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Publicado no Jornal da Tarde, 17/05/00

Como proteger os desprotegidos

José Pastore

O Ministério da Previdência Social acaba de publicar um interessante e triste estudo, revelando que 59% dos brasileiros que trabalham não contam com nenhuma renda no caso de acidentes ou doenças; não recebem aposentadoria quando chegam à velhice; e não deixam pensões aos parceiros depois que morrem. Se mulheres, não recebem nada quando se afastam para ter filho (Vinícius Carvalho Pinheiro e Renata Mello B. Miranda, "O Perfil dos Não Contribuintes da Previdência Social", Informe da Previdência Social, Março 2000).

São os brasileiros que compõem o mercado informal e que nada contribuem à previdência social - quase 40 milhões de pessoas. Cerca de 14 milhões trabalham por conta-própria; 11 milhões são empregados não registrados na carteira de trabalho; 6 milhões não têm remuneração; mais de 3,5 milhões são empregados domésticos; 3 milhões, operários na construção civil; e mais de 1 milhão, são empregadores.

A informalidade devasta as finanças públicas pois, o atendimento à saúde e à aposentadoria dos carentes, garantido pela Constituição Federal, é realizado com o dinheiro da seguridade social. Essa é, sem dúvida, a principal fonte da hemorragia dos seus recursos. E dificilmente será estancada se não mexermos na rigidez atual da legislação trabalhista para contratar trabalho de forma legal.

O estudo mostra que, a grande maioria dos não-contribuintes não tem renda suficiente para arcar com os custos de uma contratação legal. No caso dos empregados, estes geram para as empresas, uma despesa de 102% sobre o salário recebido. Não é fácil contratar nessa base.

Mas, além disso, 32% dos não contribuintes estão na faixa de 10 a 24 anos de idade. Uma parte trabalha ilegalmente pois, a Constituição Federal estabelece um mínimo de 16 anos. Outra trabalha erraticamente pois, a informalidade impõe uma conhecida descontinuidade laboral.

Portanto, para quase 40 milhões de brasileiros não há falta de trabalho mas de proteção. Será que esse quadro pode ser revertido com um simples arrocho na fiscalização? Duvido. Uma parcela expressiva é composta de trabalhadores por conta-própria, onde a fiscalização é difícil. Outra é formada por empregados que trabalham por tarefa na agricultura ou na construção civil. Finalmente, um conjunto substancial trabalha intermitentemente, nas vias e áreas públicas, ora como empregado, ora como ambulante.

Para um mercado de trabalho onde 60% da força de trabalho se afasta da situação convencional de vínculo empregatício, é ilusório querer gerar a receita da seguridade social com base em algo que míngua a cada dia. A situação pede inovações institucionais.

Nesse sentido foi louvável a iniciativa do Governo do Estado de São Paulo ao lançar o Programa Meu Primeiro Emprego através do decreto 44.860 de 27/04/00. As empresas do comércio e serviços estão demonstrando um promissor interesse para incorporar nos seus quadros, jovens estudantes de 14-21 anos, que ali farão um estágio de seis meses, ganhando R$ 130 mensais (com ajuda do Estado), sem nenhum encargo social, a não ser a cobertura de um seguro de saúde.

É evidente que os bons estudantes vão virar empregados, tarefeiros ou consultores. A experiência do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) revela que mais de 60% de seus estagiários viram funcionários das empresas.

Esse programa cria uma porta de entrada no mercado de trabalho e transforma, em pouco tempo, desprotegidos em protegidos que, em seguida, passam a contribuir para a seguridade social. Essa é a flexibilidade civilizada que o País precisa e não a flexibilidade selvagem que impera na informalidade.