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Publicado no Correio Braziliense, 11/03/2007.

A proteção da maternidade

O projeto de lei da Senadora Patrícia Saboya que visa prorrogar a licença maternidade por sessenta dias tem mais méritos do que defeitos. É inegável a importância das mães ficarem com seus filhos por um bom tempo após o nascimento. Os pediatras e os psicólogos oferecem todas as justificativas.

O projeto tem ainda o mérito de ser estimulado por um incentivo fiscal – as empresas poderão abater do imposto de renda os gastos com os dois meses extras – e, além do mais, é voluntário: só adere quem quer, e quem valoriza as boas conseqüências dessa prorrogação.

Mas a nova sistemática vai cair na realidade da economia e das relações do trabalho das empresas. Há algumas questões que demandam soluções claras para que se possa aperfeiçoar a proposta e garantir a sua viabilidade para a grande maioria das mães e dos recém-nascidos. Dentre elas, destaco as seguintes:

1. Em audiência pública no Senado Federal da qual tive a honra de participar, foi apresentada uma estimativa de R$ 550 milhões anuais para se implementar a medida. É importante saber de a Secretaria da Receita Federal está de acordo com essa renúncia fiscal ou se pretende compensar essa "perda" (que na verdade é investimento) aumentando as alíquotas dos impostos atuais ou criando novos – o que seria inaceitável. A mesma indagação deve ser endereçada à Previdência Social que, como se sabe, está profundamente empenhada em reduzir o brutal déficit anual que já chega a R$ 45 bilhões.

2. Na aplicação da medida, é importante esclarecer se as empresas poderão abater do imposto de renda a pagar todas as despesas decorrentes da prorrogação como, por exemplo, os encargos sociais, a contratação de substitutos, o treinamento dos mesmos, etc.

3. A propósito do abatimento do imposto de renda é bom lembrar que das 4,9 milhões de empresas formais (que têm CNPJ) do Brasil, as pequenas e microempresas somam, respectivamente, 275 mil e 4,6 milhões. O Brasil é um país continental tocado por micro-produtores. A grande maioria deles têm pouco imposto de renda a pagar – ou nenhum – o que reduz severamente o universo que servirá de base para as mães que precisam ser beneficiadas. Ademais, o que fazer com a empresa que teve lucro, e recolheu impostos no ano passado, mas teve prejuízo e nada recolheu neste ano? Há condições de descontinuar um benefício tão humanitário como esse? Isso não geraria conflitos?

4. A prorrogação da licença maternidade (e também paternidade) tem sido usada como um poderoso estímulo à fecundidade das mulheres da Europa onde, a maioria dos países enfrenta o problema do declínio da população. Espera-se o mesmo efeito no Brasil, o que elevará a taxa de fecundidade das mulheres que, embora cadente, ainda é alta (3 filhos por mulher) e está bem acima da taxa de reposição da população (2 filhos por mulher). Isso demandará uma expansão dos equipamentos sociais – creches, escolas, postos de saúde, hospitais e, infelizmente, Febems e presídios – o que acarretará um aumento das despesas públicas. É bom lembrar que o estímulo da prorrogação vai se somar a outros programas sociais que igualmente elevam a taxa de fecundidade, especialmente entre as mulheres mais pobres, como é o caso, por exemplo, do salário família e da bolsa família. É isso que se pretende? O Estado está preparado para esse desafio?

5. Pelo projeto de lei, seriam atendidas as empregadas devidamente registradas em empresas que viessem a aderir ao programa. Como se sabe, a informalidade no Brasil chega perto dos 60% e, no caso das mulheres, é ainda mais alta. Das 36 milhões de mulheres ocupadas, cerca de 12 milhões trabalham por conta própria ou são empregadas domésticas (cujo empregador é pessoa física e não entra no programa) – a maioria na informalidade. Nesse grupo há uma grande parte de mulheres que são mães e que ficarão forma do programa. Além disso, há uma outra parcela expressiva (cerca de 18 milhões de mulheres) que trabalham em pequenas e microempresas onde a possibilidade benefício fiscal é muito reduzida. Em suma, qual é o potencial de mães estimado para um programa de natureza voluntária como esse? Será que compensa armar uma nova sistemática burocrática para atingir tão pouca gente? Não seria mais prioritário atacar os problemas do desemprego e da informalidade com medidas que viesse estimular as empresas a contratar mais trabalhadoras?

Repito. O projeto tem méritos indiscutíveis. Nada é mais importante do que tratar bem das crianças. Mas, ele precisa ficar em pé quando levado à realidade e demonstrar que o retorno compensará o esforço.