Entrevista concedida a jornalista após palestra em Brasília, 21/03/2007
Entrevista sobre a Emenda 3
José Patore
1. O que o sr. achou do novo projeto de lei que estabelece critérios para a avaliação da natureza da relação de trabalho dos prestadores de serviços?
Pelo nosso ordenamento jurídico, qualquer impasse sobre a legalidade de um determinado contrato deve ser dirimido pelo Poder Judiciário. Se eu acho que este ou aquele contrato é ilegal, o juiz é quem vai decidir. Isso é assim nas áreas civil, trabalhista e outras. Fiscal não julga, fiscaliza. Juiz não fiscaliza, julga. Fiquei surpreso ao ver que o governo, para "justificar" o veto à Emenda 3 da Lei da Super Receita enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que pretende legalizar a ilegalidade.
2. O sr. acha que melhorou ou piorou?
Hoje, os fiscais não podem julgar se esta ou aquela relação do trabalho é empregatícia ou não. Pelo artigo 1o. do projeto do governo, eles passam a poder julgar. Piorou muito.
3. Mas, o projeto estabelece uma série de procedimentos para se chegar à sanção da multa. O sr. não acha que isso dá ampla defesa à empresa contratante?
O projeto cria uma enorme burocracia para disfarçar um fato inegável: que o fiscal poderá julgar e "sentenciar" que esta relação é de emprego e deve ser regida pela CLT – e não pelo Código Civil. A Lei 11.196/2005 estabeleceu que os profissionais que prestam serviços por meio de empresas não são empregados. O que, aliás, é o óbvio. O que mais se quer?
4. O sr. não acha que muitos trabalhadores serão forçados a abrir empresas para poder trabalhar?
Abrir empresas legalizadas é salutar para as pessoas e para a economia. Isso é o que acontece com os profissionais que prestam serviços como advogados, arquitetos, engenheiros, jornalistas, artistas, consultores e tantos outros. Eles trabalham em condições legais, recolhem seus impostos e estão no mercado formal. Grave é a situação dos 46 milhões de brasileiros que estão no mercado informal.
5. O sr. não acha que contratação por "PJ" conspira contra o emprego?
Há duas formas básicas de ganhar a vida e colaborar com a sociedade. Uma é através do emprego. A outra é através do trabalho. Aliás, o nome do ministério que cuida dessa área é "Ministério do Trabalho e Emprego". No caso dos profissionais que prestam serviços, muitos deles foram empregados até ontem. Hoje, prestam serviços como PJs porque as empresas não os querem mais como empregados, embora, valorizem a sua competência profissional. É uma nova divisão do trabalho que ocorre no mundo inteiro. A produção é o resultado da conjugação de várias formas de trabalhar: emprego, terceirização, sub-contratação, trabalho por projeto (que tem começo, meio e fim), teletrabalho, etc.
6. No final das contas, essa divisão gera mais ou menos empregos?
Essa divisão promove a ocupação de mais gente – algumas como empregadas outras como prestadoras de serviços. No conjunto, elas maximizam a eficiência das empresas, geram mais lucros, promovem mais investimentos e, conseqüentemente, criam mais emprego e mais trabalho. Os Estados Unidos, por exemplo, têm cerca de 27 milhões de empresas. Destas, 19,5 milhões são empresas sem empregados, a grande maioria no setor de prestação de serviços. A proporção destas empresas sobre o total é de 72% (dados de 2004). No caso
Do Brasil, é de 69% (dados de 2003). São as empresas que mais se multiplicam.
7. Quais são as áreas em que os prestadores de serviços mais atuam?
Serviços de informática, organização e métodos, jurídicos, relações públicas, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, administração de cargos e salários, saúde, planejamento de benefícios em geral, auditorias, marketing, pesquisa de mercado, propaganda, projetos diversos, artes, entretenimento, recreação, etc.
8. Quais são as vantagens de se usar PJs?
Dentre as principais vantagens citam-se as seguintes: (1) ganhos de eficiência na operação do negócio central ou da missão da empresa; (2) melhoria da qualidade dos serviços contratados; (3) transformação de custos fixos em custos variáveis; (4) economias em treinamento; (5) economias de espaço físico; (6) redução das despesas de administração dos quadros fixos; (7) transferência de conhecimentos e de tecnologias; (8) aumento da sinergia entre contratantes e contratada.
9. Quais são as desvantagens?
Os PJs não têm o mesmo nível de comprometimento e lealdade que os empregados apresentam. Para a execução dos trabalhos, eles acabam se apoderando de segredos da empresa que podem comprometer o seu sucesso na concorrência. Por ignorarem a cultura da empresa, muitos PJs propõem soluções que, embora tecnicamente viáveis, chocam-se com os valores da organização. A presença repetida de PJs na empresa costuma despertar o ciúmes dos funcionários fixos, criando problemas de relacionamento entre os empregados e o empregador. Finalmente, com o correr do tempo e o acúmulo de informações privilegiadas, os PJs passam a impor preços muito altos para a empresa.
10. E para o lado do trabalhador? A contratação de PJs não precariza as condições de trabalho?
O que precariza é a brutalidade do mercado informal. O quadro do Brasil é selvagem. Há cerca de 18 milhões de trabalhadores por conta própria na informalidade e 17 milhões de empregados na mesma situação. Essas pessoas não têm sequer as proteções básicas da Previdência Social. É uma situação deprimente. Quando adoecem, não têm uma licença remunerada para tratar da saúde; quando envelhecem, não contam com uma aposentadoria; quando falecem, não deixam nada para seus descendentes. E, ademais, não recolhem nada para o INSS e nem para a Receita Federal. Os prestadores de serviço como PJ recolhem as contribuições previdenciárias, pagam o ISS, estão quites com a Receita Federal, etc., o que é muito diferente da situação dos informais. É bom lembrar que, além dos citados, há mais informais no Brasil (empregadas domesticas, pessoas que trabalham sem remuneração no meio rural, etc.). No total, são 46 milhões de pessoas desprotegidas. É um número obsceno.
11. O sr. não acha que a opção por "PJ" é para os profissionais e as empresas pagarem menos impostos do que pagariam no caso de vínculo empregatício?
Essa comparação é falsa. São duas situações diferentes. O empregado trabalha para apenas uma empresa. O PJ trabalha para uma ou mais empresas. O empregado tem uma série de direitos que o PJ não tem, tais como, férias, abono de férias, FGTS, aviso prévio, descanso semanal remunerado, etc. Por outro lado, o PJ tem uma série de despesas que o empregado não tem: aluguel de um escritório, manutenção de tudo, recolhimento de ISS, PIS, COFINS, CSLL e vários outros encargos. Não dá para comparar coisas tão diferentes como essas.
12. Do jeito que as coisas vão, as empresas só vão ter "PJs". Estamos perto de dar o adeus ao emprego?
De jeito nenhum. As empresas precisam manter um quadro fixo para cuidar das atividades que fazem parte do núcleo central do seu negócio, que exigem segurança, confiança, constância, assiduidade, lealdade, etc. Elas contratam o que cai fora da sua especialidade e que não necessita das características apontadas. E isso é muito importante para elevar a sua eficiência e ganhar a concorrência. Hoje em dia, quem compete não são as empresas, mas as redes de empresas e profissionais que trabalham para elas. Vai vencer quem tiver a melhor rede. Esse conceito de rede é crucial para brilhar na competição nacional e internacional.
13. Por que as redes tomam o lugar das empresas?
Quando a General Motors compete com a Toyota, na verdade, a competição é entre redes complexas de firmas e profissionais que gravitam em torno daquelas empresas. As vantagens comparativas surgem da sinergia das redes e não do isolamento das empresas. Esta é a interdependência da globalização. Para as empresas venceram a competição atual, elas precisam organizar boas redes de produção, reduzir custos, aumentar a qualidade continuamente, elevar a capacidade de inovação e serem ágeis nas adaptações. Isto requer uma busca contínua de talentos e de modos de organizar a produção. Essa trajetória é irreversível. Não adianta gritar "parem o mundo porque eu quero descer" – porque o mundo não vai parar.
14. Mas, as empresas não contratam apenas para reduzir seus custos?
Não. Já foi o tempo em que a empresa contratava prestadores de serviços em busca do menor custo. Hoje ela quer o melhor custo. Por isso, leva em conta a especialidade e competência dos profissionais. Muitas empresas que desconsideraram a dimensão qualitativa se deram mal, a contratação ficou cara e ineficiente e voltaram a trabalhar com empregados fixos.
15. O Brasil não perde com essa proliferação de contratação de "PJs"?
O Brasil perde com a brutal informalidade que existe no mercado de trabalho – que chega a quase 60% dos brasileiros que trabalham. São 46 milhões de pessoas que nada recolhem aos cofres públicos, em especial, à Previdência Social. Esta tem um déficit anual de R$ 45 bilhões o que obriga o governo a buscar dinheiro no mercado financeiro (o que eleva a taxa de juros e reduz o investimento e o emprego) ou usar recursos do superávit primário (o que reduz a capacidade do governo investir em infra-estrutura, saúde, educação, segurança, etc. – que, por sua vez, trava o crescimento e conspira contra o emprego). Além disso, há perdas na arrecadação dos outros impostos. Se há alguma prioridade a ser atacada é essa informalidade selvagem e não a situação regular dos PJs. Além do mais, não se pode forçar uma empresa a contratar um empregado quando ela quer contratar os serviços de um profissional que tem uma empresa legalizada. Se este não pode ser contratado como empregado e o governo quer dificultar a sua vida como PJ, ele vai fazer o que? Vai cair na informalidade?
16. Mas, não há muita fraude no emprego de PJs?
Fraudes há sempre e em relação a qualquer lei e, por isso elas precisam ser combatidas. A Justiça do Trabalho está aí para isso.
17. O que o sr. espera para o futuro das relações do trabalho?
Uma coisa é certa. O mundo do trabalho vai continuar mesclando várias formas de trabalhar: empregados, PJs, autônomos, cooperados, free lancers, pessoas que trabalham por projeto, à distância, casualmente, etc. Não há como reverter esse mundo para a divisão clássica entre empregados e empregadores. As instituições terão de se ajustar à nova realidade.
18. O sr. acha que o Congresso Nacional vai derrubar o veto do Presidente Lula à emenda 3?
Não sou político. Mas, acho que os parlamentares pensarão duas vezes antes de abandonar o bom senso com que votaram a emenda 3. O assunto foi amplamente discutido. Houve liberdade para se apresentar argumentos de todos os tipos. Acho que os parlamentares não vão querer jogar todo esse esforço pela janela e vão manter sua posição anterior. Mesmo porque o novo projeto apresentado pelo governo confunde muito mais as coisas do que já estão, ignorando totalmente o que está acontecendo no mercado de trabalho.
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