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A Reforma Constitucional Trabalhista

Neste momento em que a crise cambial dominou a imprensa e espalhou por toda parte o pavor da inadimplência nas dívidas públicas, pouco se fala sobre os problemas trabalhistas, a não ser o desemprego que desponta feroz em 1999. No entanto, a modernização das nossas leis do trabalho será uma das peças-chave para se estimular a geração e a formalização de empregos.

O governo federal enviou ao Congresso Nacional, no fim de 1998, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 623/98) que muda vários componentes da organização sindical, negociação e Justiça do Trabalho. Será que é dessa mudança que o Brasil mais precisa?

Convém distinguir mudanças graduais de transformações de profundidade (Christopher L. Ericson e Sarosh Kuruvilla, Industrial Relations System Transformations, 1998).

No Brasil, a lei da contratação por prazo determinado, a legalização do banco de horas, a expansão do trabalho em tempo parcial e a suspensão temporária do contrato de trabalho são exemplos de mudanças graduais.

Uma transformação de profundidade ocorreria se, por exemplo, a força da lei viesse a ser estendida à prática da negociação, permitindo-se ao negociado prevalecer sobre o legislado. Essa seria uma revolução em um dos aspectos centrais da atual legislação trabalhista.

A prevalência do negociado sobre o legislado é a marca da maioria dos sistemas de relações do trabalho dos países desenvolvidos. Isso não significa que eles pararam de inovar. Na verdade, os últimos anos vem sendo marcado pela remoção de vários tabus naquelas nações.

Na Suécia, por exemplo, onde dominou por muitas décadas o modelo centralizado, há dez anos, as partes decidiram abandonar o centralismo e adotar negociações descentralizadas, cada vez mais próxima das empresas.

Na Nova Zelândia, onde prevaleceu por mais de meio século, a sindicalização e arbitragem compulsórias, uma lei de 1991 deixou à critério dos trabalhadores a escolha do tipo de negociação que desejam fazer, individual ou coletiva, com ou sem sindicato, tendo-se abolido por completo a compulsoriedade da arbitragem.

Na África do Sul, onde a negociação sempre foi privilégio dos brancos, em 1996, a nova lei universalizou os direitos trabalhistas, introduziu a mediação para conflitos de interesses coletivos e instalou a arbitragem para os conflitos de direitos individuais contratados.

Na Inglaterra, onde as entidades sindicais podiam tomar decisões por aclamação de minorias, várias leis dos anos 80 tornaram obrigatória a votação secreta para os sindicatos.

No Brasil, a referida Proposta de Emenda Constitucional (PEC 623/98) acaba com a unicidade sindical, elimina a contribuição sindical, termina com a noção de categoria, muda inteiramente a negociação e reduz o poder normativo da Justiça do Trabalho.

Trata-se, sem dúvida, de uma transformação de profundidade. Resta indagar se, ao deixar intocável a prevalência do legislado sobre o negociado, essa transformação conseguirá superar os entraves que hoje prejudicam o emprego formal dos trabalhadores e a competitividade das empresas.

O fim da unicidade sindical não garante uma aterrissagem suave na pluralidade sindical. A eliminação dos conceitos de categoria e base territorial não conduz automaticamente a uma maneira ordenada de negociar e legitimar contratos de trabalho. O constrangimento do poder normativo da Justiça do Trabalho não assegura a emergência imediata de mecanismos autônomos de resolução de conflitos.

As transformações propostas, portanto, não prescindem de uma reforma na jurisdição da lei e da negociação em nosso País. Isto é prioritário. Só depois de estabelecido esse alcance é que se pode pensar na em mudar a organização sindical e a Justiça do Trabalho.

Se for para manter a prevalência do legislado sobre o negociado, não há muita razão para mudar. Mas se admitirmos que o negociado possa prevalecer sobre o legislado, aí sim, necessitaremos de uma criativa engenharia social para apoiar a difícil transição. Sem essa mudança de concepção, temo que a PEC 623/98 venha a provocar apenas a ira dos grupos atingidos e o reforço do sistema que se pretende mudar.

O Brasil não deveria desperdiçar a extraordinária oportunidade que os dias atuais oferecem para se fazer uma transformação conseqüente e viável. Por isso, seria pudente ao Poder Executivo retirar essa PEC do Congresso Nacional e partir imediatamente para uma negociação disciplinada com as partes envolvidas: trabalhadores, empresas, magistrados e dirigentes sindicais. Depois disso, a proposta seria encaminhada ao Congresso Nacional o que facilitaria, sobremaneira, o complexo trabalho dos parlamentares.