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Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/01/2001

Bush, ALCA e trabalhismo

José Pastore

Linda Chavez, indicada pelo Presidente George W. Bush para a Secretaria do Trabalho, foi politicamente vetada para assumir aquele posto porque, em 1986, deixou de recolher os encargos sociais de uma empregada doméstica. Ela alegou que a moça não era sua empregada. Apenas abrigou-a, após sua chegada da Guatemala, atuando, de forma esporádica, como babá de seus filhos.

O Secretário do Tesouro, Paul H. O´Neill, revendo suas contas, verificou que cometeu o mesmo erro em relação a pagamentos feitos a uma faxineira. Por isso, antes de assumir o cargo, recolheu aos cofres públicos US$ 92 a título de encargos sociais não pagos na época própria.

Dois fatos chamam a atenção nesses episódios. Primeiro, como são irrisórios os encargos sociais nos Estados Unidos. Segundo, como está difícil saber o que é e o que não é um "empregado" na nova economia.

As obrigações sociais referentes à categoria de empregado doméstico nos Estados Unidos se resumem ao respeito do salário mínimo e recolhimento de aproximadamente 9,5% de encargos sociais sobre as verbas pagas. Que diferença do Brasil onde, no caso das empregadas domésticas, só a previdência social leva 20% do salário e o FGTS (para os optantes) mais 8%, sem contar o 13º salário, abono de férias e outras despesas.

Robert B. Reich, ex-Secretário do Trabalho de Bill Clinton ressaltou que Linda Chavez é apenas uma entre dezenas de milhões de americanos que não sabem distinguir um "empregado" de um auxiliar temporário, intermitente, tempo parcial, "freelancer", "e-lancer" – as modalidades de trabalho que mais crescem - enquanto que as leis trabalhistas continuam se referindo aos empregados fixos, cujo número diminui a passos largos (Robert B. Reich, The Future of Success, New York: Alfred A. Knopf, 2001).

Na verdade, esse é o quadro de vários países, inclusive Brasil. A revolução no mundo do trabalho está exigindo uma revolução nas leis trabalhistas. Essa revolução provoca discussões apaixonadas, com forte conteúdo emocional. Mas a complexidade do tema exige objetividade e pragmatismo.

Isso é de extrema importância nos dias atuais, pois o cumprimento de normas trabalhistas (ultrapassadas ou não) começa a ser reivindicado, não apenas por trabalhadores, mas também por empresários estrangeiros que insistem em incluir cláusulas sociais nos acordos de comércio internacional

Tomemos o caso da ALCA. Os americanos estão pressionando a antecipação desse acordo para 2003. Dificilmente as regras de comércio serão fixadas sem menção às normas trabalhistas. Muitos apostam que os republicanos são menos obsessivos do que os democratas nesse campo e que a situação do Brasil é melhor com Bush do que com Gore.

Isso só o tempo dirá. O Presidente Bush acabou nomeando para a Secretaria do Trabalho outra mulher, Elaine Lan Chao, nascida em Taiwan. Não se sabe se ele indicou uma taiwanesa para ser transigente ou intransigente com o descumprimento de normas trabalhistas em vários países da Ásia, em especial, na China. Ela terá de interagir com Robert B. Zoellick, o novo chefe da Agência de Comércio Internacional, que tem fama de negociador duro e frio e que está subordinado ao texano Donald L. Evans, magnata do petróleo, Secretário do Comércio, homem igualmente ambicioso e calculista.

Nas tratativas internacionais, a Secretária Chao terá de observar ainda o direcionamento de Colin Luther Powell, Secretário de Estado, general aposentado, adepto fervoroso da "Affirmative Action" e que, na atividade privada, foi presidente de uma ONG (The Alliance for Youth) que, nos últimos três anos injetou US$ 300 milhões em programas voltados para crianças carentes nos Estados Unidos.

A vida pregressa, os elementos da carreira e os traços pessoais dos integrantes do governo Bush terão seu peso mas, além deles, é claro, haverá a influência dos congressistas e da burocracia que, há anos, vem querendo impor aos países mais pobres normas trabalhistas que nem mesmo os mais ilustres americanos conseguem cumprir.

É um tema para ser observado e estudado de forma cuidadosa para se afastar do campo técnico a paixão, a ideologia e os interesses comerciais escusos que hoje dominam as estratégias dos interlocutores internacionais.