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Publicado em O Estado de S. Paulo, 05/05/2001

Dez anos de reforma trabalhista

José Pastore

Quando se discutem reformas trabalhistas de profundidade é comum argumentar-se que elas só ocorreram por força de guerras, revoluções e ditaduras. Mas a história contemporânea registra belos exemplos de modernização por meios democráticos. No mês de maio, a Nova Zelândia completou dez anos de uma das mais profundas reformas trabalhistas.

A Nova Zelândia é um país pequeno – menos de 4 milhões de habitantes. A economia é fortemente exportadora. Na década de 60, o País ocupou o terceiro lugar no ranking de renda per capita. Em 1990, caiu para vigésimo. O crescimento foi de 2%; a inflação, 16%; e o desemprego 11%.

Um grande programa de reformas foi implantado entre 1988-90. A última foi a trabalhista. O mercado de trabalho estava engessado por leis que garantiam o monopólio dos sindicatos nas negociações e filiação obrigatória. As negociações cobriam inúmeras empresas, muitas vezes, setores nacionais. A arbitragem era compulsória. Os laudos, arbitrais valiam para todo o País.

A "Lei dos Contratos de Emprego", aprovada em maio de 1991, remexeu todo sistema. Acabou-se com o monopólio sindical e a obrigatoriedade de filiação. Empregados e empregadores passaram a escolher entre negociações multi-empresariais ou uni-empresarial. Acabou-se com a arbitragem compulsória. Os resultados foram expressivos. O emprego e os salários aumentaram. A produtividade do trabalho subiu substancialmente. Os conflitos diminuíram (Tim Maloney, "Has New Zealand's employment contracts increased employment and reduced wages?, Ausralian Economic Papers, Vol. 36, dezembro de 1997).

Mas a grande mudança foi o fato da nova lei ter deixado para os empregados decidirem se desejavam negociar individual ou coletivamente com as empresas e, neste caso, com ou sem a ajuda dos sindicatos. Uma verdadeira revolução nas relações de trabalho. O que aconteceu?

É verdade que nem tudo dependeu do novo regime trabalhista. Mas, nos cinco anos seguintes, o crescimento se manteve entre 5% e 7%. O país retomou à pujança exportadora. As contratações foram simplificadas. O conflito reduzido ao mínimo. E o desemprego caiu para 6%.

No início, a maioria dos empregados se entusiasmou pela contratação individual. Mas, gradualmente, foram se dividindo. A maioria voltou-se para os contratos coletivos. E como ficaram os sindicatos nesse novo cenário?

As primeiras negociações coletivas foram feitas com pouca participação dos sindicatos, cobrindo várias empresas. Mas, aos poucos, tudo mudou. Hoje, 99% dos contratos são por empresa. E empregadores e empregados voltaram a negociar com a participação dos sindicatos. Mesmo quando a maioria dos empregados não é sindicalizada, os empregados reconhecem nos dirigentes sindicais um bom domínio das técnicas de negociação. Para muitas empresas isso também se revelou mais conveniente. Para elas, é melhor negociar coletivamente e com líderes competentes do que manter diferentes contratos individuais. Atualmente, cerca de 65% dos contratos são negociados desse jeito. Os demais, individualmente.

A nova lei recebeu um aperfeiçoamento em outubro de 2000, passando a se chamar "Lei das Relações de Emprego". O novo instituto manteve a não-obrigatoriedade de filiação e a liberdade para a realização de contratos individuais. Mas, reconhecendo a tendência da realidade, passou a exigir que toda negociação coletiva seja feita com a participação dos sindicatos sem, no entanto, exigir sua filiação àquelas agremiações. Os sindicatos passaram a funcionar como um "business", especializados em negociação. E quem decide o nível e tipo de negociação são os empregados e empregadores, garantindo-se, assim, a liberdade na contratação do trabalho.

Muitos argumentarão que, para o Brasil, essa lição vale pouco. Afinal, a Nova Zelândia é uma nação pequena e homogênea. Nós somos o inverso. Mas, assim como não se deve copiar sistemas estrangeiros, convém não ignorá-los, especialmente quando produzem bons resultados.

A Lei das Relações de Emprego de 2000 tem um grande capítulo, reforçando o conceito da boa fé. Empregados e empregadores têm de ser honestos e transparentes uns com os outros. A apresentação de dados fiéis é parte mais importante da boa fé. Nenhuma das partes pode induzir a outra a erros devido a blefes e escamoteamentos. Os empregadores têm de respeitar os sindicatos quando o acordo é de natureza coletiva. Os sindicatos têm o direito de entrar nos locais de trabalho, dentro de suas atribuições. O empregador pode negar sua entrada, quando o assunto é impertinente ou intempestivo.

Apesar de arrepiar os teóricos ortodoxos do trabalhismo mundial, o sistema de relações do trabalho da Nova Zelândia constitui um dos mais eloqüentes exemplos do exercício efetivo da liberdade e do respeito entre empregados e empregadores. É uma peça de criativa engenharia social, em pleno funcionamento, e que não pode ser ignorada pelos amantes da democracia.