Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/10/1999
Como descongestionar a Justiça do Trabalho?
A Justiça do Trabalho é um dos pilares dos sistemas de relações do
trabalho.
Os bons sistemas são aqueles em que as partes encontram condições para acertar suas diferenças por sua própria conta. Quando isso é impossível, entram em ação os mecanismos de conciliação, mediação, arbitragem e Justiça.
Nos bons sistemas, as partes fazem pouco uso desses mecanismos. Empregados e empregadores têm uma "capacidade digestiva" suficientemente desenvolvida para dispensar a entrada de terceiros para resolver seus problemas.
No atual sistema de relações do trabalho do Brasil há o inverso disso. As partes resolvem muito pouca coisa por sua própria conta porque a lei limita o seu espaço de negociação. Quase tudo vai para a Justiça do Trabalho - o que gera 3 milhões de ações judiciais anualmente, e faz do Brasil o campeão mundial de conflitos trabalhistas.
Ou seja, o Brasil possui uma hipotrofia da negociação e uma hipertrofia da Justiça do Trabalho. Uma reforma trabalhista que atenda as necessidades das
empresas e dos trabalhadores teria de mudar esse quadro.
A reforma do Poder Judiciário, ora em estudo no Congresso Nacional, traz alguma esperança. Entretanto, convém ser realista. A Justiça do Trabalho, sozinha, não pode fazer milagres. Ela é apenas uma das instituições do trabalho. O Brasil precisa de uma reforma simultânea da Justiça, da negociação e dos sindicatos.
Mas o que está em pauta no Congresso Nacional é a reforma do Poder Judiciário - e não a reforma do sistema de relações do trabalho. O quê se pode fazer nesse campo?
O relatório apresentado pela Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro (PSDB/SP) avançou bastante ao estimular as partes a usarem conciliadores, mediadores e árbitros, antes de ingressarem na Justiça do Trabalho. Acertadamente, a relatora destinou a
conciliação e a arbitragem à resolução de conflitos individuais - área em que têm sua máxima indicação.
Entretanto, a eficácia desses mecanismos depende da preexistência de contratos detalhados entre as partes. A arbitragem, por exemplo, é de grande utilidade para dirimir problemas que decorrem do descumprimento ou má interpretação de
cláusulas daqueles contratos. Trata-se de um mecanismo bastante usado quando as relações de trabalho são presididas por muita negociação e pouca legislação.
No Brasil, dá-se o inverso. Por isso, sem ampliar o espaço de negociação, a arbitragem pouco ajudará. Afinal, o quê pode fazer um árbitro diante de um conflito que é um desvio da lei - e não do contrato? Pode ele decidir de forma diferente da
Constituição ou das leis ordinárias? Não seria mais adequado remeter esse tipo de conflito para um juíz?
Como superar esse problema? O ideal seria expandir para toda a Carta Magna e a CLT, o dispositivo contido no Inciso VI do artigo 7º da Constituição Federal que dá às convenções e acordos coletivos a máxima soberania. Mas, como isso não está em pauta, o mesmo resultado pode ser alcançado, acrescentando-se ao artigo 114 (cuja mudança está em pauta), um novo parágrafo, a saber:
§ ... - "A negociação coletiva poderá instituir regime de trabalho que dispense, no todo ou em parte, a aplicação de normas de proteção ao trabalho inscritas nesta Constituição, e nas leis que regem o trabalho subordinado, com exceção dos Incisos do arti-go 7º que se referem ao seguro desemprego, salário mínimo, proteção do menor, etc..."
lista esta que seria objeto de uma negociação prévia no Congresso Nacional, com ampla participação dos representantes das partes envolvidas.
Essa mudança abriria um novo panorama para as relações do trabalho no Brasil; viabilizaria o uso dos valiosos mecanismos de resolução do conflito propostos pela Relatora da Reforma do Poder Judiciário; criaria um ambiente de maior harmonia e menos confrontação entre as partes; e tiraria o Brasil da vergonhosa posição de campeão mundial de conflitos trabalhistas. Ademais, o seu impacto na geração de novos postos de trabalho e, sobretudo, da formalização do emprego e melhoria da receita previdenciária seria substancial.
Em suma, o relatório da Deputada Zulaiê Cobra Ribeira está perto de chegar a um sistema lógico e eficaz para, no campo do trabalho, melhorar a
competitividade das empresas e a vida dos trabalhadores do Brasil. Vale a pena lutar pelo seu aperfeiçoamento.
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