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Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/09/1999

Adicional por tempo de serviço

Encontra-se no Senado Federal um projeto de lei (PL 60/95), já aprovado pela Câmara dos Deputados, que obriga as empresas privadas a acrescentar aos salários dos trabalhadores, 1% para cada ano trabalhado na empresa.

O projeto foi apresentado como um mecanismo para melhorar o salário e modernizar as relações do trabalho, argumentando-se ainda que, por ser pequeno, esse percentual pouco afetaria uma empresa que, por exemplo, acrescentasse R$ 5,00, a um salário de R$ 500,00 mensais.

É interessante ver o Congresso Nacional tentando, mais uma vez, garantir aumentos de salário por lei, num momento em que o Brasil vai consolidando a prática da livre negociação. O gesto lembra os velhos tempos das políticas salariais que chegaram ao cúmulo de fixar percentuais específicos para diferentes salários, como se o mercado de trabalho pudesse ser plasmado pela vontade do legislador.

É estranho ver parlamentares buscando ressuscitar a gratificação por tempo de serviço para o setor privado depois do Poder Executivo ter acabado com os quinquênios dos servidores do setor público.

Igualmente surpreendente é observar o Congresso Nacional querendo garantir aumentos automáticos, depois do Plano Real ter promovido uma completa desin-dexação dos salários, proibindo o atrelamento de reajustes a indicadores de inflação, e remetendo tudo para a negociação coletiva.

No momento em que o País faz um enorme esforço para apagar a memória inflacionária, esse projeto busca conceder um aumento de 1% que não guarda a me-nor relação com inflação, produtividade, desempenho empresarial ou conjuntura econômica - contrariando os mais elementares princípios da competitividade e ignorando que, no mundo moderno, a fonte do direito do trabalho se transfere cada vez mais dos parlamentos para as mesas de negociação.

Com o fim da indexação salarial, o Brasil mostrou que o preparo das partes para a negociação era superior ao que se supunha. Nos anos de inflação baixa (1994-98), os reajustes foram moderados. Em 1999, com a inflação mais alta, os reajustes começam a subir. Essa sintonia fina vem sendo praticada sem nenhuma imposição legal, mas com base no empenho das partes em negociações mais realistas, e não meramente teatrais como as da época dos salários indexados.

O Brasil mudou no campo salarial. A principal diferença entre o passado e o presente reside exatamente na ampliação do espaço de negociação. No passado, as leis salariais procuravam fixar os resultados do jogo, fechando todas as válvulas para nego-ciar. Com o Plano Real, elas passaram a fixar as regras do jogo, deixando o resultado por conta das partes através da negociação.

O sistema negocial evita o engessamento, afasta a rigidez e dá às partes as ferramentas necessárias para fazerem acertos bilaterais vantajosos, inclusive sobre gratificações negociadas como, aliás, já ocorre com vários acordos e convenções coletivas que contém cláusula de anuênio.

A imposição de um aumento salarial por força de lei constitui uma volta a um sistema que, a duras penas, o Brasil conseguiu superar no campo salarial.

Tudo indica que os principais prejudicados por essa pretensa proteção serão os trabalhadores. Como o anuênio proposto é cumulativo, as empresas intensificarão a rotatividade da mão-de-obra para evitar acréscimos de 4%, 5% ou 10% nos salários e 8%, 10% e 20% nas despesas com o trabalho pois, para cada 1% de salário, há que se acrescentar uma despesa de 1% referente aos encargos sociais.

Se o argumento dos R$ 5,00 é comovente no nível micro, um aumento de 10% é devastador no nível macro pois representa um acréscimo de R$ 25 bilhões anuais na folha salarial do País, comprometendo o combate à inflação, ao desemprego e à informalidade.

Numa economia competitiva, poucas empresas poderão arcar com um crescimento forçado do custo do trabalho de forma compulsória, automática e cumulati-va. A maioria vai se defender. E a sua defesa acabará se transformando numa desnecessária agressão aos trabalhadores que ficarão menos tempo empregados na mesma empresa, terão menores aumentos salariais nas datas-base e pagarão preços mais altos pelos bens e serviços que consomem. O excesso de proteção tende a agir como uma impiedosa discriminação.

No meio da enorme revolução por que passamos no mercado de trabalho, não tem cabimento dizer ao mundo que, nós brasileiros, ainda acreditamos em aumentos salariais determinados por lei. Isso, além de ridículo do ponto de vista técnico, complica-rá a vida dos poucos trabalhadores que ainda trabalham no setor formal. O bom senso sugere abandonar essa medida e deixar a questão salarial para a livre negociação.