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Trabalho apresentado para publicação nos Cadernos de Economia da FECOMERCIO, São Paulo, novembro de 2006.

Reforma Trabalhista:

O que pode ser Feito?

José Pastore

O tema da reforma trabalhista tem sido freqüente nas discussões das políticas públicas que visam a estimular o emprego, reduzir a informalidade e proteger o trabalhador. Nas discussões referidas, os interlocutores tendem a adotar posições extremas. Os empresários, de modo geral, gostariam de viver em um mundo sem regulamentação ou com muito pouca regulamentação, julgando que, dessa forma, poderiam competir melhor. Os trabalhadores, por sua vez, buscam ampliar a regulamentação acreditando que, com isso, aumentaria a sua proteção no mercado de trabalho.

As duas posições, além de radicais, são insustentáveis do ponto de vista prático e teórico. O trabalho não é uma "commodity" que pode ser leiloado em bolsas de mercadorias ou que pode ser contratado com base exclusiva nas leis de mercado. Para evitar o aviltamento dos salários e a precarização das condições do trabalho, as atividades laborais precisam ser reguladas. Todo país possui algum tipo de regulamentação da atividade laboral.

A Regulamentação do Trabalho

Há várias formas de se regulamentar o mercado de trabalho. Na verdade, cada país tem seu sistema peculiar. Em um extremo, estão as nações que não acreditam ser possível estabelecer todos os detalhes da contratação no bojo de uma lei, pois as atividades variam de acordo com os setores da economia, regiões, tipo de empresa e conjuntura econômica. O que vale para o setor financeiro, não serve para a agricultura. O que é adequado para uma região desenvolvida não funciona em outra subdesenvolvida. O que é tolerável pela grande empresa não o é para as pequenas e microempresas. Por isso, esses países fixam em leis apenas as regras gerais, e deixam para o contrato negociado a maior parte dos detalhes da regulamentação. As normas que surgem nesse caso formam o chamado sistema negocial, onde o contrato entre as partes ocupa um lugar central.

Em um outro extremo estão as nações que acreditam na eficiência das leis e no monitoramento das mesmas por meio de tribunais do trabalho que possuam a devida competência para restaurar o comportamento desviante das partes. Nesse tipo de ambiente, há leis em grande profusão, bastante detalhadas e que devem ser respeitadas pelo mercado de trabalho, independentemente das diferenças entre setores da economia, características regionais e tamanho das empresas. Esse é o chamado sistema estatutário, onde a lei tem centralidade absoluta.

Nenhum país possui um sistema puro. Os que estão no extremo negocial convivem com várias leis aprovadas pelo Parlamento. Os que estão no extremo estatutário abrigam muitas regras de negociação.

Os dois sistemas possuem base legal. Os primeiros, porque têm as regras geradas por contratos que, por sua vez, são reconhecidos por leis que lhes dão eficácia jurídica. Os segundos porque se ancoram nas próprias leis.

Ao ter de cumprir a disciplina dos contratos ou das leis, a contratação do trabalho estabelece direitos e deveres. No sistema negocial, isso é estabelecido no contrato e, por essa razão, podem ser modificados por outro contrato, respeitadas as leis gerais. No sistema estatutário, a maior parte dos direitos e deveres é definido pelas leis e só podem ser modificados por outras leis.

Os dois sistemas seguem regras administrativas, geram despesas de contratação para os contratantes e benefícios para os contratados. A principal diferença está na rigidez da burocracia e das despesas que comandam os contratos.

No sistema negocial, as regras de administração, assim como as despesas de contratação podem ser modificadas mediante nova negociação, o que pode ser feito por vontade das partes. O ajuste tende a ser mais rápido e adequado às peculiaridades do mercado de trabalho, das características das empresas, das necessidades dos trabalhadores e do momento da conjuntura econômica e social.

No sistema estatutário, ao contrário, as regras e as despesas não admitem negociação e ajustes. A rigidez é maior. A resposta às mudanças no mercado de trabalho ou às condições da economia é mais lenta. A modificação das leis está sujeita a embates políticos e ideológicos de difícil transposição.

Exemplos eloqüentes de sistemas que pendem para o lado negocial são Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Dentre as nações que seguem mais de perto a linha estatutária estão França, Itália, Espanha e a maioria dos países da América Latina. O Brasil é um dos casos mais extremos, em que as condições de trabalho são quase que inteiramente definidas nas leis e interpretadas pelos tribunais. Conseqüentemente, é também um dos países que possui as mais altas despesas de contratação e o menor espaço para ajuste das mesmas às novas condições econômicas e sociais.

O Detalhismo Legal

A legislação brasileira admite negociação em apenas dois direitos – o salário e a participação nos lucros ou resultados. Todas as demais condições são fixadas nas leis, sendo, portanto, inegociáveis. É impossível fazer ajustes por tamanho de empresa, setor da economia ou necessidades dos grupos mais vulneráveis.

Para se apreciar o detalhismo das leis brasileiras basta mencionar que o valor da hora extra está fixado na Constituição Federal (art. 7º, XVI), o que constitui um detalhe inadmissível para uma Carta Magna que tem por objetivo fixar os grandes princípios de uma nação.

Vários outros detalhes fazem parte da topografia constitucional, como é o caso remuneração do trabalho nos dias de repouso (art. 7º, XV), a fixação do abono de férias (art. 7º, XVII), o tempo de aviso prévio, (art. 7º, XXI) e inúmeros outros direitos que, nos países de tradição negocial são estabelecidos no contrato de trabalho e, raramente, em leis ordinárias - nunca na Constituição.

As leis ordinárias seguem o mesmo detalhismo da Constituição Federal, a ponto da CLT estabelecer que a hora noturna tem 52 minutos e trinta segundos e não sessenta minutos (art. 73, § 1º). A lista de detalhes é infindável.

Ao lado desse detalhismo das leis, cresce a cada dia o número de normas geradas pela ação da Justiça do Trabalho, através de enunciados e precedentes criados pelas sentenças. Afinal, os órgãos da Justiça do Trabalho no Brasil lidam com mais de dois milhões de processos por ano. Isso dá margem a uma proliferação de normas das mais variadas naturezas.

O quadro legal no campo do trabalho é formado por 46 dispositivos constitucionais, 922 artigos da CLT, mais de 100 leis subsidiárias, 153 normas do Ministério do Trabalho, 114 normas do Ministério da Previdência, 68 convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e, no campo do Poder Judiciário, por 363 enunciados, 375 orientações jurisprudenciais e 119 precedentes normativos do Tribunal Superior do Trabalho.

Essa tradição legiferante no campo do trabalho tem mais de 70 anos e, hoje em dia, mobiliza interesses de várias comunidades profissionais, desde os magistrados até os advogados, passando por Oficiais de Justiça, funcionários ministeriais e dirigentes sindicais. Ademais, faz parte da cultura brasileira a crença de que só a lei pode proteger. A nossa tradição em matéria de negociação trabalhista é reduzida. Valoriza-se pouco o contrato e muito a lei. Nesse tipo de ambiente, não é fácil fazer-se a travessia do sistema estatutário para um sistema negocial.

No Brasil, cultura e grupos de interesse estão sempre prontos para criar mais leis. Tanto que a maioria dos projetos que tramitam no Congresso Nacional são no campo trabalhista. Na prática, todos eles criam mais deveres e mais despesas para a contratação do trabalho.

Como o sistema estatutário brasileiro é de âmbito federal, as regras legais e jurisprudenciais se aplicam a todos os setores da economia, todas as regiões, setores e empresas. No fundo, o Brasil trabalha com "leis de tamanho único" para serem aplicadas em realidades extremamente heterogêneas. Elas têm de ser aplicadas tanto a um fabricante de aviões quanto a uma barbearia. As despesas geradas por essas leis são universais e obrigam todas as empresas e trabalhadores cumprirem seus dispositivos, sem a menor possibilidade de ajustes pela via da negociação e sem considerar suas capacidades de administrar e pagar.

Rigidez Legal e Demanda de Mudanças

O caráter rígido de aplicação das regras de contratação do trabalho tem apresentado uma grande dificuldade para acompanhar as mudanças que caracterizam a economia moderna assim como as modificações impostas pela concorrência no campo da globalização. Novas formas de trabalho têm surgido a cada dia em decorrência da crescente globalização da economia e da necessidade de dividir o trabalho de maneira eficiente de modo a preservar as empresas e os empregos.

A subcontratação e a terceirização são práticas que buscam maximizar a referida eficiência. Da mesma maneira, o trabalho casual, intermitente, em tempo parcial, à distância (teletrabalho), em cooperativas, consórcios, redes de produção e tantas outras formas, são imposições da nova economia que não podem ser contrariadas impunemente nos ambientes competitivos. A legislação brasileira, entretanto, não facilita a prática dessas novas formas de trabalhar e nem é capaz de preservar as proteções básicas de quem trabalha dessa maneira. A linha mestra da CLT é a da relação de subordinação na qual se definem apenas dois tipos de atores, os empregadores e os empregados, estes, contratados por prazo indeterminado.

Além disso, a legislação estabelece uma série de direitos especiais para nichos particulares do mercado de trabalho – nem sempre os mais vulneráveis é que mais necessitam de proteção. Para apreciar essa distorção, basta citar alguns exemplos. Enquanto a Constituição Federal fixa a jornada de trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais (art. 7º, XIII) - o que, aliás, na maioria dos países é matéria infra-constitucional ou de negociação – o Decreto 23.322, de 1933 e em vigor até hoje, fixa a jornada do bancário em 6 horas diárias e 30 semanais, apesar da atividade dos bancários e os próprios bancos terem se transformado inteiramente nos últimos 70 anos. Por força da Lei 8.906 de 1994 (art. 20), a jornada de trabalho do advogado foi fixada em 4 horas diárias. É difícil encontrar motivos objetivos para justificar esse tipo de proteção especial.

O que é estabelecido em lei não pode ser negociado, a menos que seja para uma condição superior a estabelecida na lei. Esse sistema fecha a possibilidade de trocas. Muitas vezes os contratados têm interesse em reduzir a exigência de uma regra legal em troca de uma compensação econômica ou de um tempo livre para repouso, estudo ou trabalho comunitário. É muito comum, por exemplo, o caso de empregados que gostariam de diminuir o intervalo legal de almoço, de uma hora, para 30 minutos, em troca da antecipação da saída do trabalho em meia hora. Esse intervalo não pode ser adotado, a menos que haja uma concessão especial do Ministro do Trabalho (art. 71, § 3º da CLT). É uma troca que não pode ser feita por vontade das partes. A lei impõe que elas sejam tuteladas pela autoridade máxima em matéria trabalhista.

Essa rigidez constitui um dos maiores entraves para se fazer os ajustes que são exigidos para criar empresas, manter competitividade e gerar empregos. Se as leis são rígidas, é claro, as despesas também o são. Não há como negociá-las. Como veremos a seguir, o Brasil possui as mais altas despesas de contratação do mundo.

Burocracia e Despesas de Contratação

Considerando-se apenas as despesas geradas pelos direitos estabelecidos na Constituição Federal e na CLT e que se aplicam a todas as empresas, a contratação do trabalho na forma de relação de emprego subordinado acarreta uma despesa de 103,46% do salário do empregado, como se vê na Tabela 1.

Tabela 1 - Despesas de Contratação no Brasil (Horistas)

Tipos de Despesas

% sobre o Salário

Grupo A –Obrigações Sociais

 

Previdência Social

20,00

FGTS

8,50

Salário Educação

2,50

Acidentes do Trabalho (média)

2,00

SESI/SESC/SEST

1,50

SENAI/SENAC/SENAT

1,00

SEBRAE

0,60

INCRA

0,20

Subtotal A

36,30

Grupo B –Tempo não Trabalhado I

Repouso Semanal

18,91

Férias

9,45

Abono de Férias

3,64

Feriados

4,36

Aviso Prévio

1,32

Auxílio Enfermidade

0,55

Subtotal B

38,23

Grupo C –Tempo não Trabalhado II

13º Salário

10,91

Despesa de Rescisão Contratual

3,21

Subtotal C

14,12

Grupo D –Incidências Cumulativas

 

Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B

13,88

Incidência do FGTS s/13º sal.

0,93

Subtotal D

14,81

TOTAL GERAL

103,46

Fonte: Itens da Constituição Federal e CLT.

Ou seja, a tributação do trabalho no Brasil, por força da Constituição Federal e da CLT, faz com que a despesa com obrigações não salariais ultrapasse a despesa salarial. Ao contratar um empregado por R$ 1.000,00 por mês, as empresas têm uma despesa de R$ 2.030,00, lembrando-se que o empregado leva para casa apenas uns R$ 850,00, porque também sofre vários descontos em seu salário (Previdência Social, Imposto de Renda, Contribuição Sindical e outros).

É importante acrescentar que, na tabela acima, estão fora várias despesas compulsórias que se aplicam a uma grande parcela do mercado de trabalho como é o caso dos auxílios para transporte, alimentação e creche assim como as licenças para alistamento militar, registro eleitoral, doação de sangue, casamento, falecimento em família e outras. Elas foram excluídas por não se aplicarem a toda força de trabalho e nem a todas as empresas.

Países que têm uma larga tradição de regulamentação, possuem despesas menores do que as do Brasil. Usando-se a mesma nomenclatura da Tabela 1 e estudando a situação de outras nações, observa-se que, enquanto as despesas de contratação no Brasil chegam a 103,46%, na França, elas ficam em 79,70%; na Argentina são 70,27%; na Alemanha, 60%; na Inglaterra, 58,80%; na Itália, 51,20%; no Uruguai, 48,06%; no Paraguai, 41%; no Japão, 11,80%; nos Tigres Asiáticos (em média), 11,50% e nos Estados Unidos, 9,03%.

De um modo geral, esses países optaram por pagar mais salários e gravar menos o trabalho com despesas de contratação. Além de dar aos trabalhadores um poder de compra mais alto e mais imediato, essa estratégia facilita a realização de negociações saudáveis. Como se sabe, na mesa de negociação os trabalhadores demandam aumentos de remuneração e os empresários demandam aumentos de produtividade. Quanto mais direta é essa troca, maior a probabilidade da negociação terminar na base do ganha-ganha. Quando há muitas despesas intermediárias e inegociáveis, a troca é difícil e, como conseqüência, os empresários tendem a puxar a remuneração para baixo para ficar com um custo final do trabalho compatível com as condições em que precisa competir.

A Polêmica sobre os Encargos Sociais

Este ensaio está evitando propositadamente o uso do termo "encargo social" por se tratar de conceito muito controvertido. A opção por despesas de contratação visa a deixar claro que, seja o nome que for dado aos itens da Tabela 1, todos eles geram despesas para as empresas contratarem nos termos da lei.

Mesmo assim, a controvérsia subsiste. Muitos argumentam que várias dessas despesas, constituem salários indiretos. Trata-se de mais um equívoco conceitual. Despesa não se confunde com salário. O salário é a remuneração do trabalho efetivamente realizado. A remuneração de 30 dias de férias, por exemplo, não constitui contrapartida de trabalho realizado. Por isso, ela não é salário - e sim "despesa de contratação". O mesmo ocorre com os demais itens da tabela acima.

As despesas de contratação, diferentemente dos salários, são inegociáveis e são de recolhimento ou pagamento compulsório, o que não deixa dúvida sobre a sua natureza tributária ou paratributária. O Código Tributário Nacional define tributo como toda prestação pecuniária compulsória.

No caso das despesas de contratação, algumas têm a sua arrecadação vinculada a entidades específicas, outras não. As primeiras são tipificadas como contribuições sociais. As demais são paratributos. Todas, porém, são entidades do universo tributário. O seu recolhimento ou pagamento é realizado de forma obrigatória pelo Estado (através do INSS), Justiça do Trabalho e pelas empresas.

Assim, o custo do trabalho para as empresas é formado por parcelas negociadas (salário, participação nos lucros, comissões, etc.) e parcelas não negociadas de natureza tributária ou paratributária que são as despesas de contratação - e que faz chegar a 103,46% do salário nominal.

As Conseqüências do Garantismo Legal

O Brasil optou por um sistema de muitas despesas e pouco salário. As leis do trabalho, consolidadas mais tarde na CLT, foram criadas sob a inspiração do "garantismo legal", segundo o qual o País pretende assegurar todas as proteções sociais por meio da lei e não da negociação. Como essas despesas são determinadas por alíquotas do salário, este tende a ser aviltado – como citado acima - para que as empresas cheguem a um custo total do trabalho (parcelas negociadas e não negociadas) que permita manter a sua competitividade no mercado de bens e serviços que produzem.

Além do rebaixamento dos salários, a rigidez do sistema estatutário provoca outras distorções. Uma delas, comumente adotada pelas pequenas e microempresas, é a contratação de uma parte do seu quadro de pessoal (ou a totalidade) na informalidade. O Brasil é um dos campeões de informalidade no trabalho. Cerca de 60% dos brasileiros que trabalham, estão na informalidade. Em termos absolutos, isso representa 48 milhões de pessoas – contra apenas 32 milhões que estão na formalidade e sob a proteção da lei (dados referentes a 2004).

Uma outra distorção decorrente do excesso de rigidez da lei é a mecanização ou a automação precipitada. Ao fazer os cálculos do custo total do trabalho, muitos empresários se precipitam na aquisição de equipamentos que dispensam empregados. Com isso, o Brasil instiga o uso do capital (que é escasso) em detrimento do trabalho (que é abundante), deixando de lado um dos principais objetivos de uma política social que é a geração de empregos protegidos e de boa qualidade.

O modelo de "lei tamanho único" choca-se frontalmente com a estrutura das empresas do Brasil. O País tem tamanho continental, mas é sustentado por um grande número de micro-produtores. Essa lei é particularmente perversa para as pequenas e microempresas que constituem a esmagadora maioria das empresas do Brasil.

A Tabela 2 inclui apenas as empresas formais, isto é, as que estão registradas na Secretaria da Receita Federal e que possuem CNPJ. Os dados mostram que mais de 98% das empresas brasileiras são pequenas ou microempresas.

Tabela 2. Porte das Empresas Formais do Brasil

Porte das Empresas

Número de Empresas

%

Micro

5.277.308

94,7

Pequenas

245.458

4,4

Médias

29.579

0,5

Grandes

22.434

0,4

Total

5.574.779

100,0

Fonte: IBGE. Cadastro geral de Empresas, 2004.

Embora tais empresas contribuam para a menor parcela do PIB, elas são responsáveis por mais de 50% dos empregos. Portanto, a sua contribuição em termos sociais sobrepassa a sua participação como agentes econômicos. Ademais, são elas que viabilizam a produção e as vendas das empresas de maior porte.

A burocracia e as despesas para contratar empregados afeta de modo especial as pequenas e microempresas. Uma das maiores preocupações dos pequenos e microempresários diz respeito às despesas impostas por lei no caso de demissão sem justa causa.

O sistema de dispensa como um todo é extremamente oneroso para aquelas empresas. Dele fazem parte os 8,5% sobre o salário recolhidos mensalmente e sobre o 13º salário; a indenização de dispensa no valor de 40% do saldo do FGTS acumulado pelo empregado; mais 10% que devem ser recolhidos aos cofres públicos por força da Lei Complementar 110/2001; e, finalmente, as despesas com o aviso prévio que, em grande parte dos casos, é pago em dinheiro. Portanto, despedir um empregado requer uma capacidade de caixa que raramente existe nas pequenas e microempresas. Isso apavora a maioria dos empresários. Daí a incidência de tanto trabalho informal nas pequenas e microempresas.

O universo das pequenas e microempresas vai bem mais além do constante na Tabela 2. O SEBRAE estima existir mais de 9 milhões as micro unidades sem registro na Receita Federal. Tais empresas têm um único proprietário. Cerca de 46% não fazem qualquer registro contábil. Outras 46% dispõem de registros anotados pelo próprio proprietário. E apenas 7% usam contadores. Cerca de 85% dos que trabalham nessas empresas são proprietários, (incluindo-se aqui os trabalhadores por conta própria e os empregadores) e 14% são empregados, em sua maioria, sem carteira de trabalho.

A Informalidade nas Pequenas e Microempresas

Pela natureza das posições nas ocupações e pelas características dos negócios e das pessoas, a informalidade nas empresas informais é mais alta do que a das empresas formais. Em vários setores, ela está acima da média nacional que é de 60%. Os estudos do Sinduscon de São Paulo para o setor da construção civil mostram haver 64% dos trabalhadores sem registro em carteira nesse setor, na maioria dos casos, em pequenas obras. Isto na cidade de São Paulo. Ao se adentrar pelo interior do Estado e do País, em especial nas regiões mais pobres, a informalidade sobe ainda mais. Para o Brasil como um todo, estima-se que a informalidade nas pequenas e microempresas, inclusive as da agricultura, chega a 70%.

Portanto, quem mais convive com a informalidade são as empresas de pequeno porte e os que nelas trabalham. É aí que a lei mais atrita com a realidade. Esse atrito afeta exatamente quem mais precisa de proteção. Os dados mostram que os mais castigados pela a informalidade são os pobres e isso tem aumentado com o passar do tempo. Em 1981, 74% dos pobres trabalhavam no mercado informal; em 2001, essa proporção saltou para 80%.

Quem são os Informais?

Como vimos, dos 80 milhões de brasileiros que trabalham, 48 milhões estão na informalidade: são brasileiros desprotegidos por não terem nenhum vínculo com a Previdência Social.

Quem são os informais? O quadro estimado da informalidade no Brasil engloba empregados, empregadores e trabalhadores por conta própria, conforme mostra a Tabela 3.

Tabela 3. Distribuição dos Informais no Brasil - 2004

Segmentos Informais

Em milhões

%

Empregados em empresas

19,5

40,6

Trabalhadores por conta própria

17,5

36,5

Empregados domésticos

4,0

8,3

Trabalhadores sem remuneração

5,5

11,5

Empregadores

1,5

3,1

Total

48,0

100,0

Fonte: PNAD 2004. Estimativas do Autor.

Somando-se os empregados em empresas com os empregados domésticos, a categoria de "empregados" abrange 23,5 milhões de pessoas. Se a esse grupo agregar-se os 1,5 milhão de empregadores que também deveriam estar vinculados à Previdência Social, chega-se a 25 milhões de pessoas. Portanto, empregados e empregadores constituem as categorias mais robustas, respondendo por mais de 50% do mercado de trabalho informal no Brasil.

Quais são as características dessas pessoas? A metade é formada por pessoas que têm insuficiência de renda para se filiar à Previdência Social. A outra metade é composta por pessoas que não têm condições para preencher as regras de elegibilidade da Previdência Social (menores de 16 anos e maiores de 60 anos). Os dois grupos englobam pessoas muito vulneráveis e que ficam sujeitas aos riscos do desemprego, da doença, da velhice e da morte, sem nenhuma proteção.

Onde os empregados informais trabalham? É sabido que a informalidade nas grandes empresas é pequena. Aliás, estas empresas têm gerado pouco emprego nos últimos tempos. O conjunto das empresas pequenas e microempresas tem sido responsável pela geração da maior parte dos empregos. Nos últimos dez anos, cerca de 55% dos novos postos de trabalho surgiram nessas empresas.

São exatamente elas que enfrentam as maiores dificuldades para superar a burocracia da contratação e arcar com as respectivas despesas. Dois terços das pequenas e microempresas estão no comércio e serviços, onde a informalidade é alta. No setor comercial, 83% dos empregos estão em firmas que têm até 4 empregados. Nos serviços, são 74%. É nesses nichos que mais incide o emprego informal urbano. O excesso de tributação do trabalho se junta ao excesso de tributação geral dificultando, sobremaneira, a formalização das empresas e dos empregos.

Essa é a realidade em matéria de empregos informais. A reforma da legislação trabalhista terá de contemplar esse quadro. É verdade que leis não criam empregos. Mas leis de boa qualidade e que respeitam as especificidades dos vários segmentos do mercado de trabalho ajudam a contratar legalmente.

O Trabalho por Conta Própria

Ao lado dos 25 milhões de empregados e empregadores do setor informal, há cerca de 17 milhões de pessoas que trabalham por conta própria ou que trabalham sem remuneração, em geral, na agropecuária, ajudando um parente (ver Tabela 3). Estas pessoas, por não terem relação de subordinação, necessitam de proteções previdenciárias especiais. A solução para esse problema está mais no campo da Previdência Social do que no trabalhista. Este aspecto será examinado com mais detalhe adiante.

Muitos argumentam que o mero crescimento econômico resolverá esse problema. Ledo engano. O crescimento é necessário, mas não é suficiente. A informalidade tem crescido na recessão e na retomada da economia. Em 2004, quando o PIB cresceu mais de 5%, o mercado de trabalho formal das regiões metropolitanas cresceu apenas 1,3% enquanto que o informal cresceu 6%. Ou seja, com um PIB crescente, a informalidade aumentou com uma velocidade quatro vezes maior do que a formalidade. Na capital de São Paulo, por exemplo, mais da metade das pessoas que encontraram empregos em 2004 não conseguiram o respectivo registro nas suas carteiras de trabalho.

Despesas Peculiares das Pequenas e Microempresas

Ao lado das altas despesas de contratação que são arcadas por todos os empregadores, as pequenas e microempresas têm peculiaridades que geram custos adicionais. Por exemplo, o piso salarial é objeto de negociações nas datas base. O seu valor é fixado em convenções coletivas da categoria que envolve empresas de todos os portes. Mas, na maioria das vezes, os negociadores fazem parte das empresas de maior porte e que têm condições de arcar com os custos de pisos mais generosos. Raramente os pequenos e microempresários participam dessas negociações e, quando o fazem, não têm força suficiente para impor valores realistas. Uma vez assinada a convenção, todas as empresas da categoria ficam obrigadas a respeitar o piso negociado. Para as empresas do topo, isso é aceitável; para as pequenas e microempresas, é intolerável.

A lei é assim. Mesmo que os empregados queiram, os empregadores não têm liberdade para firmar um acordo em separado com cláusulas menos favoráveis do que as da convenção coletiva respectiva, a menos que os sindicatos que a negociaram permitam aquele expediente. Isso é raro. Há resistências de todos os lados, até mesmo das empresas. Os grandes empregadores resistem em conceder "regalias" para os pequenos e microempresários sob o argumento que estariam criando uma concorrência desleal para si

O mesmo acontece com o valor da hora extra e do adicional de trabalho noturno. A legislação fixa valores mínimos, 50% e 20%, respectivamente. Mas, as convenções coletivas realizadas com grandes empresas costumam ir além disso, e acabam impondo às pequenas e microempresas valores superiores à sua capacidade de pagar.

Muitas das pequenas e microempresas não participam das assembléias que aprovam as convenções coletivas. Apesar disso, elas têm de arcar com os custos dessas convenções, decididas geralmente por empresas de maior fôlego.

Não é à toa que os pequenos e microempresários têm medo de empregar formalmente. As despesas extraordinárias quando somadas às ordinárias tornam a contratação extremamente onerosa. Se a empresa é envolvida em uma ação trabalhista que implica em peritagem, por exemplo, o custo desse serviço é enorme e deve ser bancado pela empresa. Na interposição de um recurso judicial, a lei obriga a empresa a fazer um depósito prévio, muitas vezes no valor da causa. São exigências contornáveis pelas grandes empresas – embora tudo isso seja repassado para os preços – mas impraticáveis para as pequenas e microempresas.

Isso mostra que uma legislação que pretende realmente proteger empregados precisa levar em conta os elementos da realidade em que incide. Do contrário, as boas intenções do legislador se voltam contra os trabalhadores que são contratados na informalidade ou ficam no desemprego.

A legislação trabalhista brasileira necessita de adaptação aos tempos modernos e às peculiaridades das empresas. Para as pequenas e microempresas, muitos países lhes dão um tratamento diferenciado para estimular a contratação. Aliás, a Constituição Federal prevê um tratamento diferenciado na tributação do trabalho para aquelas empresas (arts. 170 e 179) – o que nunca foi feito. O tema será objeto de sugestão apresentada mais adiante neste ensaio sob a denominação de "Simples Trabalhista". Antes, porém, é preciso mencionar que reformas trabalhistas são difíceis de serem feitas, mas não são impossíveis. A Espanha, Inglaterra e Nova Zelândia são exemplos de países que enfrentaram essa difícil tarefa e tiveram sucesso em modernizar as leis do trabalho. Os parágrafos que seguem, descrevem as reformas da Espanha.

A Reforma Trabalhista da Espanha

A Espanha realizou várias mudanças nas leis trabalhistas ao longo das décadas de 80 e 90 quando foram negociados inúmeros acordos voluntários, várias mudanças das leis do trabalho e milhares de negociações entre os representantes de empregados e empregadores com vistas a elevar o nível de emprego, a renda e a qualificação dos trabalhadores, assim como melhorar a competitividade das empresas. Foi um longo período de acertos e erros.

Em todas essas mudanças, sempre se praticou o diálogo social entre os principais protagonistas – sindicatos de trabalhadores, associações de empregadores e representantes do governo, inclusive parlamentares. Nenhuma reforma foi imposta a este ou aquele ator social.

As reformas trabalhistas da Espanha fizeram parte de um processo e não de uma decisão isolada. Toda vez que determinada mudança se mostrou contra-producente, ela foi retocada e adaptada às novas necessidades. Por isso, elas adquiriram um caráter dinâmico e não estático. Mesmo porque é muito difícil acertar de modo definitivo em matéria de mudanças sociais.

No Brasil, as reformas da Espanha foram mal divulgadas. Deu-se uma grande ênfase nos "contratos por prazo determinado", como se isso compreendesse todas as mudanças realizadas. O entendimento das reformas espanholas foi prejudicado pela divulgação de dados parciais, o que gerou críticas demolidoras sobre a suposta "precarização do emprego" naquele país. Poucos analistas avaliaram as medidas adicionais que foram introduzidas com o objetivo de corrigir os exageros no uso dos contratos por prazo determinado e de outras mudanças e adaptações exigidas pela dinâmica do mercado.

Na verdade, as reformas da Espanha foram divulgadas pela imprensa brasileira como uma espécie de contra-exemplo para se "provar" um suposto fracasso da modernização das instituições do trabalho. Nessa linha, costuma-se citar (erroneamente) que o desemprego na Espanha explodiu depois da introdução de leis que abriram as alternativas de contratação.

Ao lado da informação parcial, notou-se também um viés ideológico contra as referidas reformas, que foram interpretadas pelos incluídos como uma ameaça ao seu status quo, - o que prejudicou ainda mais a formação de uma visão balanceada a respeito das virtudes e limitações daquelas mudanças.

Afinal, o que fez a Espanha no campo trabalhista? Quais foram os resultados?

A primeira grande reforma, de 1994, transformou alguns direitos inegociáveis em direitos negociáveis – como, por exemplo, a jornada de trabalho e a estrutura salarial – e criou uma variedade de contratos de trabalho: por prazo determinado, em tempo parcial, para trabalho eventual, por obra certa, para a formação de jovens, para estímulo às pessoas de meia idade, etc.

Tais contratos foram amplamente utilizados pelas empresas por serem mais simples, mais flexíveis e menos dispendiosos. São contratos que, apesar de oferecerem benefícios parciais, garantiam as proteções fundamentais do trabalho: aposentadoria, pensão, seguro-acidentes, licenças para tratamento de saúde, gravidez e várias outras. Na mesma época, foi atenuada a rigidez de certas regras de demissão.

Dois anos depois, observou-se uma utilização exagerada dos contratos por prazo determinado. De fato, a maioria dos empregos criados entre 1994 e 1996 foi atrelada a esse tipo de contratação.

Em vista disso, a Espanha decidiu "reformar a reforma". Um conjunto de inovações, iniciado em 1997, visou estimular os empregadores a transferirem, gradualmente, uma boa parte dos empregados contratados por prazo determinado para prazo indeterminado. Dentre os estímulos, destacaram-se a (1) redução dos encargos sociais; (1) a simplificação da burocracia; e (3) a criação de um contrato de trabalho com indenização de dispensa de 33 dias em lugar dos 45 dias estabelecidos na lei existente.

O importante é que, ao começar a aludida transferência, os contratados por prazo determinado já estavam atrelados ao sistema previdenciário. Os estímulos utilizados funcionaram como uma melhoria de uma situação parcialmente protegida. O contrato com indenização de 33 dias impulsionou um grande número de contratações que duram até hoje.

Na época, a Espanha passou por uma enorme transformação. Entre 1996-99, a economia cresceu quase 20% em termos reais e o emprego aumentou 13%. O desemprego despencou de 22% para 15% e os trabalhadores que dependiam do seguro-desemprego caíram de 22% para 10%. A informalidade baixou de 12% para 8%.

A reforma da reforma trouxe resultados positivos. Com a correção introduzida em 1997, os contratos de menor proteção caíram de 40% para 30% (em 2005) e os de maior proteção aumentaram de 60% para 70%.

As Lições das Reformas da Espanha

Esses fatos mostram que reformas trabalhistas precisam ter continuidade e devem conter mecanismos de correção para serem usados ao longo do processo de mudança. Esta é uma primeira lição importante.

Na impossibilidade de se fazer uma reforma completa, certeira e definitiva, as mudanças introduzidas devem ser objeto de uma monitoria constante, o que é fundamental para se fazer uma sintonia fina e promover ajustes permanentes, mesmo porque os efeitos das mudanças não são imediatos.

Esta é uma segunda lição importante. As mudanças nas leis e nos métodos de contratar levam um certo tempo para serem percebidas. Só depois de incorporadas ao repertório institucional do país é que elas começam a apresentar resultados que atraem o interesse das partes, em especial, dos excluídos.

Esta é uma terceira lição. Na Espanha, as reformas de 1994 e 1997 consolidaram seus resultados nos anos seguintes e, na verdade, continuam produzindo efeitos até os dias de hoje. A queda do desemprego foi muito gradual. A desocupação foi baixando, ano a ano, e só mostrou um avanço expressivo depois de quase uma década de implementação das reformas trabalhistas.

Na verdade, o desemprego baixou para o patamar fixado como meta pelos reformistas de 1994 (8%) só no início de 2006. Foi quando então a informalidade se reduziu para apenas 6% e a proporção dos que dependiam do seguro desemprego para 7%.

No período de 1994 a 2004 foram criados 6,3 milhões de empregos (um incremento de 50% no nível de emprego). Trata-se de um desempenho inigualável na União Européia. Em 2004, havia 18,3 milhões de pessoas trabalhando. No final de 2005, eram 19,3 milhões de pessoas ocupadas, com um acréscimo de 894 mil pessoas ao longo daquele ano.

Hoje em dia, a Espanha é uma referência em matéria econômica e laboral em toda a Europa. Além da vigorosa criação de novos empregos, o país reduziu drasticamente os gastos com seguro desemprego, o que ajudou a equilibrar as contas públicas.

Como parte das reformas estruturais, a Espanha implantou a Lei de Estabilidade Orçamentária, uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, que ajudou o governo a controlar o déficit público, com grandes benefícios para o lado do emprego. O país tirou um bom proveito ainda com a entrada na zona do euro

Esta é uma quarta lição importante. As mudanças trabalhistas, quando bem realizadas, contribuem para equilibrar as contas de Previdência Social e, indiretamente, todas as contas públicas e, com isso, estimula os investimentos e a geração de empregos.

O emprego depende da combinação do conhecido tripé formado por crescimento sustentado, educação de boa qualidade e legislação adequada. O sucesso espanhol não pode ser reduzido às mudanças trabalhistas, mas não se pode tampouco atribuí-lo inteiramente ao crescimento econômico. Este é um importante componente do tripé indicado, mas não é o único.

Mudanças trabalhistas, sozinhas, não geram empregos. Mas, combinadas com medidas que estimulam os investimentos, elas facilitam a criação de novos postos de trabalho. Outros países da Europa também cresceram, mas apresentaram resultados pífios no campo do emprego, como é o caso da Alemanha, que tem mais de 11% de desemprego e da França, que tem quase 10%.

Para atacar os problemas no campo do trabalho, a Espanha atuou nas três frentes: acelerou o crescimento econômico, melhorou a qualidade da educação e da formação profissional e modernizou a legislação trabalhista.

Esta lição é de fundamental importância. Ou seja, nenhuma dessas mudanças – isoladamente - resolve os problemas do desemprego e da informalidade. Mas as três, quando bem articuladas, têm uma boa chance de atenuá-los.

Os Passos das Reformas

Por meio das várias reformas, a Espanha criou instituições do trabalho que (1) estimularam novas formas de contratar; (2) reduziram o custo da admissão; (3) cortaram o custo da demissão; (4) estimularam um aumento de horas trabalhadas; (5) diminuíram o custo unitário do trabalho; e (6) tudo isso associado a uma força de trabalho bem preparada.

Os primeiros resultados surgiram nos anos de 1997 e 1998 quando a taxa de desemprego demonstrou uma nítida tendência de queda ao ser reduzida de 22% para 15%. Em 1999, as diferenças entre a Espanha e outros países da União Européia tornaram-se expressivas. A taxa de desemprego da Espanha chegava a 14%. Poucos estados membros daquela Comunidade conseguiram reduzir o desemprego nessa proporção.

A Espanha não só fez decrescer a taxa de desemprego como aumentou o volume de trabalho. A jornada anual passou para 1.800 horas, ao passo que na Alemanha e França ficou em 1.600 horas por ano .

A renda também aumentou, mas o novo quadro institucional impediu que os custos fossem repassados aos preços. Com a possibilidade de usar vários tipos de contratos, as empresas procuraram maximizar seus recursos e manter o custo unitário do fator trabalho. Os cidadãos, por sua vez, encontraram formas de trabalhar, tendo garantidas as proteções fundamentais. Isso foi essencial para a Espanha enfrentar a crescente competição do mundo globalizado.

O país ainda tem problemas de competitividade. A China, a Índia e vários países do leste europeu – muitos dos quais estão na União Européia - trabalham com custos muito mais baixos e produtividade mais alta – o que lhes dá uma nítida vantagem nos dias atuais.

Em 2000, quando da reeleição de José Maria Aznar, a maioria dos analistas da imprensa brasileira continuou disseminando a idéia de que a modernização das leis trabalhistas foi responsável por uma alta taxa de desemprego que ficou para trás, ignorando que o País estava perseguindo um plano para chegar à meta 8%, que foi praticamente alcançada no final de 2005 quando o desemprego caiu para 8,4%.

Repetindo, as reformas trabalhistas não explicam todo o sucesso da Espanha no processo de redução do desemprego e da informalidade, mas, foram uma parte importante naquele processo. E, de forma alguma, podem ser responsabilizadas por aumento de desemprego ou informalidade que não existiu.

Contrastes entre Espanha e Brasil

Inúmeros estudos demonstraram que os choques econômicos dos anos 70 e 80 machucaram muito mais a Espanha do que outros países devido, fundamentalmente, à rigidez das instituições do trabalho. Ou seja, os problemas macroeconômicos se tornam mais devastadores quando as instituições sociais dificultam os ajustes.

Apesar dos grandes pactos sociais dos anos 80, muitas instituições espanholas mantiveram-se rígidas. No campo do trabalho, as velhas ineficiências da autocracia de Franco foram travestidas em novas ineficiências do sistema "neocorporativista" criado pelos referidos pactos, o que manteve, quase intacta, a armadura anterior.

Em outras palavras, nem sempre as propostas de mudança redundam em modernização. No caso da Espanha, o Estatuto de los Trabajadores de 1980, juntamente com as regras legais restritivas do velho franquismo formaram as chamadas Ordenanzas Laborales, que, no fundo, impuseram uma forte rigidez ao mercado de trabalho – o que só veio a ser atacado com as reformas iniciadas em 1994.

Nesse ponto há uma semelhança entre Espanha e Brasil. Entre nós, a maioria das medidas pseudo-modernizantes, aprovadas na década de 90, foi esterelizada por inúmeros empecilhos de natureza neocorporativista.

Por exemplo, para um trabalhador aproveitar uma vaga em regime de prazo determinado, a Lei 9.601/98 exigia que o sindicato da categoria aprovasse a nova contratação. Como isso não ocorreu, a lei não funcionou.

A conclusão (errônea) foi a de que a "flexibilização só atrapalhou". Poucos tiveram o cuidado de verificar que o direito de veto dado aos sindicatos na contratação dos novos empregados por prazo determinado colocou o destino dos desempregados nas mãos dos dirigentes sindicais. Estes tomavam decisões em assembléias das quais os pretendentes à vaga não podiam participar, pois não faziam parte nem do sindicato e nem da empresa que desejava contratá-los. Trata-se de um eloqüente exemplo de injustiça social garantida por lei: ou seja, a vida dos excluídos é decidida pelos incluídos.

Esse tipo de rigidez se repetiu em inúmeros outros diplomas legais aprovados nos anos 90, que tornaram as novas leis brasileiras tão rígidas e estéreis quanto as antigas. Não podiam funcionar.

A análise das leis trabalhistas demanda um exame dos detalhes. Aliás, é nos detalhes que os sistemas de relações do trabalho se diferenciam.

Por exemplo, o Brasil costuma ser apontado como um país onde a demissão tem baixo custo, o que levaria as empresas a praticar uma intensa rotatividade de seus empregados. A Espanha é tida como um país que tem os custos mais altos para a demissão. O que dizem os dados?

Na Espanha, a demissão implica em pagamento de uma indenização correspondente a 45 dias por ano de trabalho na empresa. Apesar de ser um custo alto, ele é mais baixo do que o do Brasil que, na verdade, ultrapassa, em média, os 60 dias quando se consideram o pagamento de 8,5% do salário mensal a título de FGTS e a indenização de 40% do saldo daquele fundo por ocasião da despedida, lembrando-se que atualmente está em 50%. Se adicionarmos as despesas com o aviso prévio, o custo da demissão no Brasil ultrapassa os referidos 60 dias de salário anual.

Ao contrário do que se fez na Espanha, no Brasil nunca se procurou corrigir as distorções das inovações introduzidas na área do trabalho. As poucas mudanças introduzidas nas leis do trabalho (contrato por prazo determinado, em tempo parcial e interrupção temporária do contrato de trabalho atrelada a treinamentos) não foram realizadas como um processo, mas sim como tentativas estanques, mal planejadas e jamais retocadas.

As centenas de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, na sua maioria, visam a enrijecer ainda mais o quadro legal ao pretender garantir por lei – e não por negociação – o que é impossível conseguir das empresas que têm de vencer a forte competição dos mercados interno e externo.

Os Desafios da Espanha e do Brasil

A Espanha enfrenta novos desafios. Com a eleição do governo de José Luiz Rodriguez Zapatero do Partido Socialista Obrero Español – PSOE, em julho de 2004, o país passou a praticar uma política econômica menos rigorosa, fazendo surgir vários focos de preocupação, dentre eles, a elevação da inflação para 3,5%, o aumento do custo unitário do trabalho em 4%, o crescimento do déficit na balança de pagamentos e perda de competitividade nos mercados internacionais.

Nenhum país está livre de retrocessos. A nova "Lei dos Horários Comerciais", introduzida em 2005, por exemplo, reduziu o tempo de funcionamento das lojas, o número de feriados em que podem funcionar (da plena liberdade para apenas 8 dias por ano) e o número de horas trabalhadas por semana. Esse conjunto de medidas está fazendo baixar a produtividade do comércio, reduzindo a oferta de trabalho e prejudicando a economia como um todo.

Por isso, muitos analistas recomendam novas reformas nos campos do trabalho e do funcionamento das empresas, focalizando, nesta oportunidade, a necessidade de se (1) reduzir o custo da dispensa; (2) diferenciar as convenções coletivas por tipos de empresa; e (3) eliminar as cláusulas de ultratividade que, na prática, se converteram em um mínimo para as negociações que usam o passado para engessar o futuro.

No Brasil ocorre fato semelhante. Com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, ex-sindicalista ligado à Central Única dos Trabalhadores, o governo decidiu ignorar as necessidades de uma reforma trabalhista, tendo preferido concentrar esforços em uma reforma sindical que, aliás, não saiu do papel.

Enquanto isso, os problemas trabalhistas se agravaram. O desemprego chegou a quase 11% em março de 2006. A informalidade continuou em 60%. As despesas de contratação aumentaram, bastando lembrar a elevação da alíquota mensal do FGTS de 8% para 8,5% e da indenização de dispensa de 40% para 50% do saldo daquele fundo. E, na prática, a única modalidade de contrato de trabalho continua sendo por prazo indeterminado, com despesas de contratação rígidas e no montante de 103,46% do salário.

O Brasil precisa decidir se deseja criar facilidades para se trabalhar de forma legal ou se quer continuar na situação atual. É urgente saber quais são os parlamentares que compreendem a necessidade e a viabilidade política de se promover reformas que mantêm a proteção dos que estão protegidos, estabelecendo proteções parciais aos que não estão protegidos. Tudo isso dentro de uma concepção de processo, através da qual se possam fazer ajustes constantes, adaptando as inovações às novas condições do mercado de trabalho. Enquanto esse tipo de reforma não for feito, o País continuará com altas taxas de desemprego e informalidade.

Até aqui, venceram as vozes dos que insistem em ignorar os dados da realidade. Mas é bom lembrar que a concorrência não espera. O país precisa estimular os investimentos produtivos geradores de mais e melhores empregos. Para tanto, é mister eliminar as barreiras institucionais. Não se trata de desregulamentar o mercado de trabalho e sim de definir alternativas institucionais que protejam os empregados e os trabalhadores em geral, respeitando-se as diferenças das empresas e as oscilações da conjuntura.

A Política da Reforma Trabalhista

O Brasil é uma nação intrigante. Ao mesmo tempo em que exportamos aviões a jato, temos 16 milhões de analfabetos. Ao lado de cientistas brilhantes que completam o sequenciamento do genoma humano, nossa força de trabalho tem, em média, apenas seis anos de escola – e má escola. Ao mesmo tempo em que se busca fazer uma reforma sindical para as grandes empresas, esquecemos que 95% dos nossos produtores são micro e pequenos empresários. Ao lado de uma legislação trabalhista detalhada e rebuscada, ignoramos que 60% dos brasileiros que trabalham estão nas trevas da informalidade da desproteção.

Só esses contrastes bastariam para mostrar que estamos estancados no campo institucional. Nossas instituições envelheceram e a renovação tem sido lenta.

No campo do trabalho, as resistências são enormes – todas elas decorrentes de "lobbies" muito bem organizados dos que estão debaixo da proteção legal e tutelados pelos atores do complexo sistema de relações de trabalho, incluindo-se aqui grande parte da tecnocracia trabalhista, dos operadores do direito e dos magistrados, assim como as centrais sindicais.

Por que as leis não mudam nesse campo? Porque, pela ação dos lobbies apontados, a maioria dos parlamentares teme perder as próximas eleições ao apoiarem reformas rotuladas pelos lobistas como impopulares.

O problema da modernização das instituições do trabalho constitui um dos maiores desafios políticos da atualidade. Não é só no Brasil. No início de 2006 observou-se o recuo que o governo francês teve de dar em decorrência da pressão de grupos protegidos e que não aceitaram a introdução da lei do primeiro emprego, com proteções parciais. Na verdade, eles temiam que os desprotegidos entrariam na seara dos protegidos, tolhendo os seus direitos. Isso, embora falso, precisa ser considerado para quem pretende implementar uma reforma trabalhista. Os lobbies dos incluídos estão sempre prontos para mobilizar a imprensa e assustar os parlamentares.

Na condução de uma boa reforma trabalhista é importante ficar claro que as mudanças não visam retirar direitos de quem os tem mas sim estendê-los para quem não os tem. Essa pedagogia é essencial e vale para qualquer país. Sem ela, corre-se o risco de ficar estagnado, com graves conseqüências para as empresas e para os trabalhadores.

Os Custos da Não Reforma

Nem a França, nem o Brasil estão isolados no mundo. A resistência à modernização institucional está gerando um alto preço para qualquer nação. No caso da França, o país já se defronta com uma grave crise demográfica caracterizada por um número decrescente dos que trabalham e por um escalada acelerada dos que não trabalham. Com um crescimento médio de apenas 1,5% anuais desde 1990, o desemprego afeta mais de 20 milhões de pessoas quando se incluem os familiares dos desocupados. Na União Européia, a França transformou-se em um dos enfermos mais graves. Além do baixo crescimento, o país apresenta um aumento de produtividade anual de apenas 0,8%, sendo que o poder aquisitivo da população vem se reduzindo na base de 0,3% ao ano. O êxito das empresas em direção à Europa Central e do Leste assim como à Ásia, deixa para trás os sindicalistas e os desempregados.

E, no meio de tudo isso, o país decidiu trabalhar menos, aprovando uma jornada de apenas 35 horas por semana. Hoje, a França se parece como uma casa de repouso: alguns espicham as férias, outros trabalham pouco, e uma enorme massa de pessoas está cronicamente desempregada – pagas por generosas verbas da Previdência Social e do Seguro Desemprego. Não é à toa que, o berço da democracia, viu, em 2005, a ordem pública ameaçada pelos imigrantes das periferias das cidades e, em 2006, a paralisação do país comandada por estudantes que desejam das empresas as proteções que elas não podiam e não podem garantir.

No caso do Brasil, o problema é diferente mas, igualmente grave. A inadequação das nossas instituições do trabalho e da Previdência Social fere mais os desprotegidos, na medida em que 60% dos brasileiros que trabalham não dispõem de uma licença remunerada para tratar da saúde, de uma aposentadoria na hora da velhice ou de um amparo aos descendentes depois da morte. São 48 milhões de trabalhadores colocados no meio de uma verdadeira selvageria, sem nenhuma segurança para os dias de hoje e muito menos para os dias do amanhã.

O mais grave, porém, é que o inferno astral em que vivem os trabalhadores informais se reproduz continuamente. A desproteção de hoje é a causa da desproteção do amanhã. Sim, porque a informalidade é um dos principais determinantes do déficit da Previdência Social que, em 2005, chegou perto dos R$ 40 bilhões e, em 2006, ameaça chegar nos R$ 50 bilhões. Como se sabe, o rombo da Previdência Social é a principal causa do déficit público.

Os Problemas do Futuro

O que isso tem a ver com os trabalhadores do amanhã? Muita coisa. Para cobrir os déficits anuais da Previdência Social, o governo tem sido obrigado a tomar empréstimos no mercado financeiro ou usar recursos do suado superávit primário. Os dois expedientes conspiram contra a geração de empregos. No primeiro caso, porque os juros são pressionados para cima e os investimentos para baixo. No segundo, porque os recursos retirados do superávit primário impedem os investimentos nas áreas sociais e na infra-estrutura que, como se sabe, são geradoras de muito trabalho.

Em outras palavras, a informalidade de hoje compromete o emprego do amanhã. Compromete o trabalho protegido do futuro. E condena os trabalhadores a permanecerem na desproteção atual.

Por isso, a modernização das instituições do trabalho deveria levar em conta, prioritariamente, o grave drama da informalidade que fere os trabalhadores do presente, condena os cidadãos do futuro e desequilibra as finanças públicas.

Mas não podemos esquecer do Brasil que exporta aviões. Nele não há informalidade, é verdade. Por outro lado, esse Brasil também é heterogêneo, o que exige instituições que sejam capazes de proporcionar ajustes que garantam o emprego para os trabalhadores e a competitividade para as empresas.

No mundo globalizado, a agilidade desse ajuste é um dos traços fundamentais para as instituições modernas. É isso que tem permitido às nações desenvolvidas manter a competitividade das empresas e reduzir o impacto desempregador das novas tecnologias e dos novos métodos de trabalhar. Não que isso seja causa do desemprego agregado na sociedade. Mas este só pode ser evitado ou reduzido na medida em que as sociedades forem capazes de fazer ajustes rápidos.

A Liberdade para Negociar

As reformulações de contratos de trabalho acima indicadas – em especial no caso da Alemanha – foram realizadas por força do medo de uma grande debandada de empresas daquele país para outras partes do mundo e graças à existência de um quadro legal que permitiu fazer os acertos por meio da livre negociação entre as partes. Foi uma verdadeira revolução trabalhista que só foi possível de ser realizada porque a Alemanha – a exemplo da Espanha – jamais "constitucionalizou" a maior parte dos direitos trabalhistas. Bem diferente é a situação do Brasil que, em 1988, colocou a CLT dentro da Constituição Federal com o propósito de proteger mais e melhor.

O que aconteceu? A desproteção continuou em decorrência de mais essa camisa de força que colocou grande parte de dispositivos de leis ordinárias no bojo da Constituição Federal. Essa distorção não parou em 1988. Na verdade, ela continua viva até os dias de hoje. Recentemente o Congresso Nacional aprovou a Emenda 45, que praticamente matou a negociação coletiva, ao permitir que os magistrados se baseiem em acordos e em convenções anteriores quando as partes chegam a um impasse na negociação coletiva. Foi, na prática, a instalação do regime da "ultratividade" das cláusulas trabalhistas. Toda vez que uma das partes acha que as cláusulas de convenções ou acordos anteriores lhes é mais favorável, ela para de negociar e empurra o caso para a Justiça do Trabalho. Trata-se de um dos maiores desestímulos à negociação introduzido na Constituição Federal nos dias de hoje.

Na Alemanha, a liberdade para negociar permitiu à Volkswagen reformular inteiramente os contratos de trabalho em 2005 e 2006. Na Espanha, a mesma liberdade facilitou a implantação das reformas acima descritas. No Brasil, nada disso é possível devido à constitucionalização da maioria dos direitos trabalhistas.

A rigidez e o anacronismo das instituições do trabalho colocam as empresas e os trabalhadores em situação de risco na hora de enfrentar a competição dos países da Europa do Leste e da Europa Central, sem falar nos países do sudeste asiático, na China e na Índia.

Ninguém pretende a "asianização" das relações do trabalho no Brasil, é claro. Precisamos, porém, buscar soluções criativas que estimulem a geração de empregos e a proteção dos trabalhadores, e não o contrário. No caso dos pequenos e microempresários, como vimos, a lei atua como um desestimulante: eles têm medo de empregar porque se apavoram diante do alto custo da demissão e do grande risco das onerosas ações trabalhistas.

A dispensa de um empregado que ganha R$ 1.000 por mês e que trabalhou um ano na empresa custa R$ 1.666. Para o que trabalhou três anos, chega a R$ 5.000 e para o que trabalhou cinco anos, sobe para R$ 8.332, sem contar a remuneração do FGTS. Se o aviso prévio for pago em dinheiro, a conta sobe para R$ 2.952, R$ 6.286 e R$ 9.618, respectivamente. Qual é a barbearia, papelaria ou pequeno industrial que agüenta pagar tais valores?

O que fazer?

Uma reforma de profundidade exige uma mudança ampla do artigo 7º da Constituição Federal que constitui uma das principais fontes de rigidez do nosso quadro legal. Mas, esse tipo de mudança encontra enormes dificuldades políticas. Não há muitos parlamentares dispostos a desfraldar essa bandeira e correr o risco de serem considerados, ardilosamente, como os revogadores de conquistas sociais.

Uma alternativa mais suave é a de se introduzir uma pequena mudança no caput daquele artigo, introduzindo a expressão "salvo negociação", são os seguintes os direitos dos trabalhadores. Essa mudança abriria espaço para as partes negociarem mais do que a lei permite hoje. Ainda assim, certos direitos teriam de continuar inegociáveis por fazerem parte da lista dos direitos fundamentais dos seres humanos como é o caso, por exemplo, da aposentadoria, do salário mínimo, da proteção à saúde, segurança e ao trabalho do menor, da proteção à gestante e alguns outros.

Apesar de todos esses atenuantes, essa mudança também é difícil politicamente. Ela gera insegurança na população que não quer sair de uma situação de direitos garantidos a poucas pessoas (os incluídos) para uma situação de direitos negociados para muitas pessoas (os excluídos). Os parlamentares são sensíveis a esse medo dos seus eleitores. Contrariá-los seria cometer um verdadeiro suicídio político. Daí a resistência.

Em vista dessas dificuldades, é bem provável que o Brasil terá de partir para reformas graduais e no nível infra-constitucional, onde a aprovação depende apenas de maioria simples nas Casas do Congresso Nacional. Mesmo assim, elas terão de ser politicamente atraentes para se poder contar com a maioria dos votos dos parlamentares. É dentro desses princípios que são apresentadas as sugestões que seguem.

O "Simples Trabalhista"

Na formulação de uma reforma infra-constitucional em caráter de processo – a exemplo do que fez a Espanha - há que se considerar dois universos – o dos empregados e o dos trabalhadores por conta própria. Cada um deles exige mudanças específicas.

Para os empregados, o Autor deste ensaio tem proposto a criação de um "Simples Trabalhista" para reduzir a burocracia e as despesas de contratação para as pequenas e microempresas – a exemplo do que fez, com sucesso, o Programa Simples aprovado em 1996 que, nos primeiros três anos, formalizou mais de 3 milhões de empregados.

O Simples Trabalhista seria destinado às empresas cobertas pela Lei 9.841 de 5 de outubro de 1999 – o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Num primeiro estágio, a adaptação das leis trabalhistas àquelas empresas poderia contemplar as despesas geradas por dispositivos da CLT que tratam do descanso semanal (art. 67), do trabalho aos domingos (art. 68), do trabalho em dias feriados (art. 70) do intervalo para repouso (71), do trabalho noturno (art. 73), do quadro de horário (art. 74), da época de férias (art. 134) e de vários outros que comportam modificações por meio de lei ordinária.

Além isso, o Simples Trabalhista poderia mudar as despesas atinentes ao "caput" do art. 15, da Lei 8.036 de 11 de maio de 1990 que trata da contribuição ao FGTS e na Lei 4.749 de 12 agosto de 1965 que se refere à gratificação salarial por ocasião do Natal.

Com mudanças desse tipo, poder-se-ia alcançar uma redução substancial nas despesas de contratação de empregados nas pequenas e microempresas. É claro, isso teria de se dar mediante entendimento entre empregados e empregadores, através de negociações individuais e coletivas.

Regime Previdenciário Especial para Trabalhadores por Conta Própria

Para os trabalhadores por conta própria, o Autor tem sugerido a criação de um sistema previdenciário diferenciado com alíquotas baixas e benefícios parciais para, com isso, estimular a vinculação daqueles trabalhadores à Previdência Social, garantido-lhes proteção e assegurando receita aos cofres do INSS.

Durante muito tempo a idéia de "proteções parciais" foi rejeitada por sindicalistas e políticos, em especial, os ligados ao Partido dos Trabalhadores. Em 2004, porém, o Presidente Lula, apoiado pelos Ministros do Trabalho e Emprego, Previdência Social e Fazenda, enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 210/2004 que, mais tarde, foi incorporado ao projeto da Lei Geral das Microempresas, em fase final de apreciação do Senado Federal (junho de 2006).

Está aí a semente das proteções parciais e da criação de um Simples Trabalhista e de um Sistema Previdenciário diferenciado para quem vive na informalidade.

O referido projeto (1) cria um programa destinado a trabalhadores por conta própria e seus empregados: (2) ao entrarem no programa, esses trabalhadores transformar-se-ão em microempresários; (3) se tiverem colaboradores, estes serão transformados em empregados registrados (formais). Nesse programa são elegíveis as pessoas que faturam até R$ 36.000,00 por ano – são micro unidades de produção e trabalho.

No âmbito tributário, haverá isenção do IRPJ, PIS/PASEP, CSLL, COFINS, IPI. A escrituração será simplificada. O projeto permite que Estados e Municípios adotem valores fixos mensais de até R$ 45,00 para o ICMS e R$ 60,00 para o ISS, respectivamente.

No âmbito previdenciário, a alíquota para o INSS será de apenas 1,5% sobre o faturamento.

Ao microempresário, aos trabalhadores por conta própria e aos contribuintes facultativos (inclusive empregada doméstica) dá-se a opção de filiarem-se à Previdência Social, mediante contribuição de apenas 11% sobre o salário mínimo. A aposentadoria, porém, será apenas por idade e invalidez e não por tempo de contribuição. É a primeira proteção parcial.

O valor da aposentadoria será baseado na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo - outra proteção parcial. Não haverá cobertura para o desemprego involuntário – mais uma proteção parcial. Os demais benefícios podem ser usados pelo trabalhador que se vincular à Previdência Social. Serão exigidos pagamentos durante 12 meses anteriores antes de gozar o benefício.

No âmbito trabalhista, a contribuição ao FGTS será reduzida de 8% para 0,5% sobre o salário desde que com a expressa concordância do empregado - proteção parcial. Além disso, a microempresa será isenta das contribuições do salário educação e de outras despesas. A contribuição previdenciária dos empregados será de 8% sobre o salário de contribuição referente a primeira faixa de renda. A contribuição da empresa, repetindo, será de 1,5% sobre o faturamento.

Além disso, o programa facilita o re-ingresso dos trabalhadores que abandonam o recolhimento à Previdência Social. O valor dos juros das prestações atrasadas será limitado a, no máximo, 50% do atual. O tempo pago será contado para fins de aposentadoria.

Como se vê, o projeto de lei está repleto de proteções parciais. Ele se dirige primordialmente aos produtores e prestadores de serviços individuais (que podem ter empregados), aos camelôs, vendedores ambulantes, enfim, aos que vivem de "bicos" e que ganham até R$ 3.000 por mês, em média. Tirando os custos de produção, são pessoas cuja remuneração líquida fica entre R$ 700,00 e R$ 1.000,00 por mês.

O projeto se justifica. É melhor ter um conjunto de proteções parciais do que nenhuma proteção. A idéia de simplificar o registro das microempresas, reduzir ao mínimo as exigências de escrituração, diminuir ao máximo os impostos e contribuições sociais e estimulá-las a formalizar seus empregados é realista e oportuna.

Na criação de um regime especial na Previdência Social para os trabalhadores por conta própria, é preciso considerar que, na legislação atual do INSS já existe a figura do "contribuinte individual facultativo". Mas a inscrição e a manutenção da mesma são muito caras. O trabalhador por conta própria tem de recolher 20% da sua renda para a Previdência Social; inscrever-se na prefeitura local para obter alvará de funcionamento; recolher o ISS (que pode chegar a 5% ou mais da receita bruta); contratar um contador para preparar sua declaração de imposto de renda; e cumprir várias outras exigências que são complicadas e onerosas.

O regime especial aqui proposto baseia-se em uma alíquota de contribuição muito baixa e de escolha do cidadão. Para que a maioria não venha contribuir com apenas R$ 1 ou menos, pode-se instituir um piso mínimo, digamos, R$ 10,00 por mês, lembrando-se que os benefícios seriam parciais e estariam atrelados às contribuições. Ao longo dos anos e com o avanço na carreira, os trabalhadores poderiam ir aumentando a contribuição, o que faria aumentar também os benefícios, podendo, no longo prazo, chegar-se ao nível dos benefícios totais como garantidos pela CLT e INSS dos dias de hoje. Trata-se, assim, de uma variante do sistema de capitalização, destinado apenas aos trabalhadores por conta própria e aos que, atualmente, vivem apenas da assistência social do Estado (Bolsa Família, cesta básica, auxilio aos portadores de deficiência e outros).

A adesão a esse sistema seria garantida pelo "Cartão Único de Identificação" ou o "Cartão da Cidadania". A primeira proposta de cartão único foi apresentada pelo ex-Ministro Hélio Beltrão do Ministério da Desburocratização na década de 80, quando a informática engatinhava. Posteriormente, o Senador Pedro Simon conseguiu aprovar no Congresso Nacional a instituição do Cartão Único. Mas, a lei não chegou a ser regulamentada.

Hoje, com os avanços da informática é possível construir-se mega bancos de dados, o que viabilizaria o cartão único. Com isso, os Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Justiça, juntamente com o da Fazenda, poderiam criar um cartão para vários fins. No campo do trabalho, a medida seria útil para se instalar um novo regime de Previdência Social e, com isso, atrair, gradualmente, os trabalhadores por conta própria (informais) para dentro da formalidade.

Isso traria uma substancial economia para o governo, dispensando a multiplicação de órgãos de coleta e fiscalização dessas informações. Todas elas estariam reunidas em um só banco de dados. Para o cidadão, igualmente, a vida ficaria mais simples no caso, por exemplo, da perda dos documentos. Em lugar de correr vários órgãos públicos para obter segundas vias, bastaria solicitar ao organismo encarregado de administrar o referido banco de dados. Enfim tudo seria simplificado e barateado com o Cartão Único, com a grande vantagem de atrelar as pessoas ao sistema previdenciário.

Para os dois grupos, e para os brasileiros em geral, é indispensável implantar-se, de uma vez por todas, o referido Cartão Único de Identificação, reunindo informações trabalhistas, previdenciárias, da Receita Federal, do Registro Geral e da Justiça Eleitoral. Esse cartão seria o documento básico para o recebimento de benefícios e o exercício da cidadania.

O que isso tem a ver com as reformas? Trata-se de uma maneira democrática de se exigir dos cidadãos um vínculo com a Previdência Social e, com isso, serem beneficiários das proteções parciais básicas daquele instituto.

Apesar de parciais, tais medidas têm a vantagem de garantir um mínimo de segurança e serem politicamente viáveis – o que abre a porta para uma caminhada mais ambiciosa. Elas trariam para o mundo da proteção previdenciária, de forma lenta, cerca de 48 milhões de brasileiros que estão na informalidade, contribuindo assim para reduzir o déficit da Previdência Social e a taxa de juros e, conseqüentemente, estimular a geração de empregos e de trabalho de melhor qualidade.

A implantação de medidas de proteções parciais não significa o fechamento eterno para as proteções totais. Na medida em que a empresa se fortalece e os trabalhadores por conta própria evoluem na sua carreira, eles podem entrar, gradativamente, no sistema de proteção total.

Redução das Despesas para Trabalhar

É difícil estimar com precisão a redução das despesas de contratação provocadas pelo PL 210/2004 porque a contribuição do INSS, deixa de incidir sobre a folha de pagamentos e passa incidir sobre o faturamento da nova microempresa. Mas há economias visíveis. Por exemplo, a redução da alíquota do FGTS para 0,5% produz uma grande economia mensal e também uma redução substancial do valor da indenização de dispensa que é de 50% (40% para o trabalhador e 10% para o governo) sobre o saldo do FTGS. As pesadas despesas de demissão, como vimos, constituem uma das principais causas do medo de empregar que domina os micro e pequenos empresários.

O programa proposto contempla a possibilidade dos trabalhadores fazerem um ziguezague entre os mercados formal e informal – o que ocorre com a maioria dos trabalhadores na vida real. Isso cria proteções portáteis, atreladas às pessoas e não aos empregos. Essa portabilidade é essencial em um mercado de trabalho instável e sensível aos ciclos econômicos e variações da conjuntura.

Em outras palavras, ao propor esse tipo de projeto, o governo ganhou consciência de que a criação de formas alternativas de contratação e de inserção dos trabalhadores no sistema previdenciário constitui a alma das reformas trabalhistas. Tais alternativas facilitam os ajustes demandados pela economia e pelos trabalhadores e promovem a justiça social.

Entretanto, nenhuma reforma na área trabalhista é pronta e acabada. Nenhum país conseguiu resolver todos os problemas em um só esforço. Repetindo, as mudanças trabalhistas introduzidas na Espanha, Inglaterra, Nova Zelândia e outros países só deram certo porque foram encaradas como processos contínuos e sujeitos a constantes correções para conter abusos ou outros problemas que decorrem das próprias reformas.

Pedagogia e Liderança

Além de uma boa pedagogia, baseada em um eficiente plano de comunicação à sociedade e aos parlamentares, reformas trabalhistas e previdenciárias requerem uma liderança bem esclarecida e que tenha um grande poder de convencimento e capacidade para negociar pacientemente com as partes interessadas.

Nesse processo, é importante trazer para a negociação os excluídos que, afinal, são os destinatários das mudanças. As experiências internacionais mostram que se eles não forem atraídos para o debate, a força de lobby dos incluídos tende a distorcer os objetivos da proposta e ameaçar os parlamentares com a retirada de apoio político nas próximas eleições. Com certa facilidade, os incluídos conseguem mobilizar a imprensa para dar ampla repercussão às suas teses.

Para evitar confusões e distorções, é imperioso que o líder adote uma linha clara de respeito aos direitos dos cidadãos. Ou seja, é mister dar uma fiança à população garantindo que a reforma proposta manterá os direitos dos que estão protegidos e estenderá direitos parciais aos que não estão protegidos. Este esclarecimento é fundamental para dar aos protegidos a segurança que eles precisam. Isso reduzirá a sua resistência, deixando o caminho livre para se buscar o apoio dos excluídos.

A idéia de proteções parciais precisa ser bem explicada. Trata-se de um expediente provisório para quem não possui nenhuma proteção. O primeiro passo é vincular as pessoas ao sistema previdenciário que, de início, garante benefícios de grande valor - aposentadoria, pensão, seguro acidente, licença para tratamento de saúde, licença à gestante e vários outros. O segundo passo é explicar claramente aos beneficiários que, ao longo de suas carreiras, poderão passar para um regime de proteção total como o garantido pela CLT no caso dos empregados ou pela Previdência Social, no caso dos contribuintes facultativos.

Em resumo, as soluções para se reduzir a informalidade exigem mudanças no quadro legal que presidem os campos trabalhista e previdenciário. São reformas difíceis e que exigem um bom planejamento e uma extraordinária liderança. Ao mesmo tempo, são reformas imprescindíveis para se humanizar o mercado de trabalho brasileiro e equilibrar as finanças públicas e, com isso, aumentar a capacidade de investimento dos setores público e privado, o que garantirá mais e melhores empregos assim como o progresso individual e social dos brasileiros.