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Publicado em Jornal da Tarde, 17/11/1999

O trabalho no Mercosul

A convite da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, participei na semana passada de um debate com especialistas estrangeiros sobre as condições de trabalho nos países do Mercosul, com a inclusão do Chile.

Em poucas horas obtivemos uma visão sintética da situação de cada país. O desemprego está alto em toda região. O Brasil tem uma taxa de 7,5%; o Uruguai e o Chile, 11%; o Paraguai, 12%; e a Argentina, 15%. O mercado informal também é grande: o Brasil é o campeão da informalidade onde trabalham mais de 57% dos brasileiros.

O salário mínimo difere bastante. É de cerca de US$ 90 no Uruguai; US$ 120 no Paraguai; US$ 160 no Chile; e US$ 200 na Argentina - enquanto que o do Brasil, depois da desvalorização do real, está em torno de US$ 70.

Essas comparações têm grande importância prática. Superada a crise atual - espera-se - os países do Mercosul voltarão a intensificar seus negócios. O PIB dos seus integrantes ultrapassa US$ 1 trilhão. O comércio entre eles já chega perto dos US$ 20 bilhões anuais.

Como aconteceu na Europa, as relações comerciais envolverão também relações trabalhistas. Muitas empresas procurarão o território em que o trabalho seja de boa qualidade e baixo custo - com facilidades para contratar, remunerar, descontratar e resolver conflitos.

Pelo material apresentado naquele encontro, ficou claro que, apesar da mesma herança latina, as instituições trabalhistas dos países apresentam diferenças expressivas.

No que tange à jornada de trabalho, por exemplo, a lei brasileira limita-a a 44 horas semanais, enquanto que as da Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile fixam-na em 48 horas. Praticamente, 10% a mais.

Ficou claro também que apenas o Brasil remunera o descanso semanal. No caso brasileiro, essa remuneração representa 18,91% do salário-hora - uma despesa de monta.

Em relação à dispensa, na Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile pratica-se a indenização por tempo de serviço - em geral, um mês por ano. No Brasil, o custo da dispensa é o mesmo (8% ao mês de FGTS) mais a indenização, o que dá um adicional de 40%!

Diferentemente do Brasil que possui um sistema de férias fixas (30 dias por ano), os países estudados possuem férias proporcionais ao tempo de firma. Por exemplo, no Chile, são 15 dias por ano durante os primeiros 10 anos de firma. Depois disso, adiciona-se um dia a cada 3 anos trabalhados. Ademais, nenhum país tem o abono de férias. As férias no Brasil custam, aproximadamente, 40% a mais.

Os feriados são abundantes em todos os países considerados. Mas, na maioria, poucos são os feriados remunerados. Isso também dá uma diferença contra o Brasil, onde há 12 feriados remunerados.

No que tange às licenças por doença, o quadro é o inverso. As despesas das empresas são maiores naqueles países do que no Brasil, onde prevalece o apoio do INSS. Todos os países vêm tentando flexibilizar as suas instituições trabalhistas - com pouco sucesso. A Argentina deu passos decisivos no início do primeiro mandato do Presidente Ménem, mas recuou em 1998. No Chile, houve avanços ainda no tempo do Presidente Pinochet, mas foram relatadas ameaças de retrocesso nos dias atuais. No Uruguai, onde não há CLT, tem havido inovações tópicas, mas nenhuma reformulou o rígido sistema atual. No Paraguai, a situação está cronicamente estagnada.

Fazendo as minhas contas para o Mercosul, e usando a nomenclatura brasileira, cheguei à conclusão que as despesas trabalhistas indiretas são da ordem de 41% no Paraguai; 48% no Uruguai; 70% na Argentina; e 102% no Brasil. Por sua vez, os salários setorizados, em relação ao Brasil, são, em média, 30% mais altos na Argentina e Uruguai e 20% no Paraguai. A educação média da força de trabalho argentina e uruguaia é de 8,5 anos; a do Brasil, 4 anos; e a do Paraguai 3.

Como se vê, a convergência no campo do trabalho não será fácil. Será impraticável nivelar por cima ou por baixo, tomando este ou aquele fator isoladamente. O ajuste das instituições trabalhistas terá de levar em conta um conjunto de elementos (salário, encargos sociais, educação, produtividade, conflituosidade, etc.) o que constituirá um dos maiores desafios para os integrantes do Mercosul.