Apresentado no Seminário sobre Custos de Transação, CNI, Brasília, 1996.
Custos de Transação e Flexibilização do Trabalho
O que é fascinante no estudo dos sistemas de relações de trabalho é que eles são marcantemente diferentes.
Neste mundo que se internacionaliza cada vez mais, é interessante verificar que os sistemas de relações do trabalho continuam bastante nacionalistas. Cada país guarda suas peculiaridades e características próprias.
Esse é um grande desafio. Será que tudo se globaliza, menos os sistemas de relações de trabalho? Será que eles continuarão tão nacionais como estão hoje? Até onde vai a força da história quando comparada com a força da economia?
Masanori Hashimoto tem se dedicado profundamente a esse tema. Ele usa como paradigma conceitual a idéia de "custos de transação" do Douglas North. Na sua opinião, as diferenças existentes entre os vários sistemas, de fato, refletem as tradições culturais dos países. Mas, elas decorrem também das diferenças existentes nos custos de transação de cada um deles lembrando que, neste caso, cultura e economia andam juntas (Hashimoto, 1989).
Por exemplo, o sistema japonês se baseia em pouca rotatividade e alta lealdade. O sistema americano se caracteriza por alta rotatividade e baixa lealdade. E ambos buscam a eficiência.
As diferenças entre esses dois traços dos sistemas japonês e americano, diz Hashimoto, não são só culturais; e nem só econômica. Elas decorrem de diferenças de custos que têm seu valor fixado em função das tradições culturais de cada país.
No caso em tela, operar um sistema de alta lealdade exige um enorme investimento no cultivo das relações entre empregados e empregadores. Isso demanda uma imensa quantidade de tempo e também de dinheiro - mesmo porque "time is money".
Pois bem, dentro das tradições culturais do Japão, onde a empresa é uma extensão da família, esse investimento compensa. Custaria muito para os japoneses fazer o contrário: tentar manter a referida extensão num sistema de alta rotatividade e baixa lealdade.
Nos Estados Unidos, onde predomina a valorização da individualidade, a família tem pouco a ver com o trabalho. Investir tempo e outros recursos para se garantir baixa rotatividade e alta lealdade seria muito caro e um contra-senso em face de uma meta cultural inexistente.
Mas, os dois países precisam de eficiência no trabalho. Como obter isso? Cada um segue o seu próprio caminho. Ambos buscam a qualificação dos trabalhadores. Só que, no Japão, isso é feito em consonância com a lealdade. Nos Estados Unidos, isso é feito com base na competição. Um curriculum vitae que registre a passagem por várias empresas, no Japão, é um indicador de deslealdade; nos Estados Unidos, é um indicador de experiência.
Ou seja, investir em lealdade no Japão tem um custo de transação muito mais baixo do que nos Estados Unidos - compensa. Investir em competição nos Estados Unidos tem um custo de transação muito mais alto do que no Japão - compensa.
Os custos de transação estão geralmente embutidos em outros custos. Nem sempre são imediatamente observáveis. Mas, pesam muito. Por exemplo, em uma consulta médica, além do tempo dedicado aos aspectos técnicos, o médico gasta muito tempo para ouvir as ladainhas do doente queixoso. Ele dedica também bastante tempo ao apoio emocional do paciente. Todas estas atividades têm custos e benefícios. Para o médico e para o paciente, esse conjunto de custos formam os seus respectivos custos de transação. Para alguns, é a parte técnica que pesa mais; para outros, a parte emocional. Dependendo do médico, vale mais a pena investir na primeira parte; para outros, na segunda. O mesmo ocorre com o doente.
Por isso, é difícil dizer que um determinado sistema de relações do trabalho afronta a sociedade em que opera simplesmente porque se tornou disfuncional às necessidades do mercado. As instituições são feitas para atender o mercado mas, ao longo do tempo, elas adquirem vida própria e passam a fazer parte desse mesmo mercado.
É por isso que as instituições demoram tanto para mudar. Quase sempre, as mudanças ocorrem primeiro no mercado e depois no quadro legal.
No Brasil, muitos atacam a disfuncionalidade do Poder Normativo da Justiça do Trabalho - inclusive eu. Mas, é bom lembrar que, além de resolver conflitos, esse sistema constitui os alicerces de uma enorme comunidade de interesses - profissionais, econômicos e políticos. Ele gera benefícios a muita gente. Dessa comunidade fazem parte os magistrados, os advogados e inúmeras burocracias. Um estudo recente de Bolivar Lamounier mostrou que até mesmo as partes derivam benefícios de um sistema lento e emperrado como o nosso.
Pois bem. Remover a atual parafernália do nosso sistema judicial no campo trabalhista geraria custos de transação intoleráveis para muita gente - inclusive para as partes que teriam se comparar os custos atuais com os custos de um regime mais negocial, contratualizado e no qual os impasses são resolvidos entre elas e mediante um grande investimento de tempo - até mesmo, para evitar os impasses.
É evidente que os custos de transação não são estáticos. Eles são dinâmicos. O que é barato hoje pode se tornar caro amanhã e vice-versa. No caso brasileiro, tudo indica que o sistema atual começa a ser questionado. Algumas mudanças estão ocorrendo tanto no mercado de trabalho como no âmbito dos poderes públicos. Os exemplos abaixo ilustram o esforço de flexibilização ora em andamento.
A. Os Avanços Voluntários das Partes
1.O mais comentado de todos os avanços no campo da flexibilização foi, sem dúvida, o acordo do setor metalúrgico de São Paulo, no início de 1996 (13/02/96), que visou reduzir inúmeros encargos sociais e ficar contratos sem carteira de trabalho. Ele foi chamado pelas partes de "contrato de trabalho individual flexível", quando aplicado a um únido trabalhador e "contrato de trabalho coletivo flexível" quando aplicado a vários trabalhadores.
A contratação era por tempo determinado (de 3 meses a dois anos) e introduziu mudanças importantes. As principais foram as seguintes: (1) o trabalhador contratado receberia pelas horas efetivamente trabalhadas sendo o descanso semanal remunerado em proporção a essas horas; (2) o FGTS foi substituído por um depósito de 10% realizado mensalmente na conta bancária do trabalhador, cujo montante total poderia ser levantado pelo trabalhador, de três em três meses, e sem justificativa; (3) no caso de rescisão antecipada, o empregador pagaria uma multa contratual equivalente a um salário; (4) a mesma multa seria aplicada ao trabalhador no caso de rescindir o contrato antes de um pré-aviso de 30 dias; (5) empregados e empregadores passariam a descontar a mesma quantia (8%) em favor do INSS; (6) os empregadores deixariam de recolher os encargos para o salário-educação, SEBRAE e INCRA; (6) as empresas poderiam contratar dessa maneira até 25% da sua mão de obra se tivesse até 50 empregados; 20% no caso de 51 a 500; e 10% para as acima de 500 empregados (Silva, 1996).
Essa contratação abriu uma grande polêmica no país. A FIESP saiu na frente alertando os empresários para os riscos de assinar um acordo que suspendia o recolhimento de encargos legais. A CUT atacou a iniciativa da Força Sindical denunciando a criação de trabalhadores de duas categorias: os de primeira e os de segunda (Vicentinho, 1996).
A própria Força Sindical rachou. Vários de seus dirigentes se colocaram contra o acordo (Alemão, 1996).
Os Deputados Federais do PT (Jair Meneghelli e Miguel Rosseto) posicionaram-se frontalmente contra a mudança (Eich, 1996).
Os juristas também questionaram a validade do acordo (Magano, 1996; Nascimento, 1996; Ramos, 1996).
O jornal 'O Estado de S. Paulo' também se colocou contra a idéia de usar acordos e convenções para revogar a lei (Estado, 1996a; 1996b).
Alguns economistas que costumeiramente criticam a Justiça do Trabalho apoiaram a ação dos tribunais em favor da anulação do acordo por não concordarem com a idéia de patrões e empregados negociarem impostos que pertencem ao governo (Camargo, 1996).
Ao lado das críticas, houve aplausos. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, de início, disse ver com simpatia o acordo dos metalúrgicos (Pinheiro e Monteiro, 1996) embora, mais adiante, demonstrou um recuo dizendo que não desejava estimular situações de ilegalidade (Braga, 1996).
O Ministro Paulo Paiva, do Trabalho, também apoiou a iniciativa das partes reconsiderando sua atitude mais tarde em face das declarações do Presidente da República.
O PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) apoiou e ampliou a idéia ao propor a transferência das contribuições a todos os "Ss" (SESI, SESC, SENAI, SENAC, etc.) para o faturamento das empresas (Barelli, 1996).
Muitos economistas manifestaram-se a favor de usar o acordo para iniciar um movimento de transformação da lei (Macedo, 1996).
Com a assinatura do acordo, a empresa Aliança Metalúrgica abriu 85 vagas (10% de seu efetivo que era de 850 empregados). A empresa Helfont aderiu ao acordo, adotando um sistema misto de flexibilização no qual respeitava o recolhimento do INSS e FGTS mas alterava os demais itens na linha do acordo.
O Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SINDUSCON) tentou, sem sucesso, negociar uma redução do pagamento do 13º salário e a suspensão do abono de férias em troca da manutenção de postos de trabalho. O mesmo sindicato propos o mecanismo do "lay-off" com menos encargos sociais, comprometendo-se a recontratar os trabalhadores afastados assim que as atividades fosse reaquecidas.
O Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, provocado pela procuradora-regional do trabalho em São Paulo (Marisa Marcondes Monteiro) interveio para denunciar a ilegalidade do acordo passando, depois, a ajudar as partes no encontro de uma solução juridicamente consistente. Afinal, empregados e empregadores estavam dispostas a firmar um pacto diferente da lei.
2.O acordo dos metalúrgicos foi anulado mas o fato precipitou outras mudanças. Na verdade, antes dele já haviam surgido vários ensaios de flexibilização. Em outubro de 1995, a Ford do Brasil inaugurou a idéia da "jornada flexível" evitando, com isso, 1.300 demissões. A empresa implantou, por acordo direto com seus trabalhadores, o sistema de "Banco de Horas". Os seus empregados passaram a acumular créditos de horas não trabalhadas para serem usadas quando necessário e sem pagamento de remuneração extra.
3.Outras dez empresas do setor, inclusive a General Motors e a Volkswagen, inauguraram sistemas de jornada flexível parecidos com o da Ford. O Sindicato da Indústria de Artefatos de Papel do Estado de São Paulo (SINPAPECO) também assinou um acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Papel e Papelão instituindo jornada flexível de trabalho para 1996 que variariam entre 40 e 44 horas.
4.Acordo semelhante foi assinado entre a Metalfrio e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo segundo o qual os trabalhadores passaram a trabalhar três dias e folgar dois durante a semana (sem redução de salário) em troca de trabalho adicional e sem hora-extra no momento de necessidade.
5.Esses são alguns exemplos de flexibilização ocorridos nos últimos 12 meses. Mas, houve decisões ainda mais ousadas. Os trabalhadores da Metal Leve, Iochpe-Maxion, Eaton e Polone reuniram-se diretamente com os administradores daquelas empresas e acertaram a redução de jornada de trabalho com redução temporária de seus salários (Aith, 1995).
Na Metal Leve, a redução de salários foi de 7%; na Polone, 14%; na Eaton e Iochpe-Maxion, 20%. Em lugar de assembléias, as empresas realizaram "plebiscitos". No lugar dos sindicatos, assinaram os acordos os comitês de fábrica. O sindicato dos trabalhadores, embora discordando dos acordos, prometeu não recorrer à Justiça do Trabalho. "Os trabalhadores optaram e nós achamos melhor não contrariar essa opção" - disse Heguiberto Navarro (Guiba), Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
6.Dentre as forças propulsoras de tais mudanças estão, sem dúvida, a redução do emprego industrial e as mudanças tecnológicas. No período de 1980-90, a participação da mão de obra industrial no Brasil caiu de 24% para 22% e hoje (1996) estima-se em apenas 19%.
Os estudos sobre desligamentos de trabalhadores da indústria revelam que a readmissão no mesmo setor caiu de 58% em 1990 para 50% em 1995 (Caruso e Pero, 1995) sendo que essa tendência continuará cadente para os próximos anos.
A passagem do setor industrial para o setor de comércio e serviços tem implicado, para a maioria das pessoas, uma certa deterioração das condições de trabalho. É claro que isto força a negociação de concessões no setor industrial.
7.Ainda no âmbito dos avanços da negociação, o Sindicato dos Metalúrgicos de Uberaba (MG) assinaram uma acordo com a empresa Black & Decker que estabelece uma cláusula de paz nas relações do trabalho. A empresa se comprometeu a implementar um plano de reajustes salariais anuais, inúmeros benefícios, estrutura de cargos e salários e participação nos lucros ou resultados. Em contrapartida, os empregados se comprometeram a não fazer greve até o ano 2000 e não usar a Justiça do Trabalho em caso de impasse - recorrendo à mediação e à arbitragem (Emerick, 1996b).
8.Um mecanismo ainda mais avançado passou a ser adotado em Acarape e Redenção, no interior do Ceará. O Grupo Yamacon, de Taiwan, ali se instalou com empresas de confecções que operam com base em mão de obra contratada por cooperativas de trabalho. Os trabalhadores não recebem salários mas apenas a divisão do que é recebido pelas cooperativas.
Com isso, foge-se da obrigatoriedade de pagamento dos encargos sociais relativos aos vínculos empregatícios. O treinamento das costureiras é feito pela empresa Kao Ling, pertencente ao Grupo indicado. O salário médio é de R$ 200,00 e o emprego se expandiu consideravelmente na região (Mota, 1995). Aliás, as cooperativas de trabalho vêem se disseminando com grande velocidade entrando também nas profissões técnicas e liberais.
9.A idéia da redução dos encargos sociais vai ganhando adeptos. A própria opinião pública começa a mostrar alguns sinais muito ligeiros de concessão. Uma pesquisa de realizada pelo IBOPE em junho de 1996 revelou que 62% dos brasileiros aceitariam reduzir os dias de férias se isso redundasse em mais empregos.
B. Os Avanços dos Poderes Públicos
Os avanços da realidade foram, aos poucos, estimulando mudanças na condução dos negócios do trabalho por parte dos Poderes Executivo e Legislativo. Estas foram em menor número do que as anteriormente relatadas. Mas, são bastante significativas para um país que tradicionalmente cultivou a lei rígida acima de qualquer outro valor.
1.Nesse campo, foi interessante observar a iniciativa do Ministério do Trabalho ao baixar a Portaria Ministerial 865 (Setembro de 1995), segundo a qual os fiscais do trabalho ficaram impedidos de multar as empresas que acertaram acordos ou convenções em desacordo com a legislação. Com isso, o Ministério do Trabalho colocou os acordos e convenções na frente da lei.
2.O Tribunal Superior do Trabalho há três anos vêm arquivando os dissídios coletivos que não foram precedidos por negociação e decididos por assembléias válidas e entidades sindicais legítimas. Estima-se que, em 1996, cerca de 40% dos dissídios serão arquivados por esse motivo o que constitui, sem dúvida, um forte estímulo à negociação mais séria.
3.Ao tomar conhecimento do acordo dos Metalúrgicos de São Paulo que reduzia vários encargos sociais e em vista da declaração de sua nulidade por parte do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, o Ministro do Trabalho decidiu adotar os seus conceitos básicos, buscando uma formula legal para dar vida ao desejo das partes. Nesse sentido, elaborou um Projeto de Lei de Contratação de Trabalho por Prazo Determinado que foi enviado ao Congresso Nacional, em abril de 1996 ficando pronto para discussão em plenário já no mês de Junho de 1995 (Mendonça Filho, 1996).
4.Ainda no campo legislativo, no início de 1996, o Deputado Álvaro Gaudêncio Neto (PFL-PB) arregimentou 200 assinaturas em apoio a um projeto de emenda constitucional reduzindo os encargos sociais das micro e pequenas empresas equiparando-os os trabalhadores aos empregados domésticos.
5.O Ministro Paulo Paiva enviou à Câmara dos Deputados um projeto de lei que retira os encargos sociais que eram aplicados aos benefícios concedidos aos trabalhadores rurais (moradia, alimentação, transporte, etc.). O projeto foi aprovado nas comissões e plenário tendo sido encaminhado ao Senado Federal (Emerick, 1996a).
6.Outro passo efetivo no terreno da flexibilização foi a Medida Provisória sobre a Participação nos Lucros ou Resultados emitida no final de 1994. Essa medida veio dar vida ao preceito constitucional que isenta empregados e empregadores e todo e qualquer tipo de encargo trabalhista ou previdenciário as parcelas pagas à título de participação nos lucros ou resultados das empresas. O processo foi desencadeado no início de 1995 e avança com muita firmeza.
7.É importante registrar que a lógica do estímulo à produtividade embutido no sistema de participação nos lucros ou resultados começa penetrar também no setor público. A Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado de São Paulo para o ano de 1997 prevê o pagamento de uma remuneração extraordinária ao cumprimento de metas pré-estabelecidas pelos servidores públicos (Rosa, 1996).
8.No campo legislativo ainda mereceu destaque a aprovação da Lei 8.949 de 09/12/94 que regulamentou a terceirização por meio de cooperativas de trabalho. Esta lei foi disciplinada pela Portaria do Ministério do Trabalho nº 925 de 28/09/95. O Tribunal Superior do Trabalho já havia dado um importante passo nesse terreno na edição do enunciado 331 que ampliou consideravelmente as possibilidades de terceirização para as atividades-meio e atividades-fim.
9.Uma outra importante mudança em direção à flexibilização foi tomada com a edição da Medida Provisória sobre a Desindexação em 1995. Com isso, o país adentrou mais uma vez (já havia sido tentado no início de 1989) no campo da livre negociação salarial.
A desindexação total dos salários, por força da referida Medida Provisória, ocorreu, de forma total, em Julho de 1996. No setor privado, em muitos casos, a renegociação dos salários continuou sendo feita com base na inflação passada, mais "alguma coisa".
No setor público, procurou-se seguir mais de perto a inflação passada. A Cia. Vale do Rio Doce, por exemplo, propos um reajuste de 12% de maio de 1995 a maio de 1996 o que encosta na inflação acumulada pelo IGP da Fundação Getúlio Vargas que foi de 12,34%. Os trabalhadores pleitearam cerca de 20% que corresponderam à inflação calculada pelo DIEESE.
Como se vê, dos dois lados, ainda há a força da memória da inflação passada. Mas, num balanço geral, a desindexação foi favorável aos trabalhadores industriais. Longe das políticas salariais e submetidos a esse novo regime, os salários reais desse setor cresceram mais de 30% entre 1990-95. Na verdade, os dados indicam que os salários aumentaram mais do que a produtividade, especialmente, no período de 1993-95 (Amadeo, 1996).
10.Através da Medida Provisória nº 1.053/95, do Decreto nº 1.572/95 e das Portarias Ministeriais nº 817/95 e 818/95 foi institucionalizada a regulamentada a mediação na negociação coletiva.
Trata-se de uma outra medida de flexibilização. À partir daí o Ministério do Trabalho vem patrocinando cursos de treinamento na área de mediação e arbitragem como alternativas voluntárias à Justiça do Trabalho. Até o momento (Agosto de 1996), porém, a figura do mediador não vingou e a do árbitro nunca foi utilizada em conflitos trabalhistas.
11.Em setembro de 1996, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei do Senado Federal de autoria do então Senador Marco Maciel que regulamenta a arbitragem no Brasil. Ainda que o projeto restringe o mecanismo aos litígios referentes aos direitos patrimoniais disponíveis, não há dúvida que isso abrirá a discussão sobre a possibilidade de se estender a arbitragem para a área trabalhista.
12.Em outro terreno igualmente importante para a flexibilização, o governo federal, através do Plano Nacional de Educação Profissional se propos a qualificar ou requalificar 20% da força de trabalho do país até 1998. Oxalá isso se torne realidade pois a elevação da qualidade da nossa mão de obra é urgente e necessária. Atualmente, a educação profissional atinge àpenas 5% da força de trabalho (Ministério do Trabalho, 1996a; 1996b; Presidência da República, 1996) e a força de trabalho possui, em média, apenas 3,5 anos de escola.
C. A Elevação dos Custos de Transação
As mudanças em direção à flexibilização respondem a uma sensível elevação dos custos de transação decorrente, em grande parte, da abertura da economia e da pressão da competição internacional.
Dada a internacionalização da economia, inúmeros exemplos de flexibilização vêm do exterior o que, de certa forma, acaba influenciando a realidade brasileira.
1.No ano de 1995, por exemplo, divulgou-se entre nós os termos do "Pacote Alemão" em favor do emprego: (1) os trabalhos por tempo determinado foram estendidos para 24 meses (o limite era de 18 meses); (2) eliminaram-se os obstáculos legais para criação de posições de estagiários e "trainees"; (3) aumentou-se o rigor no para a concessão do seguro-desemprego limitando-se o pagamento do seguro por mais de um ano às pessoas que tem mais de 45 anos (era 42); (4) reduziu-se o número de funcionários públicos de 325 mil para 300 mil; (5) reduziram-se os impostos das novas empresas que começaram a operar agora e têm grande potencial de geração de emprego.
Klaus Murmann, da Federação dos Empregadores da Alemanha (BDA) lançou a idéia, no final de 1995, de se acabar com as negociações. De acordo dom essa proposta, ora em debate, os trabalhadores teriam um salário mínimo setorial e, em cima disso, dois outros componentes: um deles baseado nos lucros das empresas e o outro no desempenho individual dos trabalhadores (Lindemann, 1996).
2.Na Espanha, as confederações de empregados e empregadores concordaram em estabelecer a "mediação compulsória" para reduzir o número de greves que assolou o país em 1995. Pelo acordo, os trabalhadores se obrigam a usar mediadores antes da discussão e aprovação de greve. O governo espanhol se prepara para dar status legal ao acordo firmado assim como providenciar recursos para o serviço de mediação.
3.O governo francês fixou um limite de 3,4% para os aumentos salariais nas empresas estatais em 1996 deixando claro que isso poderia cair a zero no caso das empresas em dificuldade. O governo preparou também um projeto de lei que simplifica o sistema de benefícios concedidos às empresas (hoje equivalentes a US$ 2.650 anuais por pessoa treinada) destinados ao treinamento de jovens cuja taxa de desemprego chegou a 22% no final de 1995 - esperando, com isso, reciclar mais gente e recolocá-las no mercado de trabalho (Buchan, 1996).
4.Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia de 1992, por exemplo, argumenta que a rigidez da legislação trabalhista e dos contratos coletivos assim como a acumulação de concessões das políticas previdenciárias da Europa são as principais responsáveis pelo alto nível de desemprego naquela região. De fato, nos anos 70, a taxa de desemprego esteve abaixo de 5% na França, Alemanha e na maioria dos países europeus. Hoje, ela está perto de 12% na França e Alemanha e ultrapassa os 22% na Espanha (Becker, 1996).
5.Os dados mostram que os Estados Unidos mantém 95% dos americanos ocupados dentro do próprio país nas mais variadas modalidades de trabalho, amparadas por legislação e formas de contratação bastante flexíveis. Muitos argumentam, porém, que isso foi feito à custa de uma redução do salário médio e aumento da desigualdade (Freeman, 1995; Marsden, 1995). A questão, porém, é controvertida. Dados recentes mostram um crescimento rápido nos dois extremos da estrutura social, ou seja, nas ocupações bem pagas e mal pagas (Houseman, 1995).
Estudos do Ministério do Trabalho dos Estados Unidos mostram que mais de dois terços dos novos empregos recentemente criados naquele país têm salários superiores à média sendo que a maioria é em tempo integral (Department of Labor, 1996). Outro estudo feito pela Universidade de Michigan prevê que só setor automobilístico criará cerca de 170 mil novos postos de trabalho até o ano 2003 no nível de US$ 46 mil por ano, chegando até US$ 70 mil com horas extras (Meredith, 1996).
Na Europa o enxugamento dos quadros foi bem menor. Em contrapartida, o continente não gerou um só emprego entre 1973-94, quando os Estados Unidos criaram cerca de 38 milhões de novas oportunidades (Thurow, 1996). No primeiro semestre de 1996, surgiram naquele país cerca de 350 mil novos postos de trabalho por mês. O setor de lazer e entretenimento responde por 40% desse crescimento; educação, saúde e informática vêm logo em seguida com 12% cada (Mandel, 1995). Tudo isso faz o desemprego permanecer em torno de 5% enquanto na Europa passa dos 10%.
No nível nacional, o aumento da concorrência foi, sem dúvida, um dos principais propulsores dos ensaios de flexibilização acima apontados.
Não há dúvida de que a geração de oportunidades de trabalho depende em grande parte: (1) da lucratividade das empresas; (2) do bom uso do lucro em investimentos produtivos; (3) e da flexibilidade da legislação e da contratação para apoiar novas modalidades de trabalho.
6.No que tange aos investimentos produtivos, os estudos do IPEA estimam uma taxa mínima de 20% para que o Brasil possa crescer 5% ao ano. Isso está muito aquém dos 15% atuais. Além do mais, a geração de empregos será mais acentuada na medida em que o grosso desses investimentos venha a ser feita em infra-estrutura básica (Magnavita, 1996). Os investimentos públicos caíram de 9% ao ano no período de 1980-84 para 5% ao ano no período de 1990-94 e os das empresas estatais, de 4,5% para 2% no mesmo período.
No ano de 1995, o país cresceu cerca de 4%, a força de trabalho aumentou 3% e as oportunidades de emprego expandiram só 1,6%. A participação da força de trabalho na população total pulou de 45% em 1970, para 57% em 1995. Ou seja, o emprego está crescendo muito menos do que a força de trabalho.
7.Além do mais, as novas vagas foram bastante precárias quando comparadas com a qualidade dos postos de trabalho que foram fechados. Em 1995, o trabalho com carteira assinada cresceu 0,9% enquanto que o sem carteira expandiu 3,3%. A maior expansão se deu por meio do emprego sem registro (Cacciamali, 1995; 1996).
Um estudo recente mostra que a relação entre o crescimento do PIB e emprego formal caiu de 60% no período de 1970-95 (Pochmann, 1996). Ou seja, a elevação da proteção legal, combinada com a redução dos investimentos, deu como resultado uma diminuição das pessoas protegidas.
Nas regiões metropolitanas, os trabalhadores com carteira assinada recebiam, em 1993, cerca de 35% a mais do que os sem carteira. Hoje, essa diferença caiu para 25% (MTb/IPEA, 1996). Como se vê, o impacto da rigidez legal se faz sentir não só no emprego mas também no salário. Em 1995, o salário dos trabalhadores com carteira assinada, cresceu apenas 1,5% enquanto que o dos sem carteira subiu 13,31% e dos que trabalham por conta própria aumentou 23% (Cacciamali, 1996).
8.O desemprego dos dias atuais está ferindo de maneira mais funda os jovens. Os dados do início de 1996 revelam que cerca de 15% dos adolescentes de 15-17 anos procuram emprego em vão, sem nada conseguir. Para a faixa de 18-24, a proporção de desempregados continua alta chegando a 12%. Isso é muito elevado pois a média do desemprego no Brasil está em torno de 6% (MTb/IPEA, 1996).
9.A rigidez da legislação constitui ainda um grande entrave na ampliação do emprego formal e do processo de flexibilização. Os parlamentares se mantém bastante avessos à desregulamentação do quadro legal atual e as centrais sindicais continuam pleiteando mais regulamentação.
Como resposta, o mercado de trabalho vai ignorando a CLT e a Constituição Federal. O setor informal já congrega mais de 55% da mão de obra do Brasil.
A decisão de trabalhar no setor informal não é só da empresa. Ao contrário, uma pesquisa recente revelou que em 87% dos casos, a escolha de trabalhar no setor informal foi dos indivíduos. Quando se considera o segmento dos que trabalham por conta própria, mais de metade está nesse tipo de atividade há mais de cinco anos sendo que a grande maioria deseja permanecer nas condições atuais (Galazi, 1996).
10.Na verdade, vem se ampliando cada vez mais o processo de divisão de riscos. A terceirização e a contratação de trabalhadores temporários são exemplos disso. A tendência é mundial. Entre 1985-96, o número de empregos com contrato temporário de curto prazo nos Estados Unidos saltou de 619 mil para 2,2 milhões. O Ministério do Trabalho projeta um crescimento de 60% nesse tipo de contratação até o ano 2000 (Egan, 1996).
Mas isso pode ser feito de modo legal ou ilegal. Hoje em dia, cerca de 18% dos americanos trabalham em regime de tempo parcial (Pastore, 1994); outros 10% trabalham regularmente na base de "arranjos alternativos" que incluem subcontratados, "freelancers" e trabalho temporário, trabalho em tempo parcial, etc. (Koretz, 1996). Mas, todos eles, trabalham de forma legal, recolhendo impostos e contribuindo para os cofres da seguridade social.
As pesquisas mostram que os trabalhadores em tempo parcial não recebem menos do que os de tempo integral quando se faz a anualização dos salários. Não há dúvida, porém, que os trabalhadores em tempo parcial recebem bem menos benefícios colaterais do que os de tempo integral. Por exemplo, nos Estados Unidos, 71% dos trabalhadores em tempo integral são cobertos por seguro médico pago parcial ou integralmente pelas empresas; isso só ocorre com 21% dos trabalhadores em tempo parcial (Houseman, 1995). Ou seja, o mercado encontrou um novo ponto de equilíbrio, onde o custo total da mão de obra é mais baixo é legal. O mesmo ocorre com o trabalho temporário, por tarefa ou por projeto.
11.O Brasil está dando os primeiros passos no campo do trabalho temporário legal. As estimativas dizem que, no Brasil, há cerca de 1,5 milhões de trabalhadores temporários no mercado formal - contratados nos termos da Lei 6.019/74. Isso representa cerca de 4% do mercado formal.
A Associação Brasileira de Empresas de Trabalho Temporário (ASSERTEM) congrega cerca de 200 empresas de grande porte. Por Portaria do Monastério do Trabalho, o prazo de contratação foi prorrogado de 45 para 90 dias. Com essa medida, espera-se que a proporção de trabalhadores temporários passe para 6% (Scholz, 1996).
12.Não há dúvida que as novas modalidades de trabalho vão se ampliar no Brasil na mesma medida em que o emprego convencional vai reduzir. Os dois fenômenos já estão em franco andamento e só não foram mais rápido devido aos bloqueios da legislação e ao policiamento da justiça do trabalho. Mas, os dois mecanismos estão mostrando sérios sinais de fadiga. Tudo indica que sua força será cadente nos próximos anos.
D. Flexibilização, Competitividade e Emprego
A rigidez e o peso dos encargos sociais (102% sobre os salários) continuam representando sérias barreiras à ampliação do emprego formal e melhoria da competitividade.
Mas, os pesquisadores continuam divergindo sobre a importância dessas barreiras. Em relatório recente, técnicos do Banco Mundial desclassificam uma série de itens da categoria de encargos sociais por se tratar de "pagamentos efetuados diretamente aos trabalhadores" como é o caso, por exemplo, do 13º salário, do abono de férias e outros (World Bank, 1996a).
Ademais, o estudo indica que uma eventual redução de 50% dos encargos sociais induziria uma elevação dos salários - via negociação com os sindicatos - o que, no final, manteria a empresa com os mesmos custos no fator trabalho. O ganho máximo a ser conseguido nesse item, segundo o estudo, ficaria entre 2% e 3%.
Há dois comentários a fazer sobre essas considerações. Primeiro, o fato de uma parte dos pagamentos ir para o bolso dos trabalhadores não justifica a desclassificação daqueles itens da tabela de encargos sociais. Eles constituem encargos sociais porque resultam de mandamentos da lei. Esta cria direitos para os trabalhadores e obrigações para as empresas. Tratam-se de parcelas que não podem ser negociadas.
Argumenta-se que elas são negociadas indiretamente pelo fato de incidirem sobre o salário base. Assim sendo, as empresas tenderiam a rebaixar o salário base para ter um custo final do trabalho compatível com seus negócios. Retornaremos a esse ponto mais adiante.
Segundo, mesmo em condições de extrema inelasticidade da oferta de mão de obra, não há garantias da referida transferência dos encargos reduzidos para os salários dos trabalhadores.
Mas, supondo que isso ocorra, é evidente que o montante de salário direto que o trabalhador levaria para casa é maior do que a situação atual. Portanto, a parcela salarial diretamente negociada entre empregados e empregadores seria de grande monta o que significa dizer que a área de trocas seria substancialmente ampliada.
Isso permitiria às empresas atrelar uma grande parcela de salário direto à produtividade, qualidade, pontualidade, lealdade, etc. O salário aumentado constituiria, assim, uma poderosa alavanca na elevação da eficiência - o que não pode ser feito através de uma negociação indireta onde se misturam salários com encargos sociais. Quando se paga R$ 1.000,00 de salários e R$ 1.000,00 de encargos não há como convencer os trabalhadores que eles devem responder com um nível de produtividade equivalente a R$ 2.000,00.
Isso significa que um aumento do salário direto melhora as bases da negociação o que, por sua vez, amplia a possibilidade de se elevar a produtividade e, conseqüentemente, reduzir os custos para a empresa. Como se sabe, o custo do fator trabalho é afetado pelo que se paga e pelo que se obtém do mesmo.
Muitas empresas enxugaram seu pessoal nos últimos anos, aumentaram a folha de salários e alavancaram muito mais a produtividade. Foi um jogo de ganha-ganha que jamais poderia ter sido praticado em um regime de camisa de força correspondente ao dos encargos compulsórios que, no caso, seria o de estabilidade de emprego.
A flexibilização dos encargos sociais é mais importante do que a redução de seu valor. Se as empresas pudessem negociar livremente, pouco importaria que pagassem 102%, 120% ou 150% de encargos sociais.
Existe, portanto, uma enorme diferença entre encargos diretamente negociados e encargos indiretamente ou não-negociados. A "troca" de encargos por salário - mesmo que em igual valor - não constitui, de forma alguma, a troca de "seis por meia dúzia". São parcelas de natureza diferentes e é a negociabilidade do salário que dá à negociação um poder mais forte no exercício das trocas.
O tema é realmente controvertido. Técnicos do próprio Banco Mundial, em outro trabalho recente, advogam exatamente a redução dos custos indiretos e o aumento do salário como forma de se ativar a economia, melhorar a competitividade e ampliar as oportunidades de emprego (World Bank, 1996b). A mesma posição foi advogada pelo relatório oficial do Banco Mundial de 1995 onde se lê o seguinte:
"A regulamentação do trabalho, geralmente formulada com boa intenção e para proteger ou apoiar as condições de trabalho no setor formal, acaba criando um pequeno grupo de trabalhadores privilegiados que se organizam para defender e fazer perpetuar o favorecimento que recebem... [Para reduzir o setor informal] é importante diminuir os encargos sociais e flexibilizar a regulamentação, trazendo-os para um nível mínimo" (World Bank, 1995, p. 34-35).
Tudo indica que o tema continuará em discussão por muito tempo nos ambientes acadêmicos. Enquanto isso, as partes avançarão cada vez mais no terreno da desregulamentação e flexibilização do trabalho.
Os Retrocessos no Processo de Flexibilização
A flexibilização do trabalho, entretanto, passa também por retrocessos. São as contramarchas decorrentes de medidas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso ocorre não só no Brasil mas também nas nações mais avançadas onde a questão da flexibilização do trabalho continua controvertida.
Ao lado dos inúmeros esforços de desregulamentação e descentralização das relações do trabalho, há ações na direção oposta.
1. No campo internacional, o chamado "capítulo social" do Tratado de Maastricht ilustra o caso europeu. Através dessa proposta, os países da Europa pensam uniformizar as condições de trabalho para todos os participantes do Mercado Comum Europeu. Isso incluiria jornada de trabalho, licenças, salário-mínimo, previdência, etc. Mas, de concreto, nada foi até o momento (Agosto de 1996) aprovado, sendo a Inglaterra um forte foco de resistência contra a padronização do trabalho.
2.Como corolário dessa posição, os países avançados forçam a Organização Mundial do Comércio a adotar barreiras contra os países que mantém sua força de trabalho em condições inferiores ao do Primeiro Mundo. Com isso, procura-se introduzir na guerra comercial um elemento de pseudo-humanismo cujas consequencias práticas são as de bloquear a exportação dos países do Terceiro Mundo, em especial, da Ásia onde persistem situações desumanas como é o caso do trabalho infantil, do trabalho escravo, das longas jornadas e baixa remuneração.
O Brasil certamente seria atingido pelas eventuais represálias no campo do "dumping social" embora, no que tange ao trabalho infantil, sensíveis avanços foram registrados nos últimos dois anos. Por exemplo, as montadoras de automóveis, em especial a General Motors e a Ford do Brasil, tomaram a iniciativa de recusar peças e acessórios fabricados por crianças em situação ilegal.
3.No campo da macro-regulamentação estão as convenções internacionais da OIT. O organismo foi criado numa época de fortes disparidades e tratamento desumano dos trabalhadores da Europa e demais regiões do mundo. Durante muito tempo (1940-80) fez sentido a aprovação de standards mínimos de alcance mundial no campo trabalhista. Hoje em dia, porém, os mercados são altamente diferenciados; a competição é entre as empresas; o mundo pede flexibilidade - o que dificulta à OIT na sua tarefa de impor normas gerais. Standards mundiais nesse terreno estão se tornando cada vez mais difíceis de serem definidos e implementados - com exceção dos que se referem ao trabalho infantil e às liberdades dos sindicatos e à higiene e segurança do trabalho.
No Brasil, decidiu-se ratificar e implementar a Convenção 158 da OIT que exige justificativa razoável no caso de demissões sem justa causa.
Quando se junta esta restrição com a certeza de que a razoabilidade das justificativas será objeto de sentença da Justiça do Trabalho, não há dúvida de ter-se criado aí um forte foco de enrijecimento das relações do trabalho. O fechamento da porta de saída significará o fechamento da porta de entrada com fortes reflexos sobre o emprego e desemprego.
4.A negociação direta vem sendo praticada a contento depois da implantação do Plano Real. Até Julho de 1996, o Plano manteve um resquício de indexação. As categorias foram recebendo o resíduo da inflação, nas suas datas-base. Mas à partir daquela data, todos os resíduos haviam sido "zerados" e as negociações deixaram de ter parâmetro de reposição de inflação passada.
Embora não concretizada, a proposta do Ministro Francisco Fausto do Tribunal Superior do Trabalho deve ser interpretada como uma tentativa de re-indexação salarial. Segundo suas declarações à imprensa, o eminente ministro se mostrou disposto a adotar um mecanismo atribuído à lei francesa (Adicional de Vida Cara) segundo o qual os salários passariam a receber abonos automáticos em função da elevação do custo de vida (Pinheiro, 1996).
A proposta não prosperou. Mas, o tema não morreu. Muitos ministros e juízes do trabalho não se conformam com a inexistência de um parâmetro indicador do aumento do custo de vida para facilitar o seu julgamento nos casos de impasses coletivos no campo salarial. Isso reflete também a longa tradição de indexação que, ao longo do tempo, mostrou-se redutora do salário real.
5.No campo das contramarchas, uma mudança na lei do seguro desemprego (em 1994) mudou o panorama por completo à partir de 1995. O acesso que era restrito às pessoas que haviam trabalhado, no mínimo, 15 meses passou a ser liberado para quem trabalhou apenas 6 meses. O tempo máximo do seguro-desemprego passou de 4 para 5 meses, recebendo-se de 1 a 3 salários mínimos. No período, o salário mínimo aumentou; o rendimento médio também subiu. Consequencias: os candidatos aumentaram em 17% e as despesas com o seguro desemprego aumentaram 47%.
No segundo semestre de 1996, os prazos foram novamente ampliados - desta vez de forma temporária, até o final do ano. Assim, o recebimento do seguro-desempregou foi estendido de 5 para 7 meses.
A demanda por seguro-desemprego aumenta na aceleração econômica e diminui na desaceleração. Tudo indica que ela é estimulada pela possibilidade de se levantar o FGTS e tentar outro emprego. Só deveria receber seguro quem está de fato tentando arranjar outro emprego. O aumento da informalidade reduz a receita das contribuições para os seguro.
6.A Senadora Benedita da Silva, acreditando na força da legislação, conseguiu aprovar no plenário do Senado Federal um projeto de lei que eleva o nível de proteção legal das empregadas domésticas ao introduzir mais três encargos obrigatórios: FGTS, seguro-desemprego e vale transporte.
7.No campo das contra-marchas deve-se citar ainda a multiplicação de Normas Regulamentadoras na área de higiene e segurança do trabalho que, no fundo, acabam onerando o custo do fator trabalho pela imposição de médicos em tempo integral, equipamentos, uniformes, proteções ambientais etc. (NRs 7, 8 e 18) e enrijecendo as negociações.
8.No mesmo campo tem destaque a proposta da CUT para aumentar o emprego. Dentre outras medidas, a central propõe a aprovação das seguintes leis no campo trabalhista: (1) que assegure a redução da jornada semanal para 40 horas, sem redução de salário; (2) que proíba o uso de horas extras, a não ser em casos de extrema necessidade definidas em negociação entre empresas e sindicatos; (3) que faça cumprir a Convenção 158 que proíbe a dispensa imotivada sem justificação; (4) que amplia para 12 meses o período de pagamento do seguro-desemprego; (5) que aumenta o valor do salário pago durante o seguro-desemprego; (6) que obriga as empresas a pagar cursos profissionais para o trabalhador demitido (CUT, 1996).
9.No âmbito das negociações, a Volkswagen do Brasil marchou no sentido inverso da maioria dos acordos realizados em 1996, negociando com seus empregados horistas (via sindicato) a eliminação do Descanso Semanal Remunerado e incorporando-o no salário como no caso dos mensalistas (Olmos, 1996).
Com essa medida, o valor da hora trabalhada aumentou de forma que a falta em serviço sofrerá um desconto (apenas do dia faltado) na base de uma remuneração maior. Quem faltar perde mais, assim como quem faz hora extra ganha mais. No mesmo acordo foi negociado a redução da jornada de trabalho, sem redução de salário.
Conclusão
O Brasil desenvolveu ao longo de várias décadas um imenso cipoal de leis e sentenças trabalhistas como tentativa de organizar o mercado de trabalho, evitar e resolver os conflitos entre as partes. Depois de todo esse esforço verifica-se que, no que tange à organização, o poder desse aparato legal está cada vez menor pois hoje é de quase 60% a parcela da força de trabalho que está fora da proteção legal - no mercado informal.
No que tange à prevenção e resolução de conflitos verifica-se um crescimento contínuo das desavenças entre as partes e do número de ações trabalhistas. Atualmente, os tribunais de trabalho possuem mais de 2,2 milhões de processos em andamento sendo pequena a sua capacidade de prevenir os conflitos. Os processo que darão entrada hoje nos tribunais são exatamente iguais aos que deram entrada ontem e há dez anos atrás. A capacidade inibidora do conflito nessa área é nula. Ao contrário, está provado que o nosso sistema de resolução de impasses através da Justiça do Trabalho constitui um eficiente estímulo ao conflito entre as partes (Pastore e Zylberstajn, 1988).
Mas, esse quadro está mudando. As mudanças são ainda muito lentas. A maior parte dos avanços vem se dando no campo da realidade e a minoria por força de ações dos poderes públicos, conforme se relatou acima.
Todavia, é no campo da legislação e da justiça que estão os maiores entraves. É nesse campo que se impõem as mudanças de maior profundidade, em especial, dos artigos 7º, 8º e 9º da Constituição Federal.
Neste terreno, porém, o país está parado. Ninguém se atreve a detonar as tão necessárias mudanças constitucionais. A desculpa é sempre a mesma: "O momento político não é oportuno. Elas são impopulares".
Mas, quando será oportuno? Nunca! Pois sempre haverá forças políticas interessadas em combater mudanças impopulares e, com isso, capitalizar no mercado de votos. Por isso, as mudanças da Constituição dificilmente virão de cima para baixo. Elas acontecerão depois que o mercado declarar a sua total e completa obsolescência em face dos acertos realizados diretamente entre as partes interessadas.
Nesse sentido, o Brasil não será diferente dos outros países. Nos casos em que as mudanças se deram pela via democrática, a flexibilização da legislação trabalhista foi a última de uma longa série de liberalizações. A trajetória, em geral, se inicia com a reforma administrativa, passa para a tributária e fiscal, para depois entrar no campo social - previdência e trabalho.
As forças de mercado continuarão operando, é claro. Com a abertura da economia elas se tornarão cada vez mais fortes. Os custos de transação estão se modificando. Já não é mais possível continuar com tantos monopólios na área trabalhista tais como o monopólio sindical no campo da negociação e o monopólio da Justiça do Trabalho no campo da resolução de conflitos.
Se, no passado era cômodo e justificável empurrar todo o conflito para fora da empresa, no futuro eles terão de ser tratados, cada vez mais, na própria empresa. A tendência para a participação deverá aumentar. A busca da negociação forçará uma redução da legislação. As novas formas de resolução de conflito concorrerão com a Justiça do Trabalho.
Por isso, os dados acima registrados podem ser interpretados como o prelúdio de grandes mudanças. Isso não significa que elas acontecerão da noite para o dia. Mas, o Brasil surpreende. O processo poderá ser acelerado por força da intensa concorrência internacional e da crescente pressão interna por melhores condições de trabalho.
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