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Publicado na Revista do Instituto Brasileiro de Siderurgia, novembro de 2006.

A polêmica sobre a terceirização

Na contramão do que ocorre no resto do mundo, o governo Lula apresenta uma enorme resistência à modernização das leis que tratam do trabalho terceirizado.

Já foi o tempo em que as empresas realizavam todas as tarefas. Hoje, elas se concentram nas suas atividades básicas e compram fora bens e serviços especializados e executados por outras empresas ou profissionais.

A tendência constitui, na verdade, uma nova divisão do trabalho e a tendência é crescente. As grandes empresas da Europa, por exemplo, compram de outras empresas cerca de 80% dos itens que compõem seus produtos finais. No Brasil, 75% das grandes empresas praticam algum tipo de terceirização (Leira e Saratt, 1996).

A terceirização bem feita se baseia na especialização. A manutenção de um alto-forno, por exemplo, é melhor realizada por empresas que se especializam nisso. As siderúrgicas brasileiras, como regra, contratam serviços dessas empresas em montante expressivo e que chega a R$ .... por ano.

Os fabricantes de aviões, igualmente, compram bens e serviços de empresas especializadas, muitas vezes, no exterior. A Boeing, por exemplo, terceiriza uma grande parte de suas atividades em Moscou, onde mescla engenheiros russos com americanos. Mais da metade das fábricas de turbinas da General Electric localiza-se no exterior (Team SAI 2005).

Da mesma forma, as empresas transportadoras se sentem mais seguras quando contratam a manutenção das turbinas com firmas especializadas. Em 2005, só as companhias americanas contrataram cerca de 4.500 empresas nos Estados Unidos e 650 no exterior, gerando negócios da ordem de US$ 37 bilhões (Back Aviation Solution, Connecticut: Outlook Newsletter, 2005).

A terceirização no setor de serviços também é intensa. Os bancos avançaram muito nesse campo com a ajuda da informática. O American Express utiliza os serviços de 8 mil empregados em tempo integral que trabalham na Índia e Filipinas. O ABN Amro Bank transferiu 1,5 mil de seus funcionários para empresas especializadas em informática. O HSBS está em vias de concluir a transferência das atividades de 27 mil de seus funcionários para call centers ao redor do mundo.

Enquanto isso ocorre no mundo inteiro, o TST, no Brasil, barra a terceirização de várias atividades bancárias. Recentemente (março de 2005), a compensação de cheques realizada por terceiros foi considerada ilegal pela Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho. A questão foi examinada em recurso do Banco do Estado do Espírito Santo S.A. (Banestes) contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17a Região (ES) de confirmar sentença que determinou ao Banestes abster-se da contratação de prestadora de serviços para a realização dessa tarefa. A Primeira Turma do TST manteve a decisão porque a compensação bancária foi considerada atividade-fim do banco, na qual, segundo a jurisprudência firmada pelo TST (Súmula 331), é ilegal a terceirização de mão-de-obra. Para o Ministro Oreste Dalazen, atividade-fim é aquela em que a mão-de-obra destina-se ao atendimento de necessidade normal e permanente do empreendimento econômico de acordo com objetivo social da empresa. Dessa forma, segundo exemplo que citou, é inviável a terceirização de professores por colégio ou de vendedores por empresa comercial. Como também a de caixas por bancos. Em relação ao serviço de compensação bancária, a atividade terceirizada pelo Banestes "compõe o núcleo de atividades tipicamente bancárias" e integra suas atribuições intrínsecas. "A compensação de cheques consiste em atividade tipicamente bancária, tanto que depende de autorização do Bacen (Banco Central) para a sua execução".

Em várias partes do mundo, as novas tecnologias permitiram a incorporação no mercado de trabalho de pessoas que dispõem de tempos flexíveis. Nos Estados Unidos, em 1997, havia cerca de 12 milhões de pessoas trabalhando em casa ("homesourcing"). Em 2005, foram 24 milhões, ou seja, 16% da força de trabalho daquele país!

Esta revolução tecnológica está fazendo emergir novos modelos empresariais. A produção e a venda passaram para escalas gigantescas que requerem uma boa articulação das redes de produção e vendas. Por exemplo, na época de Natal, a Hewlett-Packard (HP) chega a vender 400 mil computadores por dia nas lojas do Wall Mart do mundo! Isso requer uma reformulação completa da rede de fornecedores, estocagem e vendas. Além disso, há o desafio da assistência técnica. A United Parcel Post (UPS), que antes recolhia uma impressora defeituosa na casa do cliente, levava-a à fábrica para conserto e devolvia ao cliente consertada, nos dias atuais, ela mesma conserta o equipamento e entrega ao cliente. É o "insource".

No Brasil, as áreas mais terceirizadas são: informática, organização e métodos, serviços jurídicos, relações públicas, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, administração de cargos e salários, folha de pagamento, benefícios em geral, restaurante e alimentação, previdência privada, saúde, seguro de vida e acidentes, transporte coletivo, limpeza e conservação, segurança, gráfica, correio externo, malote, frota de veículos, importação e exportação, auditoria de sistemas, marketing, pesquisa de mercado, propaganda, projetos, laboratórios diversos e serviços domésticos.

A terceirização é um processo irreversível. Faz parte da nova divisão do trabalho. E constitui peça essencial na formação de redes de produção. Aliás, não são mais empresas que competem entre si. A verdadeira competição se dá entre as redes de produção. E isso é crucial para a manutenção das empresas e dos empregos.

No Brasil, as centrais sindicais argumentam que a terceirização precariza o trabalho. Há um fundo de verdade nessa assertiva. A terceirização mal feita precariza mesmo porque busca apenas o menor custo. A terceirização bem feita, ao contrário, busca o melhor preço, o que implica na análise da qualidade do trabalho comprado assim como no tratamento condigno de quem presta o serviço.

A inexistência de um disciplinamento legal e de mecanismos de controle empurra o Brasil para a terceirização mal feita, prejudicando aqueles que praticam a terceirização bem feita. A única peça orientadora nesse campo é o Enunciado 331 do TST que é incompleto e restritivo para tratar da terceirização. Ao restringir esse processo às atividades-meio, por exemplo, cria enorme confusão.

Quem melhor sabe o que terceirizar é a empresa e não o juiz. Hoje, a empresa pode querer comprar de fora uma tarefa que faz parte de suas atividades-fim. Amanhã pode querer internalizá-la novamente.

O que interessa é uma boa terceirização, seja onde for, mesmo porque, nos modernos sistemas de produção, é quase impossível determinar com precisão o que é meio e o que é fim. A velocidade de mudança é meteórica e não permite discussões acadêmicas sobre termos e conceitos obscuros.

Mas uma coisa é certa. A terceirização só funciona quando as empresas contratantes conseguem manter do seu lado, como aliadas, as contratadas. Nessa aliança, confiança é essencial e respeito aos direitos trabalhistas, indispensável.

No Brasil, as leis atuais dão pouca segurança às empresas e pouca proteção aos trabalhadores e nada fazem para estimular alianças e parcerias assim como a terceirização bem feita e a formação de redes eficientes.

Progressos razoáveis foram feitos pelas comissões técnicas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados nos últimos anos. É pena que o governo Lula abortou todo o seu esforço, retirando de pauta inúmeros projetos importantes, e nada propondo em seu lugar. Não basta ser contra a terceirização. Para reduzir a incerteza das empresas e melhorar a proteção dos trabalhadores é urgente disciplinar a matéria.

De nada adianta, tampouco, "burocratizar" em demasia esse processo como querem os alguns técnicos do Ministério do Trabalho que admitem a terceirização apenas quando (1) a empresa contratante assuma "responsabilidade solidária" com a contratada de forma que a primeira passa a responder por toda e qualquer irregularidade trabalhista cometida pela segunda; (2) os salários dos contratados e as demais condições de trabalho dos empregados da empresa contratada sigam as cláusulas do acordo ou convenção coletiva da empresa contratante; (3) a contratação se restrinja às atividades-meio da empresa contratante.

Com isso, é óbvio, não haverá terceirização.

Muitos juizes vêem a parceria como similaridade de funções e trabalho conjunto, o que dá margem para a caracterização de vínculos empregatícios dos trabalhadores terceirizados. Isso afasta a necessidade de cooperação entre empregados efetivos e terceiros, matando a maior virtude da terceirização.

O Brasil não pode continuar fora desse processo e tampouco ficar sem regras modernas para terceirizar com dignidade.

Bibliografia Citada

Back Aviation Solutions (2005)

Back Aviation Solutions, www.backaviation.com

Ernst, David e Andrew M. J. Steinhubl (1997)

Aliances in Upstream Oil Gas, New York: The McKinsey Quarterly, no. 2.

Friedman, Thomas L. (2005)

O Mundo é Plano: Uma Breve História do Século XXI, Rio de Janeiro: Editora Objetiva.

Giosa, Lívio Antonio (1993)

Terceirização: Uma Abordagem Estratégica, São Paulo: Livraria Pioneira Editora.

Leira, Jerônimo Souto e Newton Saratt (1996)

Terceirização: Uma Alternativa de Flexibilidade Empresarial, São Paulo: Editora Gente.

Monteiro de Barros, Alice (1994)

"A Terceirização e a Jurisprudência", Revista do Direito do Trabalho, nº 80.

Team SAI (2005)

Team SAI Aviation & Business Innovation Consultants, Lakewood: Colorado, www.teamsai.com.

Souza Pinto, Sandra (1995)

Terceirização e Qualidade de Serviços nas Empresas Estatais Paulistas, Tese de Doutoramento, Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.