Artigos 

Publicado no Jornal Correio Brasiliense, 02/07/99

A Reforma da Justiça do Trabalho

José Pastore

No meio do bate-boca entre os Senadores Antonio Carlos Magalhães e o Deputado Michel Temer, o que menos se discutiu foi a reforma do Poder Judiciário.

O relatório apresentado pelo Deputado Aloysio Nunes Ferreira, na Comissão da Reforma do Poder Judiciário, é um documento complexo e que merece a atenção cuidadosa dos Presidentes do Senado e da Câmara. Apresento neste artigo algumas considerações sobre suas idéias no campo da Justiça do Trabalho.

Resumidamente, a proposta extingue todos os tribunais e acaba com os juizes do trabalho, prevendo a criação por lei, de (1) juizados trabalhistas especiais na Justiça Federal; (2) órgãos de mediação, conciliação e arbitragem para tratar de conflitos individuais; e (3) Fundo de Garantia de Execuções Trabalhistas, alimentado pelas multas da fiscalização e das condenações trabalhistas.

A nova arquitetura dá um fim ao famigerado poder normativo e restringe a ação dos órgãos judiciais aos conflitos de direito, deixando os econômicos para as próprias partes - o que alinha o Brasil com os sistemas trabalhistas mais modernos, onde a justiça jamais entra na resolução de disputas por salário, produtividade, bônus, ganhos reais, quadros de pessoal, promoções, etc.

O projeto proposto merece aplauso por tratar empregados e empregadores como partes amadurecidas, adultas, responsáveis e capazes de negociar o que mais lhes interessa.

Ocorre que a justiça é apenas uma peça dos sistemas de relações do trabalho. Estes são compostos de (1) leis que garantem direitos mínimos; (2) mecanismos de negociação; (3) órgãos legitimados do lado das partes; e (4) mecanismos de resolução de conflitos.

Na montagem de um sistema de relações do trabalho, portanto, é importante definir claramente (1) o que se negocia; (2) como se negocia; (3) quem negocia; (3) como se sai do impasse.

Os sistemas de relações de trabalho têm de guardar uma certa consistência interna. Se eles optam pela via negocial (onde se negocia muita coisa), as partes resolvem a maioria das suas divergências via negociação e resolução voluntária de impasses. Se eles optam pela via estatutária (como é o Brasil de hoje), as partes negociam pouca coisa e resolvem quase tudo na justiça (porque todos os direitos estão previstos na lei).

No caso concreto, para o Brasil fazer a travessia do atual sistema estatutário para um sistema negocial, é fundamental dar às partes algo para negociar e, mais do que isso, considerar o negociado como prevalecente sobre o legislado. Com esse tipo de mudança, o papel da justiça naturalmente decresce, na medida em que o da negociação, cresce.

Sem essa definição, de nada adianta criar órgãos voluntários e extinguir órgãos judiciais. Se tudo ficar como está na Constituição Federal e na CLT, a esmagadora maioria dos conflitos individuais continuarão sendo de natureza jurídica e terão de ser resolvidos pela justiça. A conciliação, mediação a arbitragem - órgãos de alto valor nas disputas de natureza econômica ou decorrentes de contratos já assinados - serão apenas enfeiteis de um sistema inflexível.

Ou seja, a arquitetura proposta só faz sentido - e precisa ser buscada - em um ambiente jurídico diferente do nosso. Se esse ambiente não mudar, a reforma será inócua. Os órgãos da justiça continuarão recebendo 2,5 milhões de processos por ano que, na nova estrutura, terão de ser resolvidos por juizes ainda menos especializados da Justiça Federal.

O que interessa ao Brasil é reduzir o número de conflitos trabalhistas e não simplesmente transportá-los de um lado para outro.