Publicado na Gazeta Mercantil, 26/06/1997
Flexibilização e emprego
Uma coisa é certa. O crescimento econômico só consegue gerar boas oportunidades de trabalho onde há flexibilidade para contratar, descontratar e remunerar. Os dados são eloqüentes: o Brasil cresceu 18,3% nos últimos quatro anos, e, no entanto, o emprego no mercado formal diminuiu 0,21%.
O Brasil continua com um quadro legal extremamente rígido. A legislação trabalhista tem mais de 1000 artigos e, no entanto, uma só forma de contratar – por prazo indeterminado. A situação é de tudo ou nada: ou se contrata legalmente, pagando 102% de encargos sociais (ver tabela) ou se contrata ilegalmente pagando 0%.
Alguns preferem chamar os itens dos grupos B e C de "salários indiretos" esquecendo-se que tais despesas decorrem de imposições legais, inegociáveis e de recolhimento compulsório – de natureza tributária – e não salarial.
Não é à toa que 57% dos brasileiros trabalham no mercado informal. Este sim, é flexível. Mas é uma flexibilidade na qual os interessados acomodam sua situação e deixam o Estado sem receitas (da seguridade social) e com todas as responsabilidades. A Constituição Federal garante o socorro do Sistema Único de Saúde (SUS), no acidente ou na doença, e do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), na aposentadoria por idade a todos os brasileiros – tenham ou não contribuído para a seguridade social.
O detalhismo da lei trabalhista carrega consigo um enorme potencial de conflito. O Brasil é o campeão de encargos sociais e, também, de ações trabalhistas. Há mais de 25 milhões de processos na Justiça do Trabalho enquanto que, nos Estados Unidos, são 75 mil; na França 60 mil; e no Japão mil! Esses países possuem sistemas que internalizam os custos do conflito para as partes que devem resolvê-lo por negociação.
A rigidez do quadro legal, o excesso de encargos sociais, a impossibilidade de negociação e o potencial "conflitogênico" no Brasil desestimulam a geração de empregos formais. Daí a explosão do mercado informal.
Em abril de 1997, o Ministério do Trabalho promoveu um seminário internacional sobre emprego e relações do trabalho no qual os especialistas foram praticamente unânimes em reconhecer a necessidade de flexibilizar as leis trabalhistas. Dong-One-Kim (Employment and Industrial Relations in East and Southeast Ásia) e Richard M. Locke (Recent Chuanges in the World of Work) constataram que, no mundo inteiro, a fonte do direito está se deslocando da lei para o contrato; a negociação se descentraliza; e a sindicalização diminui.
Os Estados Unidos têm apenas 14,5% da força de trabalho sindicalizada. Mais de 85% não negociam e são contratados na base individual, protegidos por seis leis trabalhistas: discriminação, previdência, saúde, desemprego, treinamento e salário mínimo.
A desregulamentação é um dos principais responsáveis pela melhor performance dos mercados de trabalho dos Estados Unidos, Inglaterra e Holanda. No caso dos Estados Unidos, a flexibilidade permitiu um bom aproveitamento da abertura das economias mundiais, expandindo as exportações e os empregos.
No mesmo seminário, J. Luiz Guash (Labor Reform and Job Creation: The Unfinished Agenda in Latin American and Caribbean Countries) analisou os países da América Latina que flexibilizaram seus sistemas de relações do trabalho. Houve um crescimento do emprego da ordem de 3,7% (ao ano) no Peru; 3,8% na Colômbia; e 4% no Chile – todos bem acima da média da América Latina, 2%.
Vivemos um tempo em que a história corre muito depressa. As instituições trabalhistas precisam evoluir. Mas, a lei brasileira está parada. Ela pretende regular tudo e, para a maioria do povo, não regula nada. O mercado informal ignora os mil artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e põe os brasileiros na ilegalidade.
Temos uma Constituição detalhista que, em lugar de proclamar a base filosófica da Nação, fixa o valor da hora-extra; preocupa-se com o turno de revezamento; estabelece regras para o piso salarial e tantas outras coisas que deveriam ser negociadas pelas partes para desenvolver nelas a confiança, o respeito e a cooperação. Nosso sistema faz o inverso. Instiga a desconfiança, o desrespeito e a confrontação.
A competição do mundo atual tornou as partes pouco tolerantes ao conflito. Os sistemas que alimentam o dissenso – como o brasileiro – estão sendo atropelados pela avassaladora força da concorrência e da globalização. É imperioso flexibilizar a nossa legislação.
Entre as 40 maiores economias do mundo, o Brasil é a única em que a Justiça do Trabalho tem poderes para dirimir disputas de natureza econômica. Nos demais países, quando existem, os tribunais se restringem a resolver disputas de natureza jurídica. Os juizes reconhecem estarem preparados para lidar com a lei, e não com a economia.
O mundo desenvolvido reduz o emprego e intensifica o uso das novas modalidades de trabalho: tempo parcial, sub-contratação, terceirização, horário flexível, trabalho à distância, tele trabalho, etc. Essas modalidades não podem ser abrigadas pela legislação brasileira. A sua rigidez empurra os trabalhadores para a informalidade – ultimamente, até os mais qualificados.
Quando se fala em flexibilizar, logo surge o argumento segundo o qual a Espanha e a Argentina flexibilizaram e, no entanto, têm muito desemprego – 22% e 17%, respectivamente.
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