Apresentado no Fórum de Relações do Trabalho, Salvador, 08/06/2006
O Futuro das Relações do Trabalho:
Para onde o Brasil quer ir?
O Brasil é uma nação intrigante. Ao mesmo tempo em que exportamos aviões a jato, temos 16 milhões de analfabetos. Ao lado de cientistas brilhantes que completam o sequenciamento do genoma humano, nossa força de trabalho tem, em média, apenas seis anos de escola – e má escola. Ao mesmo tempo em que se busca fazer uma reforma sindical para as grandes empresas, esquecemos que 95% dos nossos produtores são micro e pequenos empresários. Ao lado de uma legislação trabalhista detalhada e rebuscada, ignoramos que 60% dos brasileiros que trabalham estão nas trevas da informalidade da desproteção.
Só esses contrastes bastariam para mostrar que estamos estancados no campo institucionais. Nossas instituições envelheceram. Mas, a renovação tem sido lenta.
No campo do trabalho, as resistências são enormes – todas elas decorrentes de "lobbies" muito bem organizados dos que estão debaixo da proteção legal e tutelados pelos atores do complexo sistema de relações de trabalho, incluindo-se aqui, grande parte da tecnocracia trabalhista, dos operadores do direito e dos magistrados.
Por que as leis não mudam nesse campo? Por que, pela ação dos lobbies apontados, a maioria dos parlamentares teme perder as próximas eleições ao apoiarem reformas rotuladas pelos lobistas como impopulares. Além disso, é da nossa cultura confiar que, quanto mais direitos forem introduzidos nas leis, maior será a proteção das pessoas. Estas temem quando os direitos trabalhistas saem das leis e vão para os contratos.
O problema da modernização das instituições do trabalho constitui um dos maiores desafios políticos da atualidade. Não é só no Brasil. Há pouco tempo pudemos observar o recuo que o governo francês teve de dar em decorrência da pressão de grupos protegidos e que não dão a mínima aos desprotegidos. Na verdade, eles temem que os desprotegidos entrem na seara dos protegidos e tolham seus direitos. Nada mais falso. As sociedades modernas estão sendo chamadas a garantir direitos para quem não tem e não retirar dos que já os tem.
No caso do Brasil, o desafio é ainda maior. A diversidade de condições econômicas, sociais e educacionais da população é muito grande. O mundo do trabalho do norte é bastante diferente do mundo do trabalho do sul.
Mas, nem a França e nem o Brasil estão isolados no mundo. A resistência à modernização institucional está gerando um alto preço para qualquer nação. No caso da França, o país já se defronta com uma grave crise demográfica caracterizada por um número decrescente dos que trabalham e por um escalada acelerada dos que não trabalham. Com um crescimento médio de apenas 1,5% anuais desde 1990, o desemprego afeta mais de 20 milhões de pessoas quando se incluem os familiares dos desocupados. Na União Européia, a França transformou-se em um dos enfermos mais graves. Além do baixo crescimento, o país apresenta um aumento de produtividade anual de apenas 0,8%, sendo que o poder aquisitivo da população vem se reduzindo na base de 0,3% ao ano. O êxito das empresas em direção à Europa Central e do leste assim como à Ásia, deixa para trás os sindicalistas e os desempregados.
E, no meio de tudo isso, o país decidiu trabalhar menos, aprovando uma jornada de apenas 35 horas por semana. Hoje, a França se parece como uma casa de repouso, alguns por espicharem as férias, outros por trabalharem pouco, e uma enorme massa por estarem desempregados. Tudo pago por generosas verbas na Previdência Social e do Seguro Desemprego. Não é a toda que, o berço da democracia, se viu, em 2005, a ordem pública ameaçada pelos imigrantes das periferias das cidades e, em 2005, a paralisação do país comandada por estudantes que desejam das empresas as proteções que elas não podem dar.
No caso do Brasil, o problema é diferente mas, igualmente grave. A inadequação das nossas instituições do trabalho e da Previdência Social fere mais os desprotegidos na medida em que 60% dos brasileiros que trabalham não dispõem de uma licença remunerada para tratar da saúde, de uma aposentadoria na hora da velhice ou de um amparo aos descendentes depois da morte. Para 48 milhões dos nossos trabalhadores a informalidade os coloca no meio de uma verdadeira selvageria, sem nenhuma segurança para os dias de hoje e muito menos para os dias do amanhã.
O mais grave, porém, é que o inferno astral em que vivem os trabalhadores informais se reproduz continuamente. A desproteção de hoje é a causa da desproteção do amanhã. Sim porque, a informalidade é um dos principais determinantes do pavoroso déficit da Previdência Social que, em 2005, chegou perto dos R$ 40 bilhões e, neste 2006, ameaça chegar nos R$ 50 bilhões. Como se sabe, o rombo da Previdência Social é a principal causa do déficit público.
O que isso tem a ver com os trabalhadores do amanhã? Muita coisa. Para cobrir os rombos anuais da Previdência Social, o governo tem sido obrigado a tomar empréstimos no mercado financeiro ou usar recursos do suado superávit primário. Os dois expedientes conspiram contra a geração de emprego. No primeiro caso, porque os juros são pressionados para cima e os investimentos para baixo. No segundo, porque os recursos retirados do superávit primário impedem os investimentos nas áreas sociais e na infra-estrutura que, como se sabe, são geradoras de muito trabalho.
Em outras palavras, a informalidade de hoje compromete o emprego do amanhã. Compromete o trabalho protegido do futuro. E nos condena a permanecer na desproteção atual.
Por isso, a modernização das instituições do trabalho, no meu entender, deveria levar em conta, prioritariamente, o grave drama da informalidade que fere os trabalhadores do presente, condena os cidadãos do futuro e desequilibra as finanças públicas.
Mas não podemos esquecer do Brasil que exporta aviões. Nele não há informalidade, é verdade. Por outro lado, esse Brasil também é heterogêneo, o que exige instituições que sejam capazes de proporcionar ajustes que garantam o emprego para os trabalhadores e a competitividade para as empresas.
No mundo globalizado, a agilidade desse ajuste é um dos traços fundamentais para as instituições modernas. É isso que tem permitido às nações desenvolvidas manter a competitividade das empresas e reduzir o impacto desempregador das novas tecnologias e dos novos métodos de trabalhar. Não que isso seja causa do desemprego agregado na sociedade. Mas este é evitado ou reduzido na medida em que as sociedades sejam capazes de fazer ajustes rápidos.
A última década foi marcada por forte migração de empresas européias que, por exemplo, saíram da Alemanha e foram para países do leste europeu, para a Ásia e até para a América Latina. Apavorados com o alastramento do desemprego, sindicatos e empresas renegociaram os contratos de trabalho, alongando jornadas, cortando folgas, eliminando desperdícios e tudo fazendo para manter vivos as empresas e os empregos. Sim, porque, atravessando a fronteira, as empresas encontram uma mão-de-obra altamente qualificada na Polônia, Hungria, República Checa e outros países do leste europeu onde o salário hora em uma montadora de automóveis, por exemplo, é de US$ 5.00 (em média); onde a população está disposta e motivada para trabalhar e progredir; onde o ajuste de uma nova jornada depende de uma conversa de 15 minutos – tudo isso em franco contraste com a situação da Alemanha onde o salário naquele tipo de empresa era de US$ 35.00 por hora e a vontade de intensificar o trabalho era cada vez mais baixa. Em vista do perigo da perda das empresas e dos empregos, as partes se puseram de acordo e acertaram o futuro na mesa de negociação. Isso continua em andamento. É uma verdadeira revolução trabalhista.
Tudo isso vem sendo feito sem nenhuma mudança de lei porque naquele país jamais se cogitou em "constitucionalizar" os direitos trabalhistas. Bem diferente é a situação do Brasil que, em 1988, colocou a CLT dentro da Constituição Federal com o propósito de proteger mais e melhor.
O que aconteceu? A desproteção continuou e, nas micro e pequenas empresas, até aumentou. A negociação foi reduzida a apenas dois direitos – salário e participação nos lucros. Fora isso, nada pode ser negociado. Mesmo quando as partes desejam e quando o ajuste é impositivo, a camisa de força da Constituição Federal as impede de negociar e de fazer as adequações necessárias. Está tudo amarrado na lei ou nas autoridades administrativas. Até mesmo o encurtamento do horário de almoço, para ser compensado com uma saída mais cedo, exige autorização.
Os problemas decorrentes dessa camisa de força constituíram preocupação central dos organizadores deste Fórum que colocaram no programa inúmeros temas que angustiam quem precisa contratar e quem precisa se empregar como é o caso da terceirização do trabalho, das novas formas de contratação e da Emenda 45 que praticamente matou a negociação coletiva.
Como nossa economia não está isolada do mundo, esse Brasil que exporta aviões, esse Brasil moderno que tem de competir no mercado internacional e nacional, necessita de ajustes que só uma legislação mais moderna pode comportar. Na Alemanha, a liberdade para negociar permitiu à Volkswagen reformular inteiramente os contratos de trabalho em 2005 e 2006. No Brasil, a empresa será obrigada a fechar fábricas e despedir trabalhadores.
A rigidez e o anacronismo das instituições do trabalho coloca as grandes empresas e os trabalhadores em situação de risco na hora de enfrentar a competição dos países da Europa do Leste e da Europa Central, sem falar nos países do sudeste asiático, na China e na Índia.
É claro que ninguém deseja ir para trás em matéria de direitos. Mas, é importante saber de esses direitos estão sendo assegurados na prática ou se não passam de meras garantias legais que nada tem a ver com a realidade do mercado de trabalho.
Mesmo assim, repito, ninguém pretende propor a "asianização" das relações do trabalho no Brasil. Precisamos, porém, buscar soluções civilizadas que estimulem a geração de empregos e não o contrário. No caso dos micro e pequenos empresários eles têm medo de empregar porque se apavoram diante do alto custo da demissão e do grande risco das onerosas ações trabalhistas.
O que fazer?
Na minha já longa trajetória de trabalho neste campo, ganhei experiência e abandonei sonhos. Já defendi ardorosamente uma profunda mudança no artigo 7º. da Constituição Federal. Continuo com a mesma idéia, mas não vejo parlamentares dispostos a desfraldar essa bandeira.
Desistindo desse idéia, passei a propor uma pequena mudança no mesmo artigo, mantendo-se todos os direitos atuais, acrescentando, apenas, duas palavrinhas para abrir espaço aos necessários ajustes. A idéia era escrever o artigo 7º. Começando por, "salvo negociação", são os seguintes os direitos dos trabalhadores. Nessa proposta uma série de direitos continuariam inegociáveis tais como a aposentadoria, o salário mínimo, a proteção à saúde, segurança e ao trabalho do menor, à proteção à gestante e alguns outros.
Mesmo assim essa mudança se mostrou muito difícil. Até hoje é assim. Ela gera insegurança na população que não quer sair de uma situação de direitos garantidos a poucas pessoas (os incluídos) para uma situação de direitos negociados para muitas pessoas (os excluídos). Tudo porque o lobby dos incluídos é muito mais forte do que o descontentamento dos excluídos.
Por essa razão, reduzi minhas aspirações. Penso que o Brasil terá de se contentar, por ora, com reformas infra-constitucionais. Nesse campo, há que se considerar dois universos que, pela sua diversidade, exigem mudanças específicas.
Para os empregados, tenho proposto a criação de um "Simples Trabalhista" que reduziria a burocracia e as despesas de contratação para as pequenas e microempresas – a exemplo do que fez, com sucesso, o Programa Simples aprovado em 1996 que, nos primeiros três anos, formalizou mais de 3 milhões de empregados. .
Para os trabalhadores por conta própria, tenho sugerido a criação de um sistema previdenciário diferenciado com alíquotas baixas e benefícios parciais para, com isso, estimular a vinculação daqueles trabalhadores à Previdência Social, garantido-lhes proteção e assegurando receita aos cofres do INSS.
Para os dois grupos, tenho insistido na necessidade de se aprovar de uma vez por todas e implantação do Cartão Único de Identificação, reunindo informações trabalhistas, previdenciárias, da Receita Federal, do Registro Geral e da Justiça Eleitoral. Esse cartão seria o documento básico para o recebimento de benefícios e o exercício da cidadania.
Medidas como essa são parciais e graduais, mas têm a vantagem de serem politicamente viáveis e abrirem a porta para uma caminhada mais ambiciosa. Elas trariam para o mundo da proteção previdenciária, de forma lenta, cerca de 48 milhões de brasileiros que estão na informalidade, contribuindo assim para reduzir o déficit da Previdência Social e a taxa de juros e, conseqüentemente, a geração de empregos e de trabalho de melhor qualidade. Enquanto isso, a educação deveria avançar para assegurar maior qualidade à força de trabalho e produtividade mais alta à economia como um todo.
Mas a verdadeira reforma das relações do trabalho não pode parar aí. O país precisa decidir se deseja proteger seu povo no trabalho ou se deseja continuar com a selvageria atual que serve bem aos demagogos que precisam de problemas para alavancar suas campanhas eleitorais. Prometer é fácil. Fazer é difícil. Mas eles vivem de promessas e não de realizações. Para esse tipo de governante não existem as próximas gerações, mas, apenas, as próximas eleições.
Nós que somos profissionais das áreas de recursos humanos e das relações do trabalho temos uma grande responsabilidade para mostrar ao povo, de maneira clara e pedagógica, que uma reforma trabalhista não tem nada de truculenta. Truculência é o que está aí.
Uma reforma bem feita será, sobretudo, respeitadora dos que trabalham. Nós que somos profissionais dessas áreas, precisamos esclarecer e convencer os políticos que a reforma trabalhista é necessária e viável quando se explica ao povo que ninguém deseja retirar direitos de quem tem. A reforma que o Brasil precisa visa assegurar direitos para quem não tem.
Essa, no meu entender é a pedagogia a ser praticada para dar tranqüilidade aos incluídos e esperança aos excluídos. Não há razão para revogar direitos. Têm-se todos os motivos para criar e estender direitos aos desprotegidos. É claro que a proteção a ser criada é uma proteção parcial, que custa menos às empresas, mas que assegura os direitos básicos aos trabalhadores, vinculando-os à Previdência Social e retirando-os da informalidade.
Durante muito tempo a idéia de proteções parciais foi rejeitada pelos sindicalistas e por líderes do governo. Em 2004, porém, o Presidente Lula, apoiado pelos Ministros do Trabalho e Emprego, Previdência Social e Fazenda, enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 210/2004 que, mais tarde, foi incorporado no projeto de lei da Lei Geral das Microempresas, ora em fase final de apreciação do Senado Federal.
O referido projeto (1) cria um programa destinado a trabalhadores por conta própria e seus empregados: (2) ao entrarem no programa, esses trabalhadores transformar-se-ão em microempresários; (3) se tiverem colaboradores, estes serão transformados em empregados registrados (formais). Nesse programa são elegíveis as pessoas que faturam até R$ 36.000,00 por ano – são micro unidades de produção e trabalho.
No âmbito tributário, haverá isenção do IRPJ, PIS/PASEP, CSLL, COFINS, IPI. A escrituração será simplificada. O projeto permite que Estados e Municípios adotem valores fixos mensais de até R$ 45,00 para o ICMS e R$ 60,00 para o ISS, respectivamente.
No âmbito previdenciário, a alíquota para o INSS será de apenas 1,5% sobre o faturamento.
Ao microempresário, aos trabalhadores por conta própria e aos contribuintes facultativos (inclusive empregada doméstica) dá-se a opção de filiarem-se à Previdência Social, mediante contribuição de apenas 11% sobre o salário mínimo. A aposentadoria, porém, será apenas por idade e invalidez e não por tempo de contribuição. É a primeira proteção parcial.
O valor da aposentadoria será baseado na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo - outra proteção parcial. Não haverá cobertura para o desemprego involuntário – mais uma proteção parcial. Os demais benefícios podem ser usados pelo trabalhador que se vincular à Previdência Social. Serão exigidos pagamentos durante 12 meses anteriores antes de gozar o benefício.
No âmbito trabalhista, a contribuição ao FGTS será reduzida de 8% para 0,5% sobre o salário desde que com a expressa concordância do empregado - proteção parcial. Além disso, a microempresa será isenta das contribuições do salário educação, dos "Ss" e da contribuição sindical. A contribuição previdenciária dos empregados será de 8% sobre o salário de contribuição referente a primeira faixa de renda. A contribuição da empresa, repetindo, será de 1,5% sobre o faturamento.
Na parte trabalhista, as principais mudanças em relação ao sistema atual são: redução drástica do FGTS e fixação de uma alíquota de 1,5% do faturamento para o INSS.
Além disso, o programa facilita o re-ingresso dos trabalhadores que abandonam o recolhimento à Previdência Social. O valor dos juros das prestações atrasadas será limitado a, no máximo, 50% do atual. O tempo pago será contado para fins de aposentadoria.
Como se vê, o programa está repleto de proteções parciais. Ele se dirige primordialmente aos produtores e prestadores de serviços individuais (que podem ter empregados), aos camelôs, vendedores ambulantes, enfim, aos que vivem de "bicos" e que ganham até R$ 3.000 por mês, em média. Tirando os custos de produção, são pessoas cuja remuneração líquida fica entre R$ 700,00 e R$ 1.000,00 por mês.
Esse programa tem o potencial de atingir uma população imensa. Segundo a Associação Nacional da Micro e Pequena Indústria (ASSIMPI), cerca de 11 milhões de "empresários" e 43 milhões de trabalhadores encontram-se na informalidade. O SEBRAE tem uma estimativa mais modesta. Ainda assim, considera haver cerca de 9 milhões de empresas informais.
O projeto se justifica. É melhor ter um conjunto de proteções parciais do que nenhuma proteção. A idéia de simplificar o registro das microempresas, reduzir ao mínimo as exigências de escrituração, diminuir ao máximo os impostos e contribuições sociais e estimulá-las a formalizar seus empregados é realista e oportuna.
A implantação de medidas de proteções parciais não significa o fechamento eterno para as proteções totais. Na medida em que a empresa se fortalece e os trabalhadores por conta própria evoluem na sua carreira, eles podem entrar, gradativamente, no sistema de proteção total.
É difícil estimar com precisão a redução das despesas de contratação provocadas pelo referido projeto porque a contribuição do INSS, deixa de incidir sobre a folha de pagamentos e passa incidir sobre o faturamento da nova microempresa. Mas há economias visíveis. Por exemplo, a redução da alíquota do FGTS para 0,5% produz uma economia mensal e também uma redução substancial do valor da indenização de dispensa que é de 50% sobre o saldo do FTGS. As pesadas despesas de demissão constituem uma das principais causas do medo de empregar que domina os micro e pequenos empresários.
Em suma, o PLP 210/2004 constitui a semente da concepção moderna de proteções parciais. As simplificações propostas são muito importantes para estimular a formalização do emprego e do trabalho.
Ademais, o sistema contempla a possibilidade dos trabalhadores fazerem um ziguezague entre os mercados formal e informal – o que ocorre com a maioria dos trabalhadores na vida real. Isso cria proteções portáteis e atreladas às pessoas e não aos empregos. Essa portabilidade é essencial em um mercado de trabalho instável e sensível aos ciclos econômicos e variações da conjuntura.
Aos poucos, o Brasil vai descobrindo que a criação de formas alternativas de contratação e de inserção dos trabalhadores no sistema previdenciário constitui a alma das reformas trabalhistas. Tais alternativas facilitam os ajustes demandados pela economia e pelos trabalhadores e promovem a justiça social.
Entretanto, nenhuma reforma na área trabalhista é pronta e acabada. Nenhum país conseguiu resolver todos os problemas em um só esforço. Ao contrário, as mudanças trabalhistas introduzidas na Espanha, Inglaterra, Nova Zelândia e outros países só deram certo porque foram encaradas como processos contínuos e sujeitos a constantes correções para conter abusos ou outros problemas que decorrem das próprias reformas.
Nenhuma reforma trabalhista foi aprovada até hoje sem a liderança firme do governo. Nas áreas sociais é assim mesmo. A resistência é grande. Par vencê-la o governante precisa ser didático e fazer o povo entender que, sem as reformas, a situação será pior. Liderança é fundamental.
Em conclusão, a heterogeneidade do Brasil não admite uma única peça de reforma do sistema de relações de trabalho. A tarefa tem muitas facetas que precisam ser atacadas por partes. Talvez, o melhor começo seja o da criação de alternativas contratuais e, em torno delas, modificar-se o que for necessário nos campos da organização sindical e da Justiça do Trabalho.
Este ensaio começou com um diagnóstico amplo que deveria desembocar em propostas de mudanças de grande profundidade envolvendo preceitos constitucionais e terminou com propostas modestas de reformas infra-constitucionais para se implementar a modernização das instituições do trabalho e forma gradual e voluntária. Essa redução das expectativas não implica em desistência das grandes mudanças, mas simplesmente a consideração de que reformas trabalhistas não podem desconsiderar os constrangimentos políticos para a sua aprovação. Neste campo, como em vários outros, a perfeição é inimiga da aprovação.
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