Publicado em O Estado de S. Paulo, 15/08/00
Quem se apropria da produtividade?
José Pastore
No mundo inteiro o produto industrial aumenta e o emprego diminui. Na década de 90, a produtividade do trabalho nos Estados Unidos cresceu 2,3% ao ano, enquanto que a participação relativa do emprego industrial caiu de 19% para 16%. No Brasil, a produtividade ficou acima dos 7% e a participação caiu de 19% para 14%. O salário médio aumentou nos primeiros anos do Plano Real, e diminuiu depois.
Quem se apropriou dos ganhos de produtividade no Brasil? Estudos cuidadosos, realizados por Carmem Aparecida Feijó e Paulo Gonzaga M. de Carvalho, do IBGE, revelam que nos últimos anos, os ganhos de produtividade da indústria foram apropriados pelos consumidores (na forma de redução de preços dos bens industriais) e pelas empresas (na forma de lucro). Sobrou pouco para os trabalhadores ("Uma avaliação do aumento de produtividade no período recente", 1999; "Mudanças na estrutura industrial", 2000).
Empregados e empregadores tentarão utilizar esses resultados de modo diverso. Os empregados argumentarão que desemprego e redução de salário foram dois efeitos perversos da melhoria da produtividade industrial. No frigir dos ovos, os trabalhadores teriam sido os grandes perdedores de uma modernização que eles ajudaram a construir.
Essa posição começa a polarizar as discussões nas mesas de negociação e deverá ganhar centralidade nas pautas de reivindicação dos sindicatos ao longo dos próximos doze meses.
Os empregadores argumentarão, por seu turno, que os trabalhadores são também consumidores e, nessa condição, tiveram um aumento do seu poder de compra, ao se beneficiarem da redução de preços dos produtos industriais, o que significou uma apropriação indireta dos ganhos de produtividade.
No que tange ao emprego, a reorganização da produção industrial transferiu para fora das empresas tudo aquilo que não fazia parte do "core" industrial (padarias, restaurantes, gráficas, serviços administrativos e outros), provocando uma migração dos postos de trabalho que passaram a ser computados em outros setores.
Portanto, defenderão os empregadores, a modernização da indústria não foi causa do desemprego da sociedade. Os empregos industriais têm forte efeito multiplicador. Um posto de trabalho gerado ou preservado em uma siderúrgica, por exemplo, estimula a criação de centenas de postos de trabalho em outros setores.
Além disso, é na indústria que ocorrem os grandes progressos técnicos que, por sua vez, instigam a modernização dos demais setores. O avanço no comércio e serviços é devido ao avanço da indústria.
Em outras palavras, a expansão do emprego nos outros setores e a preservação dos trabalhadores que continuaram na indústria, ocorreram porque o setor industrial se modernizou e se manteve competitivo em um cenário crescentemente concorrencial.
A discussão vai longe. Não faltam argumentos robustos para cada uma das partes. Mas, o cenário é outro. Com a previsão de um crescimento econômico da ordem de 4% para o ano 2000, espera-se um aumento do emprego industrial em torno de 2%.
Isso é alentador mas não acaba com a discussão. Ao contrário, é a própria retomada da economia que deverá esquentar a disputa. Longe do fantasma do desemprego generalizado dos anos de 1998-99, os sindicatos acreditam ter chegado a hora, neste ano 2000, de participar de forma mais direta dos ganhos de produtividade da indústria em geral.
É bem possível que a retomada dessa estratégia venha esfriar a luta pela redução da jornada de trabalho, até aqui definida como bandeira principal do movimento sindical brasileiro para dar lugar a campanhas de aumentos salariais e maior participação nos lucros (ou resultados) das empresas.
A redução de jornada tinha um certo apelo na hora de pouco emprego. Agora, começa a ficar sedutora a idéia de mais dinheiro no bolso. Oxalá as negociações se tornem mais realistas e menos teatrais. A repartição dos ganhos de produtividade entre empregados e empregadores através de negociação é saudável. É dessa maneira que os dois lados podem crescer sem inflacionar a Nação. Tudo com que sonhamos durante muitos anos.
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