemplo do que já existe na Constituição Federal atual no que tange ao salário (art. 7º Inciso VI) e à jornada de trabalho para turno de revezamento (art. 7º, Inciso XIV).
Esses dois dispositivos dizem que, a menos que as partes negociem em contrário, vale o que está na letra da lei.
Penso que uma lei moderna no campo trabalhista deveria conter uma grande quantidade de direitos flexíveis e que pudessem se adaptar às diferenças regionais, setoriais, empresariais, pessoais, etc.
Peço a atenção dos nobres Senadores que, para as partes que não quiserem negociar - e basta uma delas para a negociação não sair - prevaleceria a letra da lei. Se mudarem de idéia, poderão negociar.
Com isso abrir-se-ia o campo para se negociar uma série de encargos, especialmente, dos capítulos referentes à remuneração do tempo não trabalhado: férias, abono de férias, 13º salário, descansos remunerados, etc. Nessa negociação, nada garante que eles serão mais baixos ou mais altos do que os atuais. O importante, é que eles serão negociados. O negociado é sempre melhor do que o imposto - para os dois lados. O mercado de trabalho atual está dando as costas à imposição da lei, colocando quase 60% da força de trabalho na informalidade onde trabalhadores, governo e empresários perdem. É o jogo do perde-perde que poderia ser revertido construtivamente em um jogo de ganha-ganha.
Para ajudar a gerar mais empregos formais, no meu entender, uma flexibilização nessas áreas teria um impacto muito maior do que a redução de recursos das agências de formação de mão de obra.
Repito, a flexibilização sozinha não gera emprego. Este depende de investimentos, juros, câmbio, política industrial, política de comércio exterior, etc. Mas, ela ajuda. Ela não é condição suficiente. Mas, certamente, é necessária.
Para finalizar, gostaria de enfatizar, com toda a força, que as reservas acima mencionadas em nada empanam o valor do projeto. Reafirmo: ele é um primeiro passo de uma longa trajetória de flexibilização do mundo do trabalho no Brasil. Os primeiros passos sempre são cautelosos. Como ocorreu em outros países, acredito que os próximos serão mais resolutos.
A mudança está sendo feita com boa dose de segurança. A nova lei terá prazo determinado. Valerá por 18 meses, tempo que as partes e o governo terão para avaliar o que realmente estimula o emprego formal. Acredito que o mercado, mais uma vez, dará ao Congresso Nacional a oportunidade para aperfeiçoar a nova sistemática e ampliá-la na direção de mais flexibilização do nossos quadro legal e mais estímulos à formação do nosso capital humano.
|