Publicado em O Estado de S. Paulo, 15/02/00
As 35 horas são inconstitucionais
José Pastore
Só faltava essa. Depois de tanto debate, o Conselho Constitucional da França declarou a lei que cria a jornada de trabalho de 35 horas por semana como inconstitucional. Dentre outras irregularidades, a Alta Corte, através da decisão no. 99-423 DC, de 13 de janeiro de 2000, sentenciou que a nova lei não pode anular o que foi negociado e estabelecido nos contratos coletivos já assinados, fazendo o negociado prevalecer sobre o legislado.
O tema que já era polêmico do ponto de vista econômico, virou, agora, uma batalha jurídica. É possível que o Congresso Nacional tenha de modificar (mais uma vez) a nova lei.
Paradoxalmente, a decisão daquela Corte frustrou o Primeiro Ministro Gerhard Schroder que, com ironia, sempre considerou "a jornada de 35 horas francesa como uma boa medida para criar mais empregos na Alemanha".
Os que defendem a imposição legal das 35 horas como meio de gerar empregos, argumentam que, as empresas francesas que se anteciparam à lei e reduziram a jornada em 1999, criaram cerca de 123 mil postos de trabalho naquele ano – o que dá uma média de 10 mil empregos por mês (Hedva Sarfati, "The 35-hour week legislation hotly debated in France", in New Work News, 1999).
Nos Estados Unidos, onde não há fixação da jornada por lei, e onde se trabalha, em média, 44 horas por semana, só em janeiro de 2000, foram criados 387 mil empregos formais, fazendo o desemprego baixar para 4%! É verdade que a força de trabalho dos Estados Unidos é cinco vezes maior do que a da França. Mas a capacidade da economia americana gerar empregos é 40 vezes maior do que a francesa. Por quê?
Dados recentes mostram que a França adicionou cerca de 3% de novos postos de trabalho ao longo os anos 90, enquanto que, os países que têm jornadas mais longas (e taxas de crescimento econômico próximas da francesa), acrescentaram muito mais. Por exemplo, na mesma década, os Estados Unidos adicionaram 13% de novos empregos; a Nova Zelândia, 21%; a Holanda, 22%; e a Irlanda, mais de 40% (The Economist, 05/02/2000).
A França reduziu a jornada por lei em 1982, baixando de 42 para 39 horas semanais, e o desemprego, em lugar de diminuir, saltou de 8% para 12%. Com as 35 horas semanais, Lionel Jospin espera baixar a desocupação de 12% para 7%. Será que a lei tem toda essa força?
A França está numa fase muito boa de crescimento. Mas, o grande problema do País é a sua anêmica capacidade de gerar trabalho. Com a mesma taxa de crescimento econômico, os Estados Unidos, Inglaterra e Holanda, por exemplo, geram muito mais empregos do que a França. A proporção das pessoas que perdem seus empregos na França é cinco vezes menor do que nos Estados Unidos. Mas a proporção dos que são reempregados nos Estados Unidos é doze vezes maior do que na França - daí o baixo desemprego.
A geração de empregos depende não só do crescimento econômico mas também da existência de formas maleáveis de contratação do trabalho. Para gerar novos postos de trabalho, a lei das 35 horas, uma vez superado o impasse jurídico apontado, terá de criar milhões de horas adicionais para serem trabalhadas.
Ora, normalmente, tais fenômenos dependem muito mais das leis do mercado do que das leis do parlamento. Aliás, em face de institutos legais irrealistas, o mercado acaba descobrindo maneiras de contorná-los. No caso em tela, nas negociações já realizadas, as empresas, para evitar contratar mais empregados, buscaram elevar a produtividade dos quadros atuais, negociaram menos dias de férias e remanejaram as folgas de modo a permitir uma utilização mais intensiva da mão-de-obra e da capacidade instalada das empresas. Isso não cria novas horas e novos empregos.
As economias que mais criaram empregos nos últimos dez anos, além de crescerem, inovaram muito no campo da contratação do trabalho, deixando a fixação da jornada por conta de empregados e empregadores, com ou sem a ajuda dos sindicatos.
Na Irlanda, por exemplo, onde o crescimento do emprego foi explosivo e a jornada se reduziu por negociação, a lei ficou intacta – 48 horas por semana. Na Alemanha, onde inúmeros contratos coletivos fixaram jornadas de menos de 35 horas semanais, a jornada legal continuou sendo de 48 horas. Na Holanda, onde se expandiram de maneira expressiva as novas formas de trabalho, a jornada legal permanece com 48 horas.
Os dados comparativos mostram que a maneira mais eficiente de se reduzir jornada é através da negociação. A pior maneira é através da legislação ordinária. E a mais catastrófica de todas é através de dispositivos constitucionais – o sonho que alguns parlamentares brasileiros ainda acalentam, insistindo em ignorar as evidências do mercado e as lições da história. Mas, como ninguém é dono da verdade, vale a pena acompanhar o caso da França para, então, se tirar a prova dos nove.
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