Publicado no Jornal da Tarde, 15/11/00
As greves do novo sindicalismo
José Pastore
As greves voltaram. O povo havia se esquecido delas. E os empresários, estavam aplaudindo.
Será que os recentes movimentos dos petroleiros, químicos, motoristas, metroviários, bancários e metalúrgicos sinalizam o ressurgimento de um novo sindicalismo?
Passadas as eleições, as duas principais centrais sindicais decidiram se unir para conseguir 20% de aumento salarial, redução de jornada de trabalho, recebimento dos atrasados do FGTS, salário mínimo de US$ 100 (R$ 195,00) e aumento dos vencimentos dos funcionários públicos federais.
A união das centrais durou pouco. No primeiro embate, a Força Sindical negociou 8% de aumento salarial e pulou fora de uma greve prometida e que nem começou. Os petroleiros, filiados à CUT, aceitaram 7,5% escalonados, afastando a paralisação; os químicos (CUT) concordaram com 7,5% em paz; os bancários de São Paulo (CUT) suspenderam a greve em troca de 7,2% e benefícios.
Entraram em greve os 60 mil metalúrgicos das 13 montadoras de São Paulo, pleiteando um aumento de 10% e redução de jornada para 40 horas - sob o argumento de que o setor está vendendo bem e pode pagar mais - uma situação ideal para uma greve, que não poderia ser desperdiçada.
As montadoras não querem conceder mais de 6,5% de aumento salarial, advogando a necessidade de manter a competitividade atual e lembrando ainda que redução de jornada é assunto de cada empresa e não do setor. Tudo indica que o caso terá de ser decidido pela Justiça do Trabalho.
Como se vê, a ousadia dos pleitos e a disposição generalizada de greve dissiparam-se rapidamente. O movimento esfriou antes do esperado. Bem diferente foram os anos oitenta, quando as greves se generalizavam, escalavam o noticiário nacional, magnetizavam a opinião pública e levavam empregadores a conceder aumentos salariais que, em seguida, eram pagos pelos consumidores dos bens e serviços.
O que acabou de ocorrer no Brasil com as categorias mencionadas é um exemplo eloqüente de que a negociação funciona. Não funcionou no passado devido à perversidade da indexação - uma terrível correia de transmissão entre salários, preços e salários.
É claro que os funcionários que trabalham em empresas que produzem mais, vendem mais, e têm mais lucro, reivindicam uma legítima participação em todos esses ganhos. Mas, com o fim da indexação, as negociações tornaram-se menos teatrais do que no passado, quando empregados e empregadores jogavam para a platéia pois, era esta que, em última análise, arcava com o ônus de suas decisões. Negociações mais duras, como as atuais, apesar de desgastantes e demoradas, são mais saudáveis para todos os lados.
Mas, levando em conta que os sindicatos se movimentaram muito mais este ano do que nos cinco anos anteriores e que o dos metalúrgicos conseguiu paralisar um setor de grande visibilidade (as montadoras), prometendo avançar nas indústrias de autopeças, máquinas e ferramentas, surge a questão: há chance para ressurgir o sindicalismo do protesto e da greve na cena brasileira? Afinal, o sindicato aguerrido dos anos 80, renasceu das cinzas, criou o líder Lula, afrontou o regime militar, fundou a poderosa CUT, dominou a atenção do povo por muitos anos, e em situações mais adversas do que a atual. Por que não ocorrer o mesmo agora?
A especulação sobre o futuro do sindicalismo exige uma análise mais profunda das grandes transformações por que passou o mundo do trabalho no últimos vinte anos.
Nesse período, o trabalho tinha uma outra configuração, a começar pelo fato do emprego e das empresas estarem concentrados nas "cidades industriais". O ABC era o paraíso dos empregos. Quase todos trabalhavam próximos uns dos outros; viviam nos mesmos bairros; jogavam futebol nos campos da região; conheciam-se mutuamente; sentiam pertencer à mesma classe social e diferentes dos administradores.
O atrelamento aos sindicatos era uma extensão desse estilo de vida. Trabalhadores e sindicalistas tinham a nítida noção de que suas reivindicações só poderiam ser alcançadas através da ação coletiva, da pressão, piquetes, greves e, muitas vezes, da violência. Lembram-se da "operação vaca-brava", na qual os trabalhadores quebraram no pátio da fábrica, os veículos que haviam acabado de produzir?
Naquele tempo, a comunicação entre sindicatos e trabalhadores era feita na base do corpo-a-corpo e panfletos distribuídos de mão em mão. Esse trabalho era facilitado não só pela concentração geográfica dos trabalhadores mas, sobretudo, pela distância que existia entre empregados e chefes. Era fácil saber quem estava ao lado de quem.
Ademais, as altas taxas de inflação funcionavam como propulsoras de pautas ousadas, atendidas por concessões também ousadas, porque tudo era resolvido através de deslavado repasse aos preços.
De lá para cá muita coisa mudou. O emprego industrial formal caiu drasticamente, tendo aumentado o desemprego geral, o trabalho informal, e o emprego no comércio e serviços. Aumentaram também a subcontratação, a terceirização e a feminização do trabalho, onde a remuneração da mulher é apenas complementar para a renda do domicílio.
A concentração empresarial ficou para trás. As montadoras de automóveis, por exemplo, espalharam-se por vários estados, adentrando pelo interior do Brasil que tem condições sócio-econômicas diferenciadas. Muitas empresas de autopeças seguiram a sua trilha. O ABC deixou de ser o grande paraíso dos bons empregos.
As grandes firmas foram desmembradas em pequenas unidades. Em todos os setores, as micro, pequenas e médias empresas, tomaram o lugar de firmas gigantes. Os trabalhadores foram atomizados em unidades menores.
Enfim, a ecologia empresarial, a distribuição da força de trabalho e as forma de contratação modificaram-se por completo. Quanta mudança! E quanta velocidade!
Nesse novo ambiente, não é fácil mobilizar grandes massas de trabalhadores. Nem tampouco negociar pleitos ousados para categorias inteiras. Com o controle da inflação, o fim da indexação e o aumento brutal da competição, as empresas foram impedidas de passar o que querem para os preços do que produzem. Isso mudou a forma de negociar as condições de trabalho.
Nos últimos cinco anos, os acertos passaram a se pautar pelas características e a distribuição espacial das empresas e da própria força de trabalho. Em alguns casos, a inflação foi reposta e até ultrapassada; em outros, não. Há empresas que ainda restringem a remuneração aos salários; outras ampliam continuamente o número de benefícios. Em certas empresas, a redução da jornada foi viabilizada através do banco de horas; em outras não.
Ou seja, tudo ficou mais heterogêneo e mais complexo no novo mundo do trabalho. É isso que desafia a criatividade dos sindicatos para sobreviver e crescer. Os mais capazes, diferenciam suas atividades, incluindo serviços de utilidade para os trabalhadores nos campos da informação e colocação profissional, programas de treinamento e reciclagem, e, mais recentemente, buscam participar em fundos de aposentadorias e pensões.
É uma tendência mundial. O viés ideológico cedeu lugar ao pragmatismo; a rigidez doutrinária foi substituída pela flexibilidade de conduta; o foco na categoria deslocou-se para às condições das empresas.
Quem não mudou se complicou. O sindicato tradicional perdeu filiados, entrou crise financeira e deixou de ocupar a centralidade que tinha no debate nacional.
O sindicato que sobreviveu e luta para crescer, além de oferecer novos serviços, está sendo desafiado a aceitar a idéia de que nada adianta alimentar o ódio contra a empresa ou forçá-la a fazer o que não pode e, muito menos, espantá-la de onde está, pois isso deixa para trás sindicalistas e desempregados, criando mais problemas para os trabalhadores.
Os empregadores, por sua vez, estão sendo instigados a compreender que numa economia globalizada e crescentemente concorrencial, o mais preciso capital que possuem são os trabalhadores competentes e que têm amor pelo que fazem. De nada adianta cultivar o egoísmo e submeter os seus colaboradores a condições indignas, porque assim fazendo, na primeira oportunidade, eles vão embora, levando consigo o conhecimento acumulado - muitas vezes sigiloso, precioso e, porque não dizer, saboroso para os seus concorrentes. A organização que não tem em seus quadros seres humanos que trabalham de maneira feliz e contente, não tem nada. Ela é tão pobre quanto a mais descapitalizada de todas as pessoas. Seu futuro é trágico.
São novos tempos. Novas condutas. Novas relações de trabalho. A década que se inicia será um tempo decisivo para o surgimento de representações diferentes nos ambientes de trabalho. Será um tempo para se valorizar a civilidade; a boa fé; a complementaridade de talentos; e a solidariedade humana - sem rancores, sem confrontação e sem violência. Quem viver verá.
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