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Publicado em O Estado de S. Paulo, 31/07/2001

Acordo vale mais do que a lei?

José Pastore

O Ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, está convocando a sociedade novamente para discutir uma mudança na legislação trabalhista que visa fortalecer as negociações e os sindicatos. Segundo a idéia, o acordo valeria mais do que a lei.

A CUT já disse que é contra. A Força Sindical alega que o momento é inoportuno. A CGT acha que isso é um golpe contra os trabalhadores. A Social Democracia Sindical (SDS) informa que não gostou da idéia como apresentada.

A proposta do Ministro é uma versão abrandada do que pretendeu fazer quando assumiu a Pasta. Na época, sua intenção era de introduzir no artigo 7º da Constituição Federal a seguinte expressão: "Salvo negociação", são direitos dos trabalhadores... Esse "salvo negociação" daria uma ampla margem para quem quisesse negociar. A proposta foi rejeitada in limine pelas centrais sindicais.

A nova sugestão retém o mesmo objetivo, sem mexer, porém, na Constituição Federal. Ela se limita à negociação de alguns direitos infra-constitucionais e constantes da CLT como, por exemplo, duração das férias, valor do abono de férias, condições de pagamento da hora extra e do adicional noturno, maneira de remunerar o descanso semanal e outros.

Mesmo que limitada à CLT, a iniciativa segue padrões trabalhistas modernos das nações que ajustaram com êxito a legislação trabalhista às necessidades dos trabalhadores (emprego) e das empresas (competitividade).

Algumas reportagens mostraram preocupação com eventuais perdas a que seriam submetidos os trabalhadores, causando incompreensão. Convém esclarecer.

O que está sendo proposto é a possibilidade de negociar certos direitos. Isso não significa a revogação desses direitos. Negociar é um ato voluntário. Pelo que entendi da proposta, todos os direitos seriam mantidos. Ficaria à critério das partes negociá-los ou não. Quem achar que a negociação é prejudicial, que não negocie. Quem achar que pode fazer boas trocas, que negocie.

Para evitar que os empresários, donos dos postos de trabalho, venham a forçar os seus empregados a negociar o que não querem, lembremos que esse tipo de negociação seria coletiva e não individual, contando com a participação dos sindicatos de trabalhadores - o que abriria uma ampla porta para o seu fortalecimento.

Hoje em dia, os trabalhadores que estão sendo protegidos pelos direitos na forma atual da Constituição Federal e CLT são apenas 40%; 60% estão no mercado informal, sem nenhuma proteção. Quando ficam doentes, não têm licença remunerada; na velhice, não podem se aposentar; ao morrer, nada deixam para suas companheiras ou companheiros; quando perdem o emprego, não têm nenhum amparo.

Não seria de utilidade que esses desprotegidos viessem a contar com um mínimo de proteção? Aliás, mesmo os protegidos, volta e meia são jogados nas ruas porque a lei impede que empresas em dificuldades negociem alternativas que os próprios trabalhadores acham de utilidade.

Os que desejam manter as coisas como estão pensam que o importante é continuar protegendo os protegidos. Os desprotegidos que se danem.

O Brasil precisa sair desse sistema de castas. O projeto em tela dá às partes a possibilidade de chegarem a proteções realistas. É claro que, para ser viável, precisa ser acompanhado de outras mudanças. Aliás, uma proposta articulada que contempla modificações na negociação, nos sindicatos e na Justiça do Trabalho já foi apresentada por uma das centrais sindicais (SDS, "Um novo sistema de relações do trabalho", São Paulo, 1999), incluindo uma reformulação da contribuição sindical, um novo modo para se criar sindicatos e formas alternativas para se dirimir conflitos.

Entretanto, mesmo como medida parcial, a iniciativa do Ministro do Trabalho constitui um importante primeiro passo para se chegar às demais mudanças. Ela cria um ambiente novo, dentro do qual as partes interessadas, podem praticar livremente o seu direito de negociar. Isso teria um papel pedagógico para o patrocínio de transformações mais profundas das nossas instituições do trabalho.

Para tanto, as partes e a sociedade precisam de testar a idéia - o que as centrais sindicais querem impedir. Se empregados e empregadores acharem que negociar é bom, avançarão nesse caminho. Caso contrário, darão razão às centrais, deixando tudo como está, com uma massa de desprotegidos crescente e déficits previdenciários explosivos. E viva o elitismo!