Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/02/2001

As mudanças nas negociações trabalhistas

José Pastore

No Brasil, a desindexação dos salários (Plano Real) e o aprofundamento da concorrência tornaram as negociações trabalhistas mais realistas e menos teatrais. Para as empresas, já não é mais possível conceder aumentos salariais generosos e passar seus efeitos para os preços, como se fazia antigamente. Para os sindicatos é mais difícil mobilizar grandes massas de trabalhadores para lutar por aumentos de 4% ou 5% - bem aquém dos 400% e 500%, da época da inflação alta.

Nos últimos dez anos, as grandes firmas passaram um grande número de atividades para pequenas e médias empresas, provocando uma grande dispersão geográfica. Para os sindicatos, ficou mais difícil mobilizar pessoas que trabalham em pequenas e médias empresas espalhadas pelo País. Nesse período, explodiram as novas formas de trabalhar. Hoje, "empregados" trabalham ao lado de subcontratados, terceirizados, cooperados, etc. que nada têm a ver com o sindicato dos empregados.

Mas as mudanças mais extraordinárias são as que acontecem por força das novas tecnologias. Estas, além de modificar os processos de produzir e vender, estão transformando os modos de negociar. Por exemplo, no ano 2000, o Banco do Brasil estabeleceu um sistema de consulta direta aos seus funcionários (usando um sistema equivalente à Intranet) para enviar mensagens e recolher sugestões. A consulta às bases – que sempre foi monopólio dos dirigentes sindicais - passou a ser compartilhada pela empresa. Que mudança!

Os resultados obtidos através da "consulta eletrônica" foram apresentados ao sindicato, para negociar. No início houve discordâncias: os dirigentes sindicais rejeitavam propostas que os empregados aceitavam.

O banco trouxe para a mesa de negociação respostas da base, enquanto o sindicato trouxe resultados de sondagens. Dessa interação, ocorreram concessões bilaterais, e o acordo foi fechado. É um caso interessante no qual a informática ficou a serviço de uma negociação diretíssima, envolvendo empresa, empregados e sindicato.

Um outro exemplo, também na área bancária, ocorreu com a negociação de um anuênio que, durante décadas, figurou na convenção entre os bancários e a FENABAN. Os banqueiros propuseram trocar o anuênio por uma gratificação fixa, a ser paga no ano 2000, no valor de R$ 1.100,00. A idéia era de manter o benefício para quem já o possuía, sem agregar, entretanto, futuros anuênios.

Os dirigentes sindicais argumentaram que as bases não aceitariam a proposta. Dado o impasse, as partes decidiram consultar os funcionários através de um plebiscito - realizado com os requintes de uma eleição partidária: mesas coletoras, comissões de apuração, fiscais, etc.

Contados os votos, a maioria dos bancários aceitou a gratificação em lugar de anuênios futuros. Feitos pequenos acertos, o sindicato e os bancos chegaram a um entendimento que lhes pareceu adequado. É um outro exemplo de consulta direta e negociação complementar, respaldada pelos sindicatos na construção de acordos complexos.

Os dois casos mostram uma aproximação entre empregados e empregadores. O fenômeno é mundial. No setor privado dos Estados Unidos, apenas 9% dos trabalhadores têm seus salários e demais condições negociadas com a ajuda dos sindicatos. Em mais de 90% dos casos, o acerto é direto, entre funcionários e empresas. Na Europa, a negociação coletiva ainda predomina mas, na maioria dos países, se desloca das grandes categorias profissionais para as empresas, num movimento de descentralização que leva em conta as peculiaridades de cada firma e da sua respectiva força de trabalho. No Japão, as negociações são realizadas dentro de cada empresa, com a ajuda do respectivo sindicato.

Em suma, a negociação coletiva está cada vez mais restrita à categoria dos "empregados" e, mesmo assim, com profundas modificações e clara tendência para entendimentos diretos e realistas. Não é a toa que das 424 greves realizadas nos Estados Unidos em 1950, o ano 2000 registrou apenas 39. No Brasil, das centenas de greves realizadas, mensalmente, na década de 80, passamos no ano 2000 para 35 por mês (em média) e, mesmo assim, circunscritas a categorias pequenas ou a empresas específicas, num nítido movimento de descentralização. É a revolução da negociação.