Trabalho apresentado para publicação nos Cadernos de Economia da
FECOMERCIO, São Paulo, novembro de
2006.
Reforma Trabalhista:
O que pode ser Feito?
José Pastore
O tema da reforma trabalhista tem sido freqüente nas discussões
das políticas públicas que visam a estimular o emprego, reduzir a informalidade
e proteger o trabalhador. Nas discussões referidas, os interlocutores tendem a
adotar posições extremas. Os empresários, de modo geral, gostariam de viver em
um mundo sem regulamentação ou com muito pouca regulamentação, julgando que,
dessa forma, poderiam competir melhor. Os trabalhadores, por sua vez, buscam
ampliar a regulamentação acreditando que, com isso, aumentaria a sua proteção no
mercado de trabalho.
As duas posições, além de radicais, são insustentáveis do ponto
de vista prático e teórico. O trabalho não é uma "commodity" que pode ser
leiloado em bolsas de mercadorias ou que pode ser contratado com base exclusiva
nas leis de mercado. Para evitar o aviltamento dos salários e a precarização das
condições do trabalho, as atividades laborais precisam ser reguladas. Todo país
possui algum tipo de regulamentação da atividade laboral.
A Regulamentação do Trabalho
Há várias formas de se regulamentar o mercado de trabalho. Na
verdade, cada país tem seu sistema peculiar. Em um extremo, estão as nações que
não acreditam ser possível estabelecer todos os detalhes da contratação no bojo
de uma lei, pois as atividades variam de acordo com os setores da economia,
regiões, tipo de empresa e conjuntura econômica. O que vale para o setor
financeiro, não serve para a agricultura. O que é adequado para uma região
desenvolvida não funciona em outra subdesenvolvida. O que é tolerável pela
grande empresa não o é para as pequenas e microempresas. Por isso, esses países
fixam em leis apenas as regras gerais, e deixam para o contrato negociado a
maior parte dos detalhes da regulamentação. As normas que surgem nesse caso
formam o chamado sistema negocial, onde o contrato entre as partes ocupa
um lugar central.
Em um outro extremo estão as nações que acreditam na eficiência
das leis e no monitoramento das mesmas por meio de tribunais do trabalho que
possuam a devida competência para restaurar o comportamento desviante das
partes. Nesse tipo de ambiente, há leis em grande profusão, bastante detalhadas
e que devem ser respeitadas pelo mercado de trabalho, independentemente das
diferenças entre setores da economia, características regionais e tamanho das
empresas. Esse é o chamado sistema estatutário, onde a lei tem
centralidade absoluta.
Nenhum país possui um sistema puro. Os que estão no extremo
negocial convivem com várias leis aprovadas pelo Parlamento. Os que estão no
extremo estatutário abrigam muitas regras de negociação.
Os dois sistemas possuem base legal. Os primeiros, porque têm
as regras geradas por contratos que, por sua vez, são reconhecidos por leis que
lhes dão eficácia jurídica. Os segundos porque se ancoram nas próprias leis.
Ao ter de cumprir a disciplina dos contratos ou das leis, a
contratação do trabalho estabelece direitos e deveres. No sistema negocial, isso
é estabelecido no contrato e, por essa razão, podem ser modificados por outro
contrato, respeitadas as leis gerais. No sistema estatutário, a maior parte dos
direitos e deveres é definido pelas leis e só podem ser modificados por outras
leis.
Os dois sistemas seguem regras administrativas, geram despesas
de contratação para os contratantes e benefícios para os contratados. A
principal diferença está na rigidez da burocracia e das despesas que comandam os
contratos.
No sistema negocial, as regras de administração, assim como as
despesas de contratação podem ser modificadas mediante nova negociação, o que
pode ser feito por vontade das partes. O ajuste tende a ser mais rápido e
adequado às peculiaridades do mercado de trabalho, das características das
empresas, das necessidades dos trabalhadores e do momento da conjuntura
econômica e social.
No sistema estatutário, ao contrário, as regras e as despesas
não admitem negociação e ajustes. A rigidez é maior. A resposta às mudanças no
mercado de trabalho ou às condições da economia é mais lenta. A modificação das
leis está sujeita a embates políticos e ideológicos de difícil transposição.
Exemplos eloqüentes de sistemas que pendem para o lado negocial
são Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Dentre as
nações que seguem mais de perto a linha estatutária estão França, Itália,
Espanha e a maioria dos países da América Latina. O Brasil é um dos casos mais
extremos, em que as condições de trabalho são quase que inteiramente definidas
nas leis e interpretadas pelos tribunais. Conseqüentemente, é também um dos
países que possui as mais altas despesas de contratação e o menor espaço para
ajuste das mesmas às novas condições econômicas e sociais.
O Detalhismo Legal
A legislação brasileira admite negociação em apenas dois
direitos – o salário e a participação nos lucros ou resultados. Todas as demais
condições são fixadas nas leis, sendo, portanto, inegociáveis. É impossível
fazer ajustes por tamanho de empresa, setor da economia ou necessidades dos
grupos mais vulneráveis.
Para se apreciar o detalhismo das leis brasileiras basta
mencionar que o valor da hora extra está fixado na Constituição Federal (art.
7º, XVI), o que constitui um detalhe inadmissível para uma Carta
Magna que tem por objetivo fixar os grandes princípios de uma nação.
Vários outros detalhes fazem parte da topografia
constitucional, como é o caso remuneração do trabalho nos dias de repouso (art.
7º, XV), a fixação do abono de férias (art. 7º, XVII), o
tempo de aviso prévio, (art. 7º, XXI) e inúmeros outros direitos que,
nos países de tradição negocial são estabelecidos no contrato de trabalho e,
raramente, em leis ordinárias - nunca na Constituição.
As leis ordinárias seguem o mesmo detalhismo da Constituição
Federal, a ponto da CLT estabelecer que a hora noturna tem 52 minutos e trinta
segundos e não sessenta minutos (art. 73, § 1º). A lista de detalhes
é infindável.
Ao lado desse detalhismo das leis, cresce a cada dia o número
de normas geradas pela ação da Justiça do Trabalho, através de enunciados e
precedentes criados pelas sentenças. Afinal, os órgãos da Justiça do Trabalho no
Brasil lidam com mais de dois milhões de processos por ano. Isso dá margem a uma
proliferação de normas das mais variadas naturezas.
O quadro legal no campo do trabalho é formado por 46
dispositivos constitucionais, 922 artigos da CLT, mais de 100 leis subsidiárias,
153 normas do Ministério do Trabalho, 114 normas do Ministério da Previdência,
68 convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e, no campo do Poder Judiciário,
por 363 enunciados, 375 orientações jurisprudenciais e 119 precedentes
normativos do Tribunal Superior do Trabalho.
Essa tradição legiferante no campo do trabalho tem mais de 70
anos e, hoje em dia, mobiliza interesses de várias comunidades profissionais,
desde os magistrados até os advogados, passando por Oficiais de Justiça,
funcionários ministeriais e dirigentes sindicais. Ademais, faz parte da cultura
brasileira a crença de que só a lei pode proteger. A nossa tradição em matéria
de negociação trabalhista é reduzida. Valoriza-se pouco o contrato e muito a
lei. Nesse tipo de ambiente, não é fácil fazer-se a travessia do sistema
estatutário para um sistema negocial.
No Brasil, cultura e grupos de interesse estão sempre prontos
para criar mais leis. Tanto que a maioria dos projetos que tramitam no Congresso
Nacional são no campo trabalhista. Na prática, todos eles criam mais deveres e
mais despesas para a contratação do trabalho.
Como o sistema estatutário brasileiro é de âmbito federal, as
regras legais e jurisprudenciais se aplicam a todos os setores da economia,
todas as regiões, setores e empresas. No fundo, o Brasil trabalha com "leis de
tamanho único" para serem aplicadas em realidades extremamente heterogêneas.
Elas têm de ser aplicadas tanto a um fabricante de aviões quanto a uma
barbearia. As despesas geradas por essas leis são universais e obrigam todas as
empresas e trabalhadores cumprirem seus dispositivos, sem a menor possibilidade
de ajustes pela via da negociação e sem considerar suas capacidades de
administrar e pagar.
Rigidez Legal e Demanda de Mudanças
O caráter rígido de aplicação das regras de contratação do
trabalho tem apresentado uma grande dificuldade para acompanhar as mudanças que
caracterizam a economia moderna assim como as modificações impostas pela
concorrência no campo da globalização. Novas formas de trabalho têm surgido a
cada dia em decorrência da crescente globalização da economia e da necessidade
de dividir o trabalho de maneira eficiente de modo a preservar as empresas e os
empregos.
A subcontratação e a terceirização são práticas que buscam
maximizar a referida eficiência. Da mesma maneira, o trabalho casual,
intermitente, em tempo parcial, à distância (teletrabalho), em cooperativas,
consórcios, redes de produção e tantas outras formas, são imposições da nova
economia que não podem ser contrariadas impunemente nos ambientes competitivos.
A legislação brasileira, entretanto, não facilita a prática dessas novas formas
de trabalhar e nem é capaz de preservar as proteções básicas de quem trabalha
dessa maneira. A linha mestra da CLT é a da relação de subordinação na qual se
definem apenas dois tipos de atores, os empregadores e os empregados, estes,
contratados por prazo indeterminado.
Além disso, a legislação estabelece uma série de direitos
especiais para nichos particulares do mercado de trabalho – nem sempre os mais
vulneráveis é que mais necessitam de proteção. Para apreciar essa distorção,
basta citar alguns exemplos. Enquanto a Constituição Federal fixa a jornada de
trabalho em 8 horas diárias e 44 semanais (art. 7º, XIII) - o que,
aliás, na maioria dos países é matéria infra-constitucional ou de negociação – o
Decreto 23.322, de 1933 e em vigor até hoje, fixa a jornada do bancário em 6
horas diárias e 30 semanais, apesar da atividade dos bancários e os próprios
bancos terem se transformado inteiramente nos últimos 70 anos. Por força da Lei
8.906 de 1994 (art. 20), a jornada de trabalho do advogado foi fixada em 4 horas
diárias. É difícil encontrar motivos objetivos para justificar esse tipo de
proteção especial.
O que é estabelecido em lei não pode ser negociado, a menos que
seja para uma condição superior a estabelecida na lei. Esse sistema fecha a
possibilidade de trocas. Muitas vezes os contratados têm interesse em reduzir a
exigência de uma regra legal em troca de uma compensação econômica ou de um
tempo livre para repouso, estudo ou trabalho comunitário. É muito comum, por
exemplo, o caso de empregados que gostariam de diminuir o intervalo legal de
almoço, de uma hora, para 30 minutos, em troca da antecipação da saída do
trabalho em meia hora. Esse intervalo não pode ser adotado, a menos que haja uma
concessão especial do Ministro do Trabalho (art. 71, § 3º da CLT). É
uma troca que não pode ser feita por vontade das partes. A lei impõe que elas
sejam tuteladas pela autoridade máxima em matéria trabalhista.
Essa rigidez constitui um dos maiores entraves para se fazer os
ajustes que são exigidos para criar empresas, manter competitividade e gerar
empregos. Se as leis são rígidas, é claro, as despesas também o são. Não há como
negociá-las. Como veremos a seguir, o Brasil possui as mais altas despesas de
contratação do mundo.
Burocracia e Despesas de Contratação
Considerando-se apenas as despesas geradas pelos direitos
estabelecidos na Constituição Federal e na CLT e que se aplicam a todas as
empresas, a contratação do trabalho na forma de relação de emprego subordinado
acarreta uma despesa de 103,46% do salário do empregado, como se vê na Tabela
1.
Tabela 1 - Despesas de Contratação no Brasil (Horistas)
Tipos de Despesas |
% sobre o Salário |
Grupo A –Obrigações Sociais |
|
Previdência Social |
20,00 |
FGTS |
8,50 |
Salário Educação |
2,50 |
Acidentes do Trabalho (média) |
2,00 |
SESI/SESC/SEST |
1,50 |
SENAI/SENAC/SENAT |
1,00 |
SEBRAE |
0,60 |
INCRA |
0,20 |
Subtotal A |
36,30 |
Grupo B –Tempo não Trabalhado I |
Repouso Semanal |
18,91 |
Férias |
9,45 |
Abono de Férias |
3,64 |
Feriados |
4,36 |
Aviso Prévio |
1,32 |
Auxílio Enfermidade |
0,55 |
Subtotal B |
38,23 |
Grupo C –Tempo não Trabalhado II |
13º Salário |
10,91 |
Despesa de Rescisão Contratual |
3,21 |
Subtotal C |
14,12 |
Grupo D –Incidências Cumulativas |
|
Incidência Cumulativa Grupo A/Grupo B |
13,88 |
Incidência do FGTS s/13º sal. |
0,93 |
Subtotal D |
14,81 |
TOTAL GERAL |
103,46 |
Fonte: Itens da Constituição Federal e CLT.
Ou seja, a tributação do trabalho no Brasil, por força da
Constituição Federal e da CLT, faz com que a despesa com obrigações não
salariais ultrapasse a despesa salarial. Ao contratar um empregado por R$
1.000,00 por mês, as empresas têm uma despesa de R$ 2.030,00, lembrando-se que o
empregado leva para casa apenas uns R$ 850,00, porque também sofre vários
descontos em seu salário (Previdência Social, Imposto de Renda, Contribuição
Sindical e outros).
É importante acrescentar que, na tabela acima, estão fora
várias despesas compulsórias que se aplicam a uma grande parcela do mercado de
trabalho como é o caso dos auxílios para transporte, alimentação e creche assim
como as licenças para alistamento militar, registro eleitoral, doação de sangue,
casamento, falecimento em família e outras. Elas foram excluídas por não se
aplicarem a toda força de trabalho e nem a todas as empresas.
Países que têm uma larga tradição de regulamentação, possuem
despesas menores do que as do Brasil. Usando-se a mesma nomenclatura da Tabela 1
e estudando a situação de outras nações, observa-se que, enquanto as despesas de
contratação no Brasil chegam a 103,46%, na França, elas ficam em 79,70%; na
Argentina são 70,27%; na Alemanha, 60%; na Inglaterra, 58,80%; na Itália,
51,20%; no Uruguai, 48,06%; no Paraguai, 41%; no Japão, 11,80%; nos Tigres
Asiáticos (em média), 11,50% e nos Estados Unidos, 9,03%.
De um modo geral, esses países optaram por pagar mais salários
e gravar menos o trabalho com despesas de contratação. Além de dar aos
trabalhadores um poder de compra mais alto e mais imediato, essa estratégia
facilita a realização de negociações saudáveis. Como se sabe, na mesa de
negociação os trabalhadores demandam aumentos de remuneração e os empresários
demandam aumentos de produtividade. Quanto mais direta é essa troca, maior a
probabilidade da negociação terminar na base do ganha-ganha. Quando há muitas
despesas intermediárias e inegociáveis, a troca é difícil e, como conseqüência,
os empresários tendem a puxar a remuneração para baixo para ficar com um custo
final do trabalho compatível com as condições em que precisa competir.
A Polêmica sobre os Encargos Sociais
Este ensaio está evitando propositadamente o uso do termo
"encargo social" por se tratar de conceito muito controvertido. A opção por
despesas de contratação visa a deixar claro que, seja o nome que for dado aos
itens da Tabela 1, todos eles geram despesas para as empresas contratarem nos
termos da lei.
Mesmo assim, a controvérsia subsiste. Muitos argumentam que
várias dessas despesas, constituem salários indiretos. Trata-se de mais
um equívoco conceitual. Despesa não se confunde com salário. O salário é a
remuneração do trabalho efetivamente realizado. A remuneração de 30 dias de
férias, por exemplo, não constitui contrapartida de trabalho realizado. Por
isso, ela não é salário - e sim "despesa de contratação". O mesmo ocorre com os
demais itens da tabela acima.
As despesas de contratação, diferentemente dos salários, são
inegociáveis e são de recolhimento ou pagamento compulsório, o que não deixa
dúvida sobre a sua natureza tributária ou paratributária. O Código Tributário
Nacional define tributo como toda prestação pecuniária compulsória.
No caso das despesas de contratação, algumas têm a sua
arrecadação vinculada a entidades específicas, outras não. As primeiras são
tipificadas como contribuições sociais. As demais são
paratributos. Todas, porém, são entidades do universo tributário.
O seu recolhimento ou pagamento é realizado de forma obrigatória pelo Estado
(através do INSS), Justiça do Trabalho e pelas empresas.
Assim, o custo do trabalho para as empresas é formado por
parcelas negociadas (salário, participação nos lucros, comissões, etc.) e
parcelas não negociadas de natureza tributária ou paratributária
que são as despesas de contratação - e que faz chegar a 103,46% do salário
nominal.
As Conseqüências do Garantismo Legal
O Brasil optou por um sistema de muitas despesas e pouco
salário. As leis do trabalho, consolidadas mais tarde na CLT, foram criadas sob
a inspiração do "garantismo legal", segundo o qual o País pretende assegurar
todas as proteções sociais por meio da lei e não da negociação. Como essas
despesas são determinadas por alíquotas do salário, este tende a ser aviltado –
como citado acima - para que as empresas cheguem a um custo total do trabalho
(parcelas negociadas e não negociadas) que permita manter a sua competitividade
no mercado de bens e serviços que produzem.
Além do rebaixamento dos salários, a rigidez do sistema
estatutário provoca outras distorções. Uma delas, comumente adotada pelas
pequenas e microempresas, é a contratação de uma parte do seu quadro de pessoal
(ou a totalidade) na informalidade. O Brasil é um dos campeões de informalidade
no trabalho. Cerca de 60% dos brasileiros que trabalham, estão na informalidade.
Em termos absolutos, isso representa 48 milhões de pessoas – contra apenas 32
milhões que estão na formalidade e sob a proteção da lei (dados referentes a
2004).
Uma outra distorção decorrente do excesso de rigidez da lei é a
mecanização ou a automação precipitada. Ao fazer os cálculos do custo total do
trabalho, muitos empresários se precipitam na aquisição de equipamentos que
dispensam empregados. Com isso, o Brasil instiga o uso do capital (que é
escasso) em detrimento do trabalho (que é abundante), deixando de lado um dos
principais objetivos de uma política social que é a geração de empregos
protegidos e de boa qualidade.
O modelo de "lei tamanho único" choca-se frontalmente com a
estrutura das empresas do Brasil. O País tem tamanho continental, mas é
sustentado por um grande número de micro-produtores. Essa lei é particularmente
perversa para as pequenas e microempresas que constituem a esmagadora maioria
das empresas do Brasil.
A Tabela 2 inclui apenas as empresas formais, isto é, as que
estão registradas na Secretaria da Receita Federal e que possuem CNPJ. Os dados
mostram que mais de 98% das empresas brasileiras são pequenas ou
microempresas.
Tabela 2. Porte das Empresas Formais do Brasil
Porte das Empresas |
Número de Empresas |
% |
Micro |
5.277.308 |
94,7 |
Pequenas |
245.458 |
4,4 |
Médias |
29.579 |
0,5 |
Grandes |
22.434 |
0,4 |
Total |
5.574.779 |
100,0 |
Fonte: IBGE. Cadastro geral de Empresas, 2004.
Embora tais empresas contribuam para a menor parcela do PIB,
elas são responsáveis por mais de 50% dos empregos. Portanto, a sua contribuição
em termos sociais sobrepassa a sua participação como agentes econômicos.
Ademais, são elas que viabilizam a produção e as vendas das empresas de maior
porte.
A burocracia e as despesas para contratar empregados afeta de
modo especial as pequenas e microempresas. Uma das maiores preocupações dos
pequenos e microempresários diz respeito às despesas impostas por lei no caso de
demissão sem justa causa.
O sistema de dispensa como um todo é extremamente oneroso para
aquelas empresas. Dele fazem parte os 8,5% sobre o salário recolhidos
mensalmente e sobre o 13º salário; a indenização de dispensa no valor de 40% do
saldo do FGTS acumulado pelo empregado; mais 10% que devem ser recolhidos aos
cofres públicos por força da Lei Complementar 110/2001; e, finalmente, as
despesas com o aviso prévio que, em grande parte dos casos, é pago em dinheiro.
Portanto, despedir um empregado requer uma capacidade de caixa que raramente
existe nas pequenas e microempresas. Isso apavora a maioria dos empresários. Daí
a incidência de tanto trabalho informal nas pequenas e microempresas.
O universo das pequenas e microempresas vai bem mais além do
constante na Tabela 2. O SEBRAE estima existir mais de 9 milhões as micro
unidades sem registro na Receita Federal. Tais empresas têm um único
proprietário. Cerca de 46% não fazem qualquer registro contábil. Outras 46%
dispõem de registros anotados pelo próprio proprietário. E apenas 7% usam
contadores. Cerca de 85% dos que trabalham nessas empresas são proprietários,
(incluindo-se aqui os trabalhadores por conta própria e os empregadores) e 14%
são empregados, em sua maioria, sem carteira de trabalho.
A Informalidade nas Pequenas e Microempresas
Pela natureza das posições nas ocupações e pelas
características dos negócios e das pessoas, a informalidade nas empresas
informais é mais alta do que a das empresas formais. Em vários setores, ela está
acima da média nacional que é de 60%. Os estudos do Sinduscon de São Paulo para
o setor da construção civil mostram haver 64% dos trabalhadores sem registro em
carteira nesse setor, na maioria dos casos, em pequenas obras. Isto na cidade de
São Paulo. Ao se adentrar pelo interior do Estado e do País, em especial nas
regiões mais pobres, a informalidade sobe ainda mais. Para o Brasil como um
todo, estima-se que a informalidade nas pequenas e microempresas, inclusive as
da agricultura, chega a 70%.
Portanto, quem mais convive com a informalidade são as empresas
de pequeno porte e os que nelas trabalham. É aí que a lei mais atrita com a
realidade. Esse atrito afeta exatamente quem mais precisa de proteção. Os dados
mostram que os mais castigados pela a informalidade são os pobres e isso tem
aumentado com o passar do tempo. Em 1981, 74% dos pobres trabalhavam no mercado
informal; em 2001, essa proporção saltou para 80%.
Quem são os Informais?
Como vimos, dos 80 milhões de brasileiros que trabalham, 48
milhões estão na informalidade: são brasileiros desprotegidos por não terem
nenhum vínculo com a Previdência Social.
Quem são os informais? O quadro estimado da informalidade no
Brasil engloba empregados, empregadores e trabalhadores por conta própria,
conforme mostra a Tabela 3.
Tabela 3. Distribuição dos Informais no Brasil - 2004
Segmentos Informais |
Em milhões |
% |
Empregados em empresas |
19,5 |
40,6 |
Trabalhadores por conta própria |
17,5 |
36,5 |
Empregados domésticos |
4,0 |
8,3 |
Trabalhadores sem remuneração |
5,5 |
11,5 |
Empregadores |
1,5 |
3,1 |
Total |
48,0 |
100,0 |
Fonte: PNAD 2004. Estimativas do Autor.
Somando-se os empregados em empresas com os empregados
domésticos, a categoria de "empregados" abrange 23,5 milhões de pessoas. Se a
esse grupo agregar-se os 1,5 milhão de empregadores que também deveriam estar
vinculados à Previdência Social, chega-se a 25 milhões de pessoas. Portanto,
empregados e empregadores constituem as categorias mais robustas, respondendo
por mais de 50% do mercado de trabalho informal no Brasil.
Quais são as características dessas pessoas? A metade é formada
por pessoas que têm insuficiência de renda para se filiar à Previdência Social.
A outra metade é composta por pessoas que não têm condições para preencher as
regras de elegibilidade da Previdência Social (menores de 16 anos e maiores de
60 anos). Os dois grupos englobam pessoas muito vulneráveis e que ficam sujeitas
aos riscos do desemprego, da doença, da velhice e da morte, sem nenhuma
proteção.
Onde os empregados informais trabalham? É sabido que a
informalidade nas grandes empresas é pequena. Aliás, estas empresas têm gerado
pouco emprego nos últimos tempos. O conjunto das empresas pequenas e
microempresas tem sido responsável pela geração da maior parte dos empregos. Nos
últimos dez anos, cerca de 55% dos novos postos de trabalho surgiram nessas
empresas.
São exatamente elas que enfrentam as maiores dificuldades para
superar a burocracia da contratação e arcar com as respectivas despesas. Dois
terços das pequenas e microempresas estão no comércio e serviços, onde a
informalidade é alta. No setor comercial, 83% dos empregos estão em firmas que
têm até 4 empregados. Nos serviços, são 74%. É nesses nichos que mais incide o
emprego informal urbano. O excesso de tributação do trabalho se junta ao excesso
de tributação geral dificultando, sobremaneira, a formalização das empresas e
dos empregos.
Essa é a realidade em matéria de empregos informais. A reforma
da legislação trabalhista terá de contemplar esse quadro. É verdade que leis não
criam empregos. Mas leis de boa qualidade e que respeitam as especificidades dos
vários segmentos do mercado de trabalho ajudam a contratar legalmente.
O Trabalho por Conta Própria
Ao lado dos 25 milhões de empregados e empregadores do setor
informal, há cerca de 17 milhões de pessoas que trabalham por conta própria ou
que trabalham sem remuneração, em geral, na agropecuária, ajudando um parente
(ver Tabela 3). Estas pessoas, por não terem relação de subordinação, necessitam
de proteções previdenciárias especiais. A solução para esse problema está mais
no campo da Previdência Social do que no trabalhista. Este aspecto será
examinado com mais detalhe adiante.
Muitos argumentam que o mero crescimento econômico resolverá
esse problema. Ledo engano. O crescimento é necessário, mas não é suficiente. A
informalidade tem crescido na recessão e na retomada da economia. Em 2004,
quando o PIB cresceu mais de 5%, o mercado de trabalho formal das regiões
metropolitanas cresceu apenas 1,3% enquanto que o informal cresceu 6%. Ou seja,
com um PIB crescente, a informalidade aumentou com uma velocidade quatro vezes
maior do que a formalidade. Na capital de São Paulo, por exemplo, mais da metade
das pessoas que encontraram empregos em 2004 não conseguiram o respectivo
registro nas suas carteiras de trabalho.
Despesas Peculiares das Pequenas e Microempresas
Ao lado das altas despesas de contratação que são arcadas por
todos os empregadores, as pequenas e microempresas têm peculiaridades que geram
custos adicionais. Por exemplo, o piso salarial é objeto de negociações nas
datas base. O seu valor é fixado em convenções coletivas da categoria que
envolve empresas de todos os portes. Mas, na maioria das vezes, os negociadores
fazem parte das empresas de maior porte e que têm condições de arcar com os
custos de pisos mais generosos. Raramente os pequenos e microempresários
participam dessas negociações e, quando o fazem, não têm força suficiente para
impor valores realistas. Uma vez assinada a convenção, todas as empresas da
categoria ficam obrigadas a respeitar o piso negociado. Para as empresas do
topo, isso é aceitável; para as pequenas e microempresas, é intolerável.
A lei é assim. Mesmo que os empregados queiram, os empregadores
não têm liberdade para firmar um acordo em separado com cláusulas menos
favoráveis do que as da convenção coletiva respectiva, a menos que os sindicatos
que a negociaram permitam aquele expediente. Isso é raro. Há resistências de
todos os lados, até mesmo das empresas. Os grandes empregadores resistem em
conceder "regalias" para os pequenos e microempresários sob o argumento que
estariam criando uma concorrência desleal para si
O mesmo acontece com o valor da hora extra e do adicional de
trabalho noturno. A legislação fixa valores mínimos, 50% e 20%, respectivamente.
Mas, as convenções coletivas realizadas com grandes empresas costumam ir além
disso, e acabam impondo às pequenas e microempresas valores superiores à sua
capacidade de pagar.
Muitas das pequenas e microempresas não participam das
assembléias que aprovam as convenções coletivas. Apesar disso, elas têm de arcar
com os custos dessas convenções, decididas geralmente por empresas de maior
fôlego.
Não é à toa que os pequenos e microempresários têm medo de
empregar formalmente. As despesas extraordinárias quando somadas às ordinárias
tornam a contratação extremamente onerosa. Se a empresa é envolvida em uma ação
trabalhista que implica em peritagem, por exemplo, o custo desse serviço é
enorme e deve ser bancado pela empresa. Na interposição de um recurso judicial,
a lei obriga a empresa a fazer um depósito prévio, muitas vezes no valor da
causa. São exigências contornáveis pelas grandes empresas – embora tudo isso
seja repassado para os preços – mas impraticáveis para as pequenas e
microempresas.
Isso mostra que uma legislação que pretende realmente proteger
empregados precisa levar em conta os elementos da realidade em que incide. Do
contrário, as boas intenções do legislador se voltam contra os trabalhadores que
são contratados na informalidade ou ficam no desemprego.
A legislação trabalhista brasileira necessita de adaptação aos
tempos modernos e às peculiaridades das empresas. Para as pequenas e
microempresas, muitos países lhes dão um tratamento diferenciado para estimular
a contratação. Aliás, a Constituição Federal prevê um tratamento diferenciado na
tributação do trabalho para aquelas empresas (arts. 170 e 179) – o que nunca foi
feito. O tema será objeto de sugestão apresentada mais adiante neste ensaio sob
a denominação de "Simples Trabalhista". Antes, porém, é preciso mencionar que
reformas trabalhistas são difíceis de serem feitas, mas não são impossíveis. A
Espanha, Inglaterra e Nova Zelândia são exemplos de países que enfrentaram essa
difícil tarefa e tiveram sucesso em modernizar as leis do trabalho. Os
parágrafos que seguem, descrevem as reformas da Espanha.
A Reforma Trabalhista da Espanha
A Espanha realizou várias mudanças nas leis trabalhistas ao
longo das décadas de 80 e 90 quando foram negociados inúmeros acordos
voluntários, várias mudanças das leis do trabalho e milhares de negociações
entre os representantes de empregados e empregadores com vistas a elevar o nível
de emprego, a renda e a qualificação dos trabalhadores, assim como melhorar a
competitividade das empresas. Foi um longo período de acertos e erros.
Em todas essas mudanças, sempre se praticou o diálogo social
entre os principais protagonistas – sindicatos de trabalhadores, associações de
empregadores e representantes do governo, inclusive parlamentares. Nenhuma
reforma foi imposta a este ou aquele ator social.
As reformas trabalhistas da Espanha fizeram parte de um
processo e não de uma decisão isolada. Toda vez que determinada mudança
se mostrou contra-producente, ela foi retocada e adaptada às novas necessidades.
Por isso, elas adquiriram um caráter dinâmico e não estático. Mesmo
porque é muito difícil acertar de modo definitivo em matéria de mudanças
sociais.
No Brasil, as reformas da Espanha foram mal divulgadas. Deu-se
uma grande ênfase nos "contratos por prazo determinado", como se isso
compreendesse todas as mudanças realizadas. O entendimento das reformas
espanholas foi prejudicado pela divulgação de dados parciais, o que gerou
críticas demolidoras sobre a suposta "precarização do emprego" naquele país.
Poucos analistas avaliaram as medidas adicionais que foram introduzidas com o
objetivo de corrigir os exageros no uso dos contratos por prazo determinado e de
outras mudanças e adaptações exigidas pela dinâmica do mercado.
Na verdade, as reformas da Espanha foram divulgadas pela
imprensa brasileira como uma espécie de contra-exemplo para se "provar" um
suposto fracasso da modernização das instituições do trabalho. Nessa linha,
costuma-se citar (erroneamente) que o desemprego na Espanha explodiu depois da
introdução de leis que abriram as alternativas de contratação.
Ao lado da informação parcial, notou-se também um viés
ideológico contra as referidas reformas, que foram interpretadas pelos incluídos
como uma ameaça ao seu status quo, - o que prejudicou ainda mais a
formação de uma visão balanceada a respeito das virtudes e limitações daquelas
mudanças.
Afinal, o que fez a Espanha no campo trabalhista? Quais foram os
resultados?
A primeira grande reforma, de 1994, transformou alguns direitos
inegociáveis em direitos negociáveis – como, por exemplo, a jornada de trabalho
e a estrutura salarial – e criou uma variedade de contratos de trabalho: por
prazo determinado, em tempo parcial, para trabalho eventual, por obra certa,
para a formação de jovens, para estímulo às pessoas de meia idade, etc.
Tais contratos foram amplamente utilizados pelas empresas por
serem mais simples, mais flexíveis e menos dispendiosos. São contratos que,
apesar de oferecerem benefícios parciais, garantiam as proteções fundamentais do
trabalho: aposentadoria, pensão, seguro-acidentes, licenças para tratamento de
saúde, gravidez e várias outras. Na mesma época, foi atenuada a rigidez de
certas regras de demissão.
Dois anos depois, observou-se uma utilização exagerada dos
contratos por prazo determinado. De fato, a maioria dos empregos criados entre
1994 e 1996 foi atrelada a esse tipo de contratação.
Em vista disso, a Espanha decidiu "reformar a reforma". Um
conjunto de inovações, iniciado em 1997, visou estimular os empregadores a
transferirem, gradualmente, uma boa parte dos empregados contratados por prazo
determinado para prazo indeterminado. Dentre os estímulos, destacaram-se a (1)
redução dos encargos sociais; (1) a simplificação da burocracia; e (3) a criação
de um contrato de trabalho com indenização de dispensa de 33 dias em lugar dos
45 dias estabelecidos na lei existente.
O importante é que, ao começar a aludida transferência, os
contratados por prazo determinado já estavam atrelados ao sistema
previdenciário. Os estímulos utilizados funcionaram como uma melhoria de uma
situação parcialmente protegida. O contrato com indenização de 33 dias
impulsionou um grande número de contratações que duram até hoje.
Na época, a Espanha passou por uma enorme transformação. Entre
1996-99, a economia cresceu quase 20% em termos reais e o emprego aumentou 13%.
O desemprego despencou de 22% para 15% e os trabalhadores que dependiam do
seguro-desemprego caíram de 22% para 10%. A informalidade baixou de 12% para 8%.
A reforma da reforma trouxe resultados positivos. Com a
correção introduzida em 1997, os contratos de menor proteção caíram de 40% para
30% (em 2005) e os de maior proteção aumentaram de 60% para 70%.
As Lições das Reformas da Espanha
Esses fatos mostram que reformas trabalhistas precisam ter
continuidade e devem conter mecanismos de correção para serem usados ao longo do
processo de mudança. Esta é uma primeira lição importante.
Na impossibilidade de se fazer uma reforma completa, certeira e
definitiva, as mudanças introduzidas devem ser objeto de uma monitoria
constante, o que é fundamental para se fazer uma sintonia fina e promover
ajustes permanentes, mesmo porque os efeitos das mudanças não são imediatos.
Esta é uma segunda lição importante. As mudanças nas leis e nos
métodos de contratar levam um certo tempo para serem percebidas. Só depois de
incorporadas ao repertório institucional do país é que elas começam a apresentar
resultados que atraem o interesse das partes, em especial, dos excluídos.
Esta é uma terceira lição. Na Espanha, as reformas de 1994 e
1997 consolidaram seus resultados nos anos seguintes e, na verdade, continuam
produzindo efeitos até os dias de hoje. A queda do desemprego foi muito gradual.
A desocupação foi baixando, ano a ano, e só mostrou um avanço expressivo depois
de quase uma década de implementação das reformas trabalhistas.
Na verdade, o desemprego baixou para o patamar fixado como meta
pelos reformistas de 1994 (8%) só no início de 2006. Foi quando então a
informalidade se reduziu para apenas 6% e a proporção dos que dependiam do
seguro desemprego para 7%.
No período de 1994 a 2004 foram criados 6,3 milhões de empregos
(um incremento de 50% no nível de emprego). Trata-se de um desempenho
inigualável na União Européia. Em 2004, havia 18,3 milhões de pessoas
trabalhando. No final de 2005, eram 19,3 milhões de pessoas ocupadas, com um
acréscimo de 894 mil pessoas ao longo daquele ano.
Hoje em dia, a Espanha é uma referência em matéria econômica e
laboral em toda a Europa. Além da vigorosa criação de novos empregos, o país
reduziu drasticamente os gastos com seguro desemprego, o que ajudou a equilibrar
as contas públicas.
Como parte das reformas estruturais, a Espanha implantou a Lei
de Estabilidade Orçamentária, uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, que
ajudou o governo a controlar o déficit público, com grandes benefícios para o
lado do emprego. O país tirou um bom proveito ainda com a entrada na zona do
euro
Esta é uma quarta lição importante. As mudanças trabalhistas,
quando bem realizadas, contribuem para equilibrar as contas de Previdência
Social e, indiretamente, todas as contas públicas e, com isso, estimula os
investimentos e a geração de empregos.
O emprego depende da combinação do conhecido tripé formado por
crescimento sustentado, educação de boa qualidade e legislação adequada. O
sucesso espanhol não pode ser reduzido às mudanças trabalhistas, mas não se pode
tampouco atribuí-lo inteiramente ao crescimento econômico. Este é um importante
componente do tripé indicado, mas não é o único.
Mudanças trabalhistas, sozinhas, não geram empregos. Mas,
combinadas com medidas que estimulam os investimentos, elas facilitam a criação
de novos postos de trabalho. Outros países da Europa também cresceram, mas
apresentaram resultados pífios no campo do emprego, como é o caso da Alemanha,
que tem mais de 11% de desemprego e da França, que tem quase 10%.
Para atacar os problemas no campo do trabalho, a Espanha atuou
nas três frentes: acelerou o crescimento econômico, melhorou a qualidade da
educação e da formação profissional e modernizou a legislação trabalhista.
Esta lição é de fundamental importância. Ou seja, nenhuma
dessas mudanças – isoladamente - resolve os problemas do desemprego e da
informalidade. Mas as três, quando bem articuladas, têm uma boa chance de
atenuá-los.
Os Passos das Reformas
Por meio das várias reformas, a Espanha criou instituições do trabalho que
(1) estimularam novas formas de contratar; (2) reduziram o custo da admissão;
(3) cortaram o custo da demissão; (4) estimularam um aumento de horas
trabalhadas; (5) diminuíram o custo unitário do trabalho; e (6) tudo isso
associado a uma força de trabalho bem preparada.
Os primeiros resultados surgiram nos anos de 1997 e 1998 quando
a taxa de desemprego demonstrou uma nítida tendência de queda ao ser reduzida de
22% para 15%. Em 1999, as diferenças entre a Espanha e outros países da União
Européia tornaram-se expressivas. A taxa de desemprego da Espanha chegava a 14%.
Poucos estados membros daquela Comunidade conseguiram reduzir o desemprego nessa
proporção.
A Espanha não só fez decrescer a taxa de desemprego como
aumentou o volume de trabalho. A jornada anual passou para 1.800 horas, ao passo
que na Alemanha e França ficou em 1.600 horas por ano .
A renda também aumentou, mas o novo quadro institucional
impediu que os custos fossem repassados aos preços. Com a possibilidade de usar
vários tipos de contratos, as empresas procuraram maximizar seus recursos e
manter o custo unitário do fator trabalho. Os cidadãos, por sua vez, encontraram
formas de trabalhar, tendo garantidas as proteções fundamentais. Isso foi
essencial para a Espanha enfrentar a crescente competição do mundo globalizado.
O país ainda tem problemas de competitividade. A China, a Índia
e vários países do leste europeu – muitos dos quais estão na União Européia -
trabalham com custos muito mais baixos e produtividade mais alta – o que lhes dá
uma nítida vantagem nos dias atuais.
Em 2000, quando da reeleição de José Maria Aznar, a maioria dos
analistas da imprensa brasileira continuou disseminando a idéia de que a
modernização das leis trabalhistas foi responsável por uma alta taxa de
desemprego que ficou para trás, ignorando que o País estava perseguindo um plano
para chegar à meta 8%, que foi praticamente alcançada no final de 2005 quando o
desemprego caiu para 8,4%.
Repetindo, as reformas trabalhistas não explicam todo o sucesso
da Espanha no processo de redução do desemprego e da informalidade, mas, foram
uma parte importante naquele processo. E, de forma alguma, podem ser
responsabilizadas por aumento de desemprego ou informalidade que não
existiu.
Contrastes entre Espanha e Brasil
Inúmeros estudos demonstraram que os choques econômicos dos
anos 70 e 80 machucaram muito mais a Espanha do que outros países devido,
fundamentalmente, à rigidez das instituições do trabalho. Ou seja, os problemas
macroeconômicos se tornam mais devastadores quando as instituições sociais
dificultam os ajustes.
Apesar dos grandes pactos sociais dos anos 80, muitas
instituições espanholas mantiveram-se rígidas. No campo do trabalho, as velhas
ineficiências da autocracia de Franco foram travestidas em novas ineficiências
do sistema "neocorporativista" criado pelos referidos pactos, o que manteve,
quase intacta, a armadura anterior.
Em outras palavras, nem sempre as propostas de mudança redundam
em modernização. No caso da Espanha, o Estatuto de los Trabajadores de
1980, juntamente com as regras legais restritivas do velho franquismo formaram
as chamadas Ordenanzas Laborales, que, no fundo, impuseram uma forte
rigidez ao mercado de trabalho – o que só veio a ser atacado com as reformas
iniciadas em 1994.
Nesse ponto há uma semelhança entre Espanha e Brasil. Entre
nós, a maioria das medidas pseudo-modernizantes, aprovadas na década de 90, foi
esterelizada por inúmeros empecilhos de natureza neocorporativista.
Por exemplo, para um trabalhador aproveitar uma vaga em regime
de prazo determinado, a Lei 9.601/98 exigia que o sindicato da categoria
aprovasse a nova contratação. Como isso não ocorreu, a lei não funcionou.
A conclusão (errônea) foi a de que a "flexibilização só
atrapalhou". Poucos tiveram o cuidado de verificar que o direito de veto dado
aos sindicatos na contratação dos novos empregados por prazo determinado colocou
o destino dos desempregados nas mãos dos dirigentes sindicais. Estes tomavam
decisões em assembléias das quais os pretendentes à vaga não podiam participar,
pois não faziam parte nem do sindicato e nem da empresa que desejava
contratá-los. Trata-se de um eloqüente exemplo de injustiça social garantida por
lei: ou seja, a vida dos excluídos é decidida pelos incluídos.
Esse tipo de rigidez se repetiu em inúmeros outros diplomas
legais aprovados nos anos 90, que tornaram as novas leis brasileiras tão rígidas
e estéreis quanto as antigas. Não podiam funcionar.
A análise das leis trabalhistas demanda um exame dos detalhes.
Aliás, é nos detalhes que os sistemas de relações do trabalho se diferenciam.
Por exemplo, o Brasil costuma ser apontado como um país onde a
demissão tem baixo custo, o que levaria as empresas a praticar uma intensa
rotatividade de seus empregados. A Espanha é tida como um país que tem os custos
mais altos para a demissão. O que dizem os dados?
Na Espanha, a demissão implica em pagamento de uma indenização
correspondente a 45 dias por ano de trabalho na empresa. Apesar de ser um custo
alto, ele é mais baixo do que o do Brasil que, na verdade, ultrapassa, em média,
os 60 dias quando se consideram o pagamento de 8,5% do salário mensal a título
de FGTS e a indenização de 40% do saldo daquele fundo por ocasião da despedida,
lembrando-se que atualmente está em 50%. Se adicionarmos as despesas com o aviso
prévio, o custo da demissão no Brasil ultrapassa os referidos 60 dias de salário
anual.
Ao contrário do que se fez na Espanha, no Brasil nunca se
procurou corrigir as distorções das inovações introduzidas na área do trabalho.
As poucas mudanças introduzidas nas leis do trabalho (contrato por prazo
determinado, em tempo parcial e interrupção temporária do contrato de trabalho
atrelada a treinamentos) não foram realizadas como um processo, mas sim
como tentativas estanques, mal planejadas e jamais retocadas.
As centenas de projetos de lei que tramitam no Congresso
Nacional, na sua maioria, visam a enrijecer ainda mais o quadro legal ao
pretender garantir por lei – e não por negociação – o que é impossível conseguir
das empresas que têm de vencer a forte competição dos mercados interno e
externo.
Os Desafios da Espanha e do Brasil
A Espanha enfrenta novos desafios. Com a eleição do governo de
José Luiz Rodriguez Zapatero do Partido Socialista Obrero Español – PSOE, em
julho de 2004, o país passou a praticar uma política econômica menos rigorosa,
fazendo surgir vários focos de preocupação, dentre eles, a elevação da inflação
para 3,5%, o aumento do custo unitário do trabalho em 4%, o crescimento do
déficit na balança de pagamentos e perda de competitividade nos mercados
internacionais.
Nenhum país está livre de retrocessos. A nova "Lei dos Horários
Comerciais", introduzida em 2005, por exemplo, reduziu o tempo de funcionamento
das lojas, o número de feriados em que podem funcionar (da plena liberdade para
apenas 8 dias por ano) e o número de horas trabalhadas por semana. Esse conjunto
de medidas está fazendo baixar a produtividade do comércio, reduzindo a oferta
de trabalho e prejudicando a economia como um todo.
Por isso, muitos analistas recomendam novas reformas nos campos
do trabalho e do funcionamento das empresas, focalizando, nesta oportunidade, a
necessidade de se (1) reduzir o custo da dispensa; (2) diferenciar as convenções
coletivas por tipos de empresa; e (3) eliminar as cláusulas de ultratividade
que, na prática, se converteram em um mínimo para as negociações que usam o
passado para engessar o futuro.
No Brasil ocorre fato semelhante. Com a eleição do Presidente
Luis Inácio Lula da Silva, ex-sindicalista ligado à Central Única dos
Trabalhadores, o governo decidiu ignorar as necessidades de uma reforma
trabalhista, tendo preferido concentrar esforços em uma reforma sindical que,
aliás, não saiu do papel.
Enquanto isso, os problemas trabalhistas se agravaram. O
desemprego chegou a quase 11% em março de 2006. A informalidade continuou em
60%. As despesas de contratação aumentaram, bastando lembrar a elevação da
alíquota mensal do FGTS de 8% para 8,5% e da indenização de dispensa de 40% para
50% do saldo daquele fundo. E, na prática, a única modalidade de contrato de
trabalho continua sendo por prazo indeterminado, com despesas de contratação
rígidas e no montante de 103,46% do salário.
O Brasil precisa decidir se deseja criar facilidades para se
trabalhar de forma legal ou se quer continuar na situação atual. É urgente saber
quais são os parlamentares que compreendem a necessidade e a viabilidade
política de se promover reformas que mantêm a proteção dos que estão protegidos,
estabelecendo proteções parciais aos que não estão protegidos. Tudo isso dentro
de uma concepção de processo, através da qual se possam fazer ajustes
constantes, adaptando as inovações às novas condições do mercado de trabalho.
Enquanto esse tipo de reforma não for feito, o País continuará com altas taxas
de desemprego e informalidade.
Até aqui, venceram as vozes dos que insistem em ignorar os
dados da realidade. Mas é bom lembrar que a concorrência não espera. O país
precisa estimular os investimentos produtivos geradores de mais e melhores
empregos. Para tanto, é mister eliminar as barreiras institucionais. Não se
trata de desregulamentar o mercado de trabalho e sim de definir alternativas
institucionais que protejam os empregados e os trabalhadores em geral,
respeitando-se as diferenças das empresas e as oscilações da conjuntura.
A Política da Reforma Trabalhista
O Brasil é uma nação intrigante. Ao mesmo tempo em que
exportamos aviões a jato, temos 16 milhões de analfabetos. Ao lado de cientistas
brilhantes que completam o sequenciamento do genoma humano, nossa força de
trabalho tem, em média, apenas seis anos de escola – e má escola. Ao mesmo tempo
em que se busca fazer uma reforma sindical para as grandes empresas, esquecemos
que 95% dos nossos produtores são micro e pequenos empresários. Ao lado de uma
legislação trabalhista detalhada e rebuscada, ignoramos que 60% dos brasileiros
que trabalham estão nas trevas da informalidade da desproteção.
Só esses contrastes bastariam para mostrar que estamos
estancados no campo institucional. Nossas instituições envelheceram e a
renovação tem sido lenta.
No campo do trabalho, as resistências são enormes – todas elas
decorrentes de "lobbies" muito bem organizados dos que estão debaixo da proteção
legal e tutelados pelos atores do complexo sistema de relações de trabalho,
incluindo-se aqui grande parte da tecnocracia trabalhista, dos operadores do
direito e dos magistrados, assim como as centrais sindicais.
Por que as leis não mudam nesse campo? Porque, pela ação dos
lobbies apontados, a maioria dos parlamentares teme perder as próximas eleições
ao apoiarem reformas rotuladas pelos lobistas como impopulares.
O problema da modernização das instituições do trabalho
constitui um dos maiores desafios políticos da atualidade. Não é só no Brasil.
No início de 2006 observou-se o recuo que o governo francês teve de dar em
decorrência da pressão de grupos protegidos e que não aceitaram a introdução da
lei do primeiro emprego, com proteções parciais. Na verdade, eles temiam que os
desprotegidos entrariam na seara dos protegidos, tolhendo os seus direitos.
Isso, embora falso, precisa ser considerado para quem pretende implementar uma
reforma trabalhista. Os lobbies dos incluídos estão sempre prontos para
mobilizar a imprensa e assustar os parlamentares.
Na condução de uma boa reforma trabalhista é importante ficar
claro que as mudanças não visam retirar direitos de quem os tem mas sim
estendê-los para quem não os tem. Essa pedagogia é essencial e vale para
qualquer país. Sem ela, corre-se o risco de ficar estagnado, com graves
conseqüências para as empresas e para os trabalhadores.
Os Custos da Não Reforma
Nem a França, nem o Brasil estão isolados no mundo. A
resistência à modernização institucional está gerando um alto preço para
qualquer nação. No caso da França, o país já se defronta com uma grave crise
demográfica caracterizada por um número decrescente dos que trabalham e por um
escalada acelerada dos que não trabalham. Com um crescimento médio de apenas
1,5% anuais desde 1990, o desemprego afeta mais de 20 milhões de pessoas quando
se incluem os familiares dos desocupados. Na União Européia, a França
transformou-se em um dos enfermos mais graves. Além do baixo crescimento, o país
apresenta um aumento de produtividade anual de apenas 0,8%, sendo que o poder
aquisitivo da população vem se reduzindo na base de 0,3% ao ano. O êxito das
empresas em direção à Europa Central e do Leste assim como à Ásia, deixa para
trás os sindicalistas e os desempregados.
E, no meio de tudo isso, o país decidiu trabalhar menos,
aprovando uma jornada de apenas 35 horas por semana. Hoje, a França se parece
como uma casa de repouso: alguns espicham as férias, outros trabalham pouco, e
uma enorme massa de pessoas está cronicamente desempregada – pagas por generosas
verbas da Previdência Social e do Seguro Desemprego. Não é à toa que, o berço da
democracia, viu, em 2005, a ordem pública ameaçada pelos imigrantes das
periferias das cidades e, em 2006, a paralisação do país comandada por
estudantes que desejam das empresas as proteções que elas não podiam e não podem
garantir.
No caso do Brasil, o problema é diferente mas, igualmente
grave. A inadequação das nossas instituições do trabalho e da Previdência Social
fere mais os desprotegidos, na medida em que 60% dos brasileiros que trabalham
não dispõem de uma licença remunerada para tratar da saúde, de uma aposentadoria
na hora da velhice ou de um amparo aos descendentes depois da morte. São 48
milhões de trabalhadores colocados no meio de uma verdadeira selvageria, sem
nenhuma segurança para os dias de hoje e muito menos para os dias do amanhã.
O mais grave, porém, é que o inferno astral em que vivem os
trabalhadores informais se reproduz continuamente. A desproteção de hoje é a
causa da desproteção do amanhã. Sim, porque a informalidade é um dos principais
determinantes do déficit da Previdência Social que, em 2005, chegou perto dos R$
40 bilhões e, em 2006, ameaça chegar nos R$ 50 bilhões. Como se sabe, o rombo da
Previdência Social é a principal causa do déficit público.
Os Problemas do Futuro
O que isso tem a ver com os trabalhadores do amanhã? Muita
coisa. Para cobrir os déficits anuais da Previdência Social, o governo tem sido
obrigado a tomar empréstimos no mercado financeiro ou usar recursos do suado
superávit primário. Os dois expedientes conspiram contra a geração de empregos.
No primeiro caso, porque os juros são pressionados para cima e os investimentos
para baixo. No segundo, porque os recursos retirados do superávit primário
impedem os investimentos nas áreas sociais e na infra-estrutura que, como se
sabe, são geradoras de muito trabalho.
Em outras palavras, a informalidade de hoje compromete o
emprego do amanhã. Compromete o trabalho protegido do futuro. E condena os
trabalhadores a permanecerem na desproteção atual.
Por isso, a modernização das instituições do trabalho deveria
levar em conta, prioritariamente, o grave drama da informalidade que fere os
trabalhadores do presente, condena os cidadãos do futuro e desequilibra as
finanças públicas.
Mas não podemos esquecer do Brasil que exporta aviões. Nele não
há informalidade, é verdade. Por outro lado, esse Brasil também é heterogêneo, o
que exige instituições que sejam capazes de proporcionar ajustes que garantam o
emprego para os trabalhadores e a competitividade para as empresas.
No mundo globalizado, a agilidade desse ajuste é um dos traços
fundamentais para as instituições modernas. É isso que tem permitido às nações
desenvolvidas manter a competitividade das empresas e reduzir o impacto
desempregador das novas tecnologias e dos novos métodos de trabalhar. Não que
isso seja causa do desemprego agregado na sociedade. Mas este só pode ser
evitado ou reduzido na medida em que as sociedades forem capazes de fazer
ajustes rápidos.
A Liberdade para Negociar
As reformulações de contratos de trabalho acima indicadas – em
especial no caso da Alemanha – foram realizadas por força do medo de uma grande
debandada de empresas daquele país para outras partes do mundo e graças à
existência de um quadro legal que permitiu fazer os acertos por meio da livre
negociação entre as partes. Foi uma verdadeira revolução trabalhista que só foi
possível de ser realizada porque a Alemanha – a exemplo da Espanha – jamais
"constitucionalizou" a maior parte dos direitos trabalhistas. Bem diferente é a
situação do Brasil que, em 1988, colocou a CLT dentro da Constituição Federal
com o propósito de proteger mais e melhor.
O que aconteceu? A desproteção continuou em decorrência de mais
essa camisa de força que colocou grande parte de dispositivos de leis ordinárias
no bojo da Constituição Federal. Essa distorção não parou em 1988. Na verdade,
ela continua viva até os dias de hoje. Recentemente o Congresso Nacional aprovou
a Emenda 45, que praticamente matou a negociação coletiva, ao permitir que os
magistrados se baseiem em acordos e em convenções anteriores quando as partes
chegam a um impasse na negociação coletiva. Foi, na prática, a instalação do
regime da "ultratividade" das cláusulas trabalhistas. Toda vez que uma das
partes acha que as cláusulas de convenções ou acordos anteriores lhes é mais
favorável, ela para de negociar e empurra o caso para a Justiça do Trabalho.
Trata-se de um dos maiores desestímulos à negociação introduzido na Constituição
Federal nos dias de hoje.
Na Alemanha, a liberdade para negociar permitiu à Volkswagen
reformular inteiramente os contratos de trabalho em 2005 e 2006. Na Espanha, a
mesma liberdade facilitou a implantação das reformas acima descritas. No Brasil,
nada disso é possível devido à constitucionalização da maioria dos direitos
trabalhistas.
A rigidez e o anacronismo das instituições do trabalho colocam
as empresas e os trabalhadores em situação de risco na hora de enfrentar a
competição dos países da Europa do Leste e da Europa Central, sem falar nos
países do sudeste asiático, na China e na Índia.
Ninguém pretende a "asianização" das relações do trabalho no
Brasil, é claro. Precisamos, porém, buscar soluções criativas que estimulem a
geração de empregos e a proteção dos trabalhadores, e não o contrário. No caso
dos pequenos e microempresários, como vimos, a lei atua como um desestimulante:
eles têm medo de empregar porque se apavoram diante do alto custo da demissão e
do grande risco das onerosas ações trabalhistas.
A dispensa de um empregado que ganha R$ 1.000 por mês e que
trabalhou um ano na empresa custa R$ 1.666. Para o que trabalhou três anos,
chega a R$ 5.000 e para o que trabalhou cinco anos, sobe para R$ 8.332, sem
contar a remuneração do FGTS. Se o aviso prévio for pago em dinheiro, a conta
sobe para R$ 2.952, R$ 6.286 e R$ 9.618, respectivamente. Qual é a barbearia,
papelaria ou pequeno industrial que agüenta pagar tais valores?
O que fazer?
Uma reforma de profundidade exige uma mudança ampla do artigo
7º da Constituição Federal que constitui uma das principais fontes de rigidez do
nosso quadro legal. Mas, esse tipo de mudança encontra enormes dificuldades
políticas. Não há muitos parlamentares dispostos a desfraldar essa bandeira e
correr o risco de serem considerados, ardilosamente, como os revogadores de
conquistas sociais.
Uma alternativa mais suave é a de se introduzir uma pequena
mudança no caput daquele artigo, introduzindo a expressão "salvo
negociação", são os seguintes os direitos dos trabalhadores. Essa mudança
abriria espaço para as partes negociarem mais do que a lei permite hoje. Ainda
assim, certos direitos teriam de continuar inegociáveis por fazerem parte da
lista dos direitos fundamentais dos seres humanos como é o caso, por exemplo, da
aposentadoria, do salário mínimo, da proteção à saúde, segurança e ao trabalho
do menor, da proteção à gestante e alguns outros.
Apesar de todos esses atenuantes, essa mudança também é difícil
politicamente. Ela gera insegurança na população que não quer sair de uma
situação de direitos garantidos a poucas pessoas (os incluídos) para uma
situação de direitos negociados para muitas pessoas (os excluídos). Os
parlamentares são sensíveis a esse medo dos seus eleitores. Contrariá-los seria
cometer um verdadeiro suicídio político. Daí a resistência.
Em vista dessas dificuldades, é bem provável que o Brasil terá
de partir para reformas graduais e no nível infra-constitucional, onde a
aprovação depende apenas de maioria simples nas Casas do Congresso Nacional.
Mesmo assim, elas terão de ser politicamente atraentes para se poder contar com
a maioria dos votos dos parlamentares. É dentro desses princípios que são
apresentadas as sugestões que seguem.
O "Simples Trabalhista"
Na formulação de uma reforma infra-constitucional em caráter de
processo – a exemplo do que fez a Espanha - há que se considerar dois universos
– o dos empregados e o dos trabalhadores por conta própria. Cada um deles exige
mudanças específicas.
Para os empregados, o Autor deste ensaio tem proposto a criação
de um "Simples Trabalhista" para reduzir a burocracia e as despesas de
contratação para as pequenas e microempresas – a exemplo do que fez, com
sucesso, o Programa Simples aprovado em 1996 que, nos primeiros três anos,
formalizou mais de 3 milhões de empregados.
O Simples Trabalhista seria destinado às empresas cobertas pela
Lei 9.841 de 5 de outubro de 1999 – o Estatuto da Microempresa e da Empresa de
Pequeno Porte.
Num primeiro estágio, a adaptação das leis trabalhistas àquelas
empresas poderia contemplar as despesas geradas por dispositivos da CLT que
tratam do descanso semanal (art. 67), do trabalho aos domingos (art. 68), do
trabalho em dias feriados (art. 70) do intervalo para repouso (71), do trabalho
noturno (art. 73), do quadro de horário (art. 74), da época de férias (art. 134)
e de vários outros que comportam modificações por meio de lei ordinária.
Além isso, o Simples Trabalhista poderia mudar as despesas
atinentes ao "caput" do art. 15, da Lei 8.036 de 11 de maio de 1990 que trata da
contribuição ao FGTS e na Lei 4.749 de 12 agosto de 1965 que se refere à
gratificação salarial por ocasião do Natal.
Com mudanças desse tipo, poder-se-ia alcançar uma redução
substancial nas despesas de contratação de empregados nas pequenas e
microempresas. É claro, isso teria de se dar mediante entendimento entre
empregados e empregadores, através de negociações individuais e
coletivas.
Regime Previdenciário Especial para Trabalhadores por Conta
Própria
Para os trabalhadores por conta própria, o Autor tem sugerido a
criação de um sistema previdenciário diferenciado com alíquotas baixas e
benefícios parciais para, com isso, estimular a vinculação daqueles
trabalhadores à Previdência Social, garantido-lhes proteção e assegurando
receita aos cofres do INSS.
Durante muito tempo a idéia de "proteções parciais" foi
rejeitada por sindicalistas e políticos, em especial, os ligados ao Partido dos
Trabalhadores. Em 2004, porém, o Presidente Lula, apoiado pelos Ministros do
Trabalho e Emprego, Previdência Social e Fazenda, enviou ao Congresso Nacional o
Projeto de Lei Complementar 210/2004 que, mais tarde, foi incorporado ao projeto
da Lei Geral das Microempresas, em fase final de apreciação do Senado Federal
(junho de 2006).
Está aí a semente das proteções parciais e da criação de um
Simples Trabalhista e de um Sistema Previdenciário diferenciado para quem vive
na informalidade.
O referido projeto (1) cria um programa destinado a
trabalhadores por conta própria e seus empregados: (2) ao entrarem no programa,
esses trabalhadores transformar-se-ão em microempresários; (3) se tiverem
colaboradores, estes serão transformados em empregados registrados (formais).
Nesse programa são elegíveis as pessoas que faturam até R$ 36.000,00 por ano –
são micro unidades de produção e trabalho.
No âmbito tributário, haverá isenção do IRPJ, PIS/PASEP, CSLL,
COFINS, IPI. A escrituração será simplificada. O projeto permite que Estados e
Municípios adotem valores fixos mensais de até R$ 45,00 para o ICMS e R$ 60,00
para o ISS, respectivamente.
No âmbito previdenciário, a alíquota para o INSS será de apenas
1,5% sobre o faturamento.
Ao microempresário, aos trabalhadores por conta própria e aos
contribuintes facultativos (inclusive empregada doméstica) dá-se a opção de
filiarem-se à Previdência Social, mediante contribuição de apenas 11% sobre o
salário mínimo. A aposentadoria, porém, será apenas por idade e invalidez e não
por tempo de contribuição. É a primeira proteção parcial.
O valor da aposentadoria será baseado na média aritmética
simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% de todo o
período contributivo - outra proteção parcial. Não haverá cobertura para o
desemprego involuntário – mais uma proteção parcial. Os demais benefícios podem
ser usados pelo trabalhador que se vincular à Previdência Social. Serão exigidos
pagamentos durante 12 meses anteriores antes de gozar o benefício.
No âmbito trabalhista, a contribuição ao FGTS será reduzida de
8% para 0,5% sobre o salário desde que com a expressa concordância do empregado
- proteção parcial. Além disso, a microempresa será isenta das contribuições do
salário educação e de outras despesas. A contribuição previdenciária dos
empregados será de 8% sobre o salário de contribuição referente a primeira faixa
de renda. A contribuição da empresa, repetindo, será de 1,5% sobre o
faturamento.
Além disso, o programa facilita o re-ingresso dos trabalhadores
que abandonam o recolhimento à Previdência Social. O valor dos juros das
prestações atrasadas será limitado a, no máximo, 50% do atual. O tempo pago será
contado para fins de aposentadoria.
Como se vê, o projeto de lei está repleto de proteções
parciais. Ele se dirige primordialmente aos produtores e prestadores de serviços
individuais (que podem ter empregados), aos camelôs, vendedores ambulantes,
enfim, aos que vivem de "bicos" e que ganham até R$ 3.000 por mês, em média.
Tirando os custos de produção, são pessoas cuja remuneração líquida fica entre
R$ 700,00 e R$ 1.000,00 por mês.
O projeto se justifica. É melhor ter um conjunto de proteções
parciais do que nenhuma proteção. A idéia de simplificar o registro das
microempresas, reduzir ao mínimo as exigências de escrituração, diminuir ao
máximo os impostos e contribuições sociais e estimulá-las a formalizar seus
empregados é realista e oportuna.
Na criação de um regime especial na Previdência Social para os
trabalhadores por conta própria, é preciso considerar que, na legislação atual
do INSS já existe a figura do "contribuinte individual facultativo". Mas a
inscrição e a manutenção da mesma são muito caras. O trabalhador por conta
própria tem de recolher 20% da sua renda para a Previdência Social; inscrever-se
na prefeitura local para obter alvará de funcionamento; recolher o ISS (que pode
chegar a 5% ou mais da receita bruta); contratar um contador para preparar sua
declaração de imposto de renda; e cumprir várias outras exigências que são
complicadas e onerosas.
O regime especial aqui proposto baseia-se em uma alíquota de
contribuição muito baixa e de escolha do cidadão. Para que a maioria não venha
contribuir com apenas R$ 1 ou menos, pode-se instituir um piso mínimo, digamos,
R$ 10,00 por mês, lembrando-se que os benefícios seriam parciais e estariam
atrelados às contribuições. Ao longo dos anos e com o avanço na carreira, os
trabalhadores poderiam ir aumentando a contribuição, o que faria aumentar também
os benefícios, podendo, no longo prazo, chegar-se ao nível dos benefícios totais
como garantidos pela CLT e INSS dos dias de hoje. Trata-se, assim, de uma
variante do sistema de capitalização, destinado apenas aos trabalhadores por
conta própria e aos que, atualmente, vivem apenas da assistência social do
Estado (Bolsa Família, cesta básica, auxilio aos portadores de deficiência e
outros).
A adesão a esse sistema seria garantida pelo "Cartão Único de
Identificação" ou o "Cartão da Cidadania". A primeira proposta de cartão único
foi apresentada pelo ex-Ministro Hélio Beltrão do Ministério da
Desburocratização na década de 80, quando a informática engatinhava.
Posteriormente, o Senador Pedro Simon conseguiu aprovar no Congresso Nacional a
instituição do Cartão Único. Mas, a lei não chegou a ser regulamentada.
Hoje, com os avanços da informática é possível construir-se
mega bancos de dados, o que viabilizaria o cartão único. Com isso, os
Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Justiça, juntamente com o da
Fazenda, poderiam criar um cartão para vários fins. No campo do trabalho, a
medida seria útil para se instalar um novo regime de Previdência Social e, com
isso, atrair, gradualmente, os trabalhadores por conta própria (informais) para
dentro da formalidade.
Isso traria uma substancial economia para o governo,
dispensando a multiplicação de órgãos de coleta e fiscalização dessas
informações. Todas elas estariam reunidas em um só banco de dados. Para o
cidadão, igualmente, a vida ficaria mais simples no caso, por exemplo, da perda
dos documentos. Em lugar de correr vários órgãos públicos para obter segundas
vias, bastaria solicitar ao organismo encarregado de administrar o referido
banco de dados. Enfim tudo seria simplificado e barateado com o Cartão Único,
com a grande vantagem de atrelar as pessoas ao sistema previdenciário.
Para os dois grupos, e para os brasileiros em geral, é
indispensável implantar-se, de uma vez por todas, o referido Cartão Único de
Identificação, reunindo informações trabalhistas, previdenciárias, da Receita
Federal, do Registro Geral e da Justiça Eleitoral. Esse cartão seria o documento
básico para o recebimento de benefícios e o exercício da cidadania.
O que isso tem a ver com as reformas? Trata-se de uma maneira
democrática de se exigir dos cidadãos um vínculo com a Previdência Social e, com
isso, serem beneficiários das proteções parciais básicas daquele instituto.
Apesar de parciais, tais medidas têm a vantagem de garantir um
mínimo de segurança e serem politicamente viáveis – o que abre a porta para uma
caminhada mais ambiciosa. Elas trariam para o mundo da proteção previdenciária,
de forma lenta, cerca de 48 milhões de brasileiros que estão na informalidade,
contribuindo assim para reduzir o déficit da Previdência Social e a taxa de
juros e, conseqüentemente, estimular a geração de empregos e de trabalho de
melhor qualidade.
A implantação de medidas de proteções parciais não significa o
fechamento eterno para as proteções totais. Na medida em que a empresa se
fortalece e os trabalhadores por conta própria evoluem na sua carreira, eles
podem entrar, gradativamente, no sistema de proteção total.
Redução das Despesas para Trabalhar
É difícil estimar com precisão a redução das despesas de
contratação provocadas pelo PL 210/2004 porque a contribuição do INSS, deixa de
incidir sobre a folha de pagamentos e passa incidir sobre o faturamento da nova
microempresa. Mas há economias visíveis. Por exemplo, a redução da alíquota do
FGTS para 0,5% produz uma grande economia mensal e também uma redução
substancial do valor da indenização de dispensa que é de 50% (40% para o
trabalhador e 10% para o governo) sobre o saldo do FTGS. As pesadas despesas de
demissão, como vimos, constituem uma das principais causas do medo de empregar
que domina os micro e pequenos empresários.
O programa proposto contempla a possibilidade dos trabalhadores
fazerem um ziguezague entre os mercados formal e informal – o que ocorre com a
maioria dos trabalhadores na vida real. Isso cria proteções portáteis, atreladas
às pessoas e não aos empregos. Essa portabilidade é essencial em um mercado de
trabalho instável e sensível aos ciclos econômicos e variações da conjuntura.
Em outras palavras, ao propor esse tipo de projeto, o governo
ganhou consciência de que a criação de formas alternativas de contratação e de
inserção dos trabalhadores no sistema previdenciário constitui a alma das
reformas trabalhistas. Tais alternativas facilitam os ajustes demandados pela
economia e pelos trabalhadores e promovem a justiça social.
Entretanto, nenhuma reforma na área trabalhista é pronta e
acabada. Nenhum país conseguiu resolver todos os problemas em um só esforço.
Repetindo, as mudanças trabalhistas introduzidas na Espanha, Inglaterra, Nova
Zelândia e outros países só deram certo porque foram encaradas como processos
contínuos e sujeitos a constantes correções para conter abusos ou outros
problemas que decorrem das próprias reformas.
Pedagogia e Liderança
Além de uma boa pedagogia, baseada em um eficiente plano de
comunicação à sociedade e aos parlamentares, reformas trabalhistas e
previdenciárias requerem uma liderança bem esclarecida e que tenha um grande
poder de convencimento e capacidade para negociar pacientemente com as partes
interessadas.
Nesse processo, é importante trazer para a negociação os
excluídos que, afinal, são os destinatários das mudanças. As experiências
internacionais mostram que se eles não forem atraídos para o debate, a força de
lobby dos incluídos tende a distorcer os objetivos da proposta e ameaçar os
parlamentares com a retirada de apoio político nas próximas eleições. Com certa
facilidade, os incluídos conseguem mobilizar a imprensa para dar ampla
repercussão às suas teses.
Para evitar confusões e distorções, é imperioso que o líder
adote uma linha clara de respeito aos direitos dos cidadãos. Ou seja, é mister
dar uma fiança à população garantindo que a reforma proposta manterá os direitos
dos que estão protegidos e estenderá direitos parciais aos que não estão
protegidos. Este esclarecimento é fundamental para dar aos protegidos a
segurança que eles precisam. Isso reduzirá a sua resistência, deixando o caminho
livre para se buscar o apoio dos excluídos.
A idéia de proteções parciais precisa ser bem explicada.
Trata-se de um expediente provisório para quem não possui nenhuma proteção. O
primeiro passo é vincular as pessoas ao sistema previdenciário que, de início,
garante benefícios de grande valor - aposentadoria, pensão, seguro acidente,
licença para tratamento de saúde, licença à gestante e vários outros. O segundo
passo é explicar claramente aos beneficiários que, ao longo de suas carreiras,
poderão passar para um regime de proteção total como o garantido pela CLT no
caso dos empregados ou pela Previdência Social, no caso dos contribuintes
facultativos.
Em resumo, as soluções para se reduzir a informalidade exigem
mudanças no quadro legal que presidem os campos trabalhista e previdenciário.
São reformas difíceis e que exigem um bom planejamento e uma extraordinária
liderança. Ao mesmo tempo, são reformas imprescindíveis para se humanizar o
mercado de trabalho brasileiro e equilibrar as finanças públicas e, com isso,
aumentar a capacidade de investimento dos setores público e privado, o que
garantirá mais e melhores empregos assim como o progresso individual e social
dos brasileiros.
|