Publicado em O Estado de S. Paulo, 03/04/2007. RT
A greve dos controladores de vôo
Em artigo publicado nesta coluna em 19/3/2007 ressaltei a urgência de uma lei de greves para o setor público, em especial, as que colocam em risco a sobrevivência, a saúde e a segurança da população. Não podia imaginar que, duas semanas depois, teríamos a paralisação de todo o tráfego aéreo do Brasil.
As autoridades do governo consideraram o episódio como um atentado à segurança nacional. E foi mesmo. Os militares-grevistas não podiam fazer o que fizeram. Em países civilizados, onde há leis especificas para greves no setor público, atos como esse, praticados por civis ou militares, especialmente nas telecomunicações, transporte de massa, abastecimento de água e suprimento de energia, são punidos com prisão e pesadas multas (Gillian S. Morris, Strikes in Essential Services, Londres: Mansell Publishing Ltd., 1986). No Brasil, sempre prevaleceu uma inexplicável complacência com os grevistas que prejudicam severamente os cidadãos e a economia.
O governo se apronta para transferir uma parte dos controladores da esfera militar para a civil. Duvido que isso resolva o problema.
1. Se, sob o rígido regime militar, os controladores pararam sem dar pré-aviso ou seguir regra alguma, o que farão quando estiverem na esfera civil, gozando a ausência da lei de greve do setor público?
2. Como os equipamentos e os sistemas de controle são os mesmos, o que será do ambiente de trabalho em uma mesma torre de controle na qual conviverão, uns ao lado dos outros, profissionais de salários e benefícios diferentes?
3. Em que medida essa simples transferência de comando resolverá os graves problemas de infra-estrutura e de pessoal qualificado que atinge o controle de vôos? Há alguma medida de impacto imediato nessa área?
O governo acena com contratações de controladores estrangeiros para enfrentar o curto prazo. É o segundo capítulo da triste novela.
1. Será que no mercado internacional haverá controladores competentes e responsáveis dispostos a vir ao Brasil para ganhar, em média, R$ 2.000 por mês?
2. Quanto tempo levará o recrutamento e a adaptação desses profissionais às condições do Brasil? A adaptação inclui a aceitação dos nossos equipamentos obsoletos, o perigo das zonas cegas de comunicação, a precariedade dos sistemas de vigilância por radar, de um ILS - Inventory Locator Service (que garante o pouso de aeronaves com nevoeiro) que fica fora de operação por mais de um mês (Guarulhos) – sem falar no acidente do avião da Gol que matou 154 pessoas por falta de comunicação.
Serviços relacionados com a segurança nacional são sempre respaldados por equipes de emergência que conseguem garantir um mínimo de serviços para evitar o colapso. No Brasil é diferente. Por falta de previdência, o governo foi forçado a negociar com militares rebeldes, no meio da madrugada e com os passageiros jogados nos aeroportos.
Sem saída e passando por cima da autoridade da mais alta patente da aeronáutica, o governo prometeu não punir os amotinados, contemplando-os ainda com uma gratificação de emergência e desmilitarização da profissão. Um absurdo.
Em 1981, o Presidente Ronald Reagan, ao ser confrontado com a mesma ameaça, demitiu 11 mil controladores de vôo, convocou as equipes de emergência e garantiu a ordem do país.
Isso só foi possível porque, além do amparo legal, os Estados Unidos e outras nações civilizadas, dispõem de planos para enfrentar crises no setor aéreo.
Equipar a infra-estrutura exige planejamento. A formação de bons quadros de controladores de tráfego aéreo leva anos e requer um processo contínuo para repor os que saem da carreira e para atender o crescimento da demanda. O governo atual nada fez nesse campo, apesar de estar no quinto ano de mandato.
Com a frustração reinante, o trabalho dos controladores será ainda mais tenso e, daqui para frente, cercado de incertezas do regime misto que vem por aí. Como poderão os passageiros viajar sossegados? É dessa maneira que se vai estimular o turismo nacional e internacional?
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