Publicado emO Estado de S. Paulo, 29/08/00
Mudanças no modo de trabalhar
Para onde vai o
mundo do trabalho? Essa foi a questão examinada por mais de mil especialistas
que se reuniram em Tóquio, no mês de junho, durante o 12º Congresso
Mundial de Relações do Trabalho do qual participei.
O mínimo que se
pode dizer é que o mundo do trabalho passa por uma revolução sem volta. As
novas tecnologias e os novos métodos de produzir e vender provocaram mudanças
profundas nos velhos paradigmas do emprego fixo, da proteção social e das relações
do trabalho.
Vivemos em
sociedades mais livres, e menos seguras. Mais prósperas, e menos previsíveis.
Como nenhuma empresa consegue realizar de forma compensadora todas atividades
das quais depende, a subcontratação de serviços virou regra básica para
sobreviver e progredir. Surgiram as “redes” de empresas e profissionais -
verdadeiras constelações de trabalho interligado.
Entre os
participantes dessas redes, o casamento sem prazo para acabar está sendo substituído
por uma sucessão de divórcios e recasamentos. As empresas ficam apenas com o
núcleo central de seu negócio e subcontratam o trabalho periférico. Aliás, há
um enorme esforço para se passar o trabalho das empresas para os consumidores
como é o caso dos bancos que colocam os clientes operando os caixas eletrônicos
e do McDonald´s que põe os fregueses limpando as mesas dos restaurantes.
Os números são
impressionantes. Nas grandes empresas da União Européia (com mais de 1.000
empregados), 99% subcontratam uma ou mais atividades nas novas redes de
trabalho. Mesmo nas pequenas empresas (1-50 empregados), a subcontratação
atinge 68% (Roger Blanpain, “The impact of the information society on the world
of work in developed countries”, 12º Congresso de Relações do Trabalho,
Tóquio, 2000).
A empresa
piramidal composta de um diretor no topo, gerentes e chefes no meio, e funcionários
de escritório e trabalhadores manuais na base está saindo de moda. As relações
de trabalho baseadas na subordinação de um grande número de empregados a apenas
um proprietário definham. Estão desaparecendo as concentrações de empregados
onde ocorriam as acaloradas confrontações entre capital e trabalho.
Com a dispersão
das atividades e a contínua entrada e saída das pessoas nas redes de empresas e
profissionais, as relações do trabalho ficaram mais livres, menos coletivas,
mais erráticas e menos controláveis. A negociação coletiva se descentraliza, e
se limita a uma parcela cadente dos que trabalham nessas redes.
Os sindicatos
perdem força ao lutar pelos empregos fixos que não existem mais. As associações
de empregadores ficam isoladas diante de empresas que se dividem e subdividem,
mudam de setores e buscam soluções específicas através de negociações individualizadas.
Os sistemas de seguridade social tornam-se órfãos com a redução dos vínculos
empregatícios, fonte básica de sua arrecadação.
O próprio
tripartismo entrou em crise. Com a atomização crescente das empresas e dos
trabalhadores, quem os representa nas negociações com os governos? Até a OIT entrou
em crise por se basear em um tripartismo que reúne minorias. Esse novo mundo
exige novas leis, instituições e teorias, pois as velhas previsões estão
falhando.
Na situação
atual dos Estados Unidos, por exemplo, onde há baixo desemprego e alta procura
por trabalho, a teoria convencional anteciparia um aumento de greves e ações
sindicais. Nada disso acontece porque as velhas previsões baseavam-se na
empresa verticalizada, hierarquizada e concentradora de mão-de-obra.
Hoje, tudo é
diferente. A dispersão e a subcontratação é que dominam. Organizar trabalhadores
dispersos em redes de produção é difícil. Mobilizá-los para uma greve, dificílimo.
O cenário de
atuação dos sindicatos mudou. Muitos dirigentes sindicais continuam se
esforçando para restaurar o decadente mundo do emprego fixo. Mas estão perdendo
a batalha. É uma luta inglória.
Inúmeros
políticos ainda apoiam essa bandeira. O seu proselitismo consegue coletar os
votos de quem continua sonhando com grandes quantidades de empregos fixos, mas
não restaura o passado.
Os seres humanos
acostumados à estabilidade do emprego fixo, em uma só empresa, onde construíam
as suas carreiras até se aposentarem, estão sendo desafiados a fazer uma
profunda reformulação mental para poder viver num mundo onde o trabalho é realizado
nos mais variados nichos, em organizações que se unem e desunem a cada momento,
que seguem ventos incontroláveis e sem destino certo.
É uma daquelas
mudanças que requerem gerações. Será que as próximas décadas serão suficientes
para absorver tamanha revolução? Quem viver verá.
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