Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/08/2001
Um novo sindicalismo
José Pastore
Inúmeras análises sobre o sindicalismo no Brasil e no mundo têm mostrado um futuro sombrio para as entidades de trabalhadores. Dentre as causas da crise são citados o desemprego, o encolhimento das empresas, a terceirização, o avanço tecnológico, a privatização, a desindustrialização, a globalização e a presença da mulher no mercado de trabalho.
Tudo isso tem enfraquecido o poder de fogo dos sindicatos junto às empresas. Os indicadores utilizados são a descentralização das negociações, as concessões salariais, a perda de filiados e o enfraquecimento financeiro.
O ambiente criado pela União Européia, entretanto, está fazendo ressurgir um novo sindicalismo em vários países da Europa. No campo das negociações - cada vez mais descentralizadas - a maioria dos sindicatos continua perdendo, e aceitando aumentos salariais abaixo da inflação e da produtividade. A queda na filiação é quase generalizado.
Por esse ângulo, a crise é real. Mas há uma nova face que se fortalece. A União Européia se baseia em uma série de tratados estabelecidos entre os países membros. Dentro deles, estão sendo detalhados, no Parlamento da União Européia e nas Comissões Supranacionais, os capítulos dos direitos sociais.
Nesse detalhamento, as entidades sindicais internacionais estão sendo bastante ouvidas. As chamadas "diretrizes trabalhistas" nos campos da saúde e segurança, treinamento de mão-de-obra, trabalho temporário, comissões de empresa e outros, carregam consigo muitas das aspirações sindicais e têm de ser respeitadas pelos estados membros.
Na adaptação dessas diretrizes ao ambiente de cada país, os sindicatos nacionais estão ocupando posições-chave, e influenciando inúmeras decisões no campo trabalhista. O chamado "diálogo social", até recentemente um mero instrumento de retórica, está ganhando corpo com a aprovação de leis nacionais e negociação de pactos bi e tripartites de grande influência nas relações de trabalho.
Os sindicatos reconhecem que, no presente, continuam perdendo em termos de emprego e salário, mas, para o futuro, estão construindo cidadelas estratégicas.
O relacionamento com a política e o governo sempre foi a marca do sindicalismo europeu. Essa interface, afrouxada nos anos 80 e 90, está renascendo com leis, acordos e medidas de governos (a maioria socialistas) que são cunhados com a participação crescente dos sindicatos. A prática do diálogo social está fazendo surgir uma nova modalidade de corporativismo - o "neo-corporativismo".
Tratam-se de um sindicalismo bem diferente do americano ou do japonês, que se concentra na prestação de serviços de negociação aos seus filiados junto às empresas. O novo sindicalismo europeu está se postando no centro do debate da globalização, em lugar de combatê-la e os seus dirigentes se preparam seriamente para tirar proveito desse processo.
As primeiras conseqüências já começam a surgir até na negociação. Em lugar de ficarem parados na dicotomia "centralizado vs. descentralizado", os sindicatos estão pressionando as empresas da Europa a aceitar a "descentralização centralizada", baseada em princípios gerais negociados nacional ou setorialmente, e cláusulas específicas acertadas no nível das firmas - o que, durante muito tempo, foi praticado na Itália na forma de "negociação articulada".
Resta saber, é claro, como as empresas farão a digestão dessas propostas, e de que forma conseguirão manter e aumentar a competitividade numa economia que se internacionaliza cada vez mais e que se baseia em outros arranjos trabalhistas. Resta saber também qual será o sucesso do próprio Euro e da tão esperada integração européia.
De qualquer forma, o estudo da evolução do novo sindicalismo da Europa pode ajudar a entender o que se passa no Brasil. Guardadas as devidas diferenças, aqui também se nota a coexistência de um sindicato perdedor nos campos do emprego e salário e ganhador na ocupação de posições estratégicas quando se observa, com atenção, a crescente presença de representantes das centrais sindicais em órgãos estratégicos como, por exemplo, os conselhos do BNDES, FAT, FGTS e vários outros, sem falar na sua articulação com o Ministério Público e Ministérios do Trabalho, Justiça e Previdência Social. Ademais, é de se destacar o investimento responsável das centrais sindicais no aprimoramento de seu pessoal e no uso de informações atualizadas obtidas através das redes internacionais por elas mantidas e conectadas com organismos que tomam decisões regionais e mundiais como, por exemplo, o Mercosul, NAFTA e OMC.
Como os sindicatos brasileiros sempre se inspiraram mais na Europa do que nos Estados Unidos ou Japão, não será surpresa se aqui surgir alguma variante do novo sindicalismo europeu - o que poderá ser acelerado por uma eventual vitória dos partidos de oposição em 2002. Num verdadeiro movimento pendular, o Brasil faria uma rápida travessia, passando do neo-liberalismo para o neo-corporativismo... É esperar para ver.
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