Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/11/1999
Tempo, perseverança e reformas institucionais
As reformas trabalhistas iniciadas por Margareth Thatcher na Inglaterra em 1979, estão completando vinte anos. Bem diferente é o quadro na América Latina onde, as poucas mudanças realizadas foram logo revogadas - muitas não chegaram a ser implantadas.
É claro que comparar uma cultura anglo-saxônica com outra latina exige cuidado. O que se pode aprender desse contraste?
Os anglo-saxônicos tendem a ser indutivos, enquanto que os latinos gostam de ser dedutivos. Os primeiros acreditam que as leis só pegam se forem bem testadas na prática. Os latinos tem paixão pelas grandes formulações, no pressuposto de que a realidade sempre segue a vontade do legislador.
A reforma trabalhista introduzida por Margareth Thatcher baseou-se em oito leis que foram aprovadas, de forma contínua e progressiva, entre 1979 e 1985, todas convergindo para o mesmo objetivo. O País queria reduzir o desemprego que, em 1979, estava em 12% e a inflação que girava em torno de 14%.
No diagnóstico realizado ficou claro que, o crescimento da economia seria condição necessária, mas não suficiente. Para tanto, era imperioso mudar certas instituições e, sobretudo, reduzir um tipo de regulamentação que dava a grupos privilegiados o poder de impor condições e afastar mais e mais os que estavam na exclusão social.
A reforma trabalhista não foi concebida como única peça de mudança. Ela foi uma das engrenagens que, no conjunto, deu consistência às reformas macroeconômicas.
Paradoxalmente, a redução da regulamentação corporativista foi conseguida por novas regulamentações. Foi uma re-regulamentação que buscou introduzir nas organizações sindicais alguns elementos básicos da democracia.
As novas leis vieram exigir que todas as decisões sindicais deveriam ser feitas por meio do voto secreto. Elas passaram a responsabilizar os sindicatos por toda e qualquer ação causadora de danos sociais. Determinaram ainda que as greves deveriam ser anunciadas com sete dias de antecedência e que os grevistas deveriam conseguir adeptos através de argumentos, e não de piquetes. Estabeleceram que o recolhimento das contribuições sindicais feito pelas empresas através de folhas de pagamento só pode ser feito mediante autorização escrita dos empregados.
É difícil contestar o espírito democrático dessas mudanças. Mas, no ambiente latino, elas seriam certamente interpretadas como intervenções indevidas do Estado.
No Brasil, por exemplo, prevalecem até hoje as decisões das minorias nas assembléias sindicais. O recolhimento da contribuição sindical dispensa o consentimento de quem paga. A dificuldade para se determinar o responsável por eventuais depredações de bens públicos e privados é imensa.
As mudanças trabalhistas da Inglaterra, aparentemente impopulares, contaram com o apoio da maioria dos ingleses. Tanto que, Tony Blair, homem de oposição, manteve praticamente todas as reformas introduzidas por Thatcher.
Na verdade, Blair até aprofundou algumas delas. No combate ao desem-prego, Thatcher reduziu os recursos do seguro-desemprego para aumentar os recursos da reciclagem e os incentivos às pequenas e médias empresas. Hoje, a educação e o trei-namento e o apoio às pequenas empresas constituem os programas centrais de Tony Blair.
No que tange à redução do poder dos "insiders" para facilitar a inclusão dos "outsiders", Tony Blair, tem na idéia da Terceira Via um objetivo similar ao de Thatcher, quando prega: "cabe ao governo assegurar oportunidades iguais para todos e privilégios especiais para ninguém".
Somados ao crescimento econômico, as mudanças trabalhistas iniciadas em 1979, ajudaram a trazer o desemprego de 12% para 4,5% e a inflação de 14% para 1,8%.
Diminuiu drasticamente a quantidade de pessoas que recorrem ao seguro-desemprego, o que liberou recursos para gerar empregos e preparar as pessoas. A Inglaterra é, hoje em dia, uma nação que gera trabalho com menos desigualdade do que os Estados Unidos (Mary Gregory, "Reforming the Labour Market: An Assessement of the UK Policies of the Thatcher Era, in Australian Economic Review, vol. 31, no. 4, 1998).
Mudanças trabalhistas demandam tempo e perseverança para fazerem efeito. Elas só funcionam quando atacam as causas, são simples e pouco burocratizadas. Na América Latina, as poucas inovações, foram superficiais, complexas, burocratizadas e logo abandonadas. Por exemplo, a Argentina inaugurou novas modalidades de contrato de trabalho em 1995, mas revogou todas elas em 1998. O Brasil introduziu o contrato por prazo determinado, mas atrelou o destino dos excluídos (desempregados) à vontade das corporações que cuidam dos incluídos (empregados).
Como se vê, na América Latina, ou fazemos demais ou fazemos de menos. Raramente atacamos o mal na sua causa e, mais raramente ainda, de forma persistente. Vale a pena observar esses princípios.
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