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Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/08/99

Os conselhos profissionais

Se você perdeu o emprego e está considerando a idéia de ser acrobata, contorcionista, equilibrista, domador, faquir ou comedor de fogo, tome cuidado. Não por causa do perigo inerente a essas profissões, mas porque para entrar nelas, você precisa ser artista e, para tanto, tem de obter junto à Delegacia Regional do Trabalho do seu estado, o devido registro para o que se exige os seguintes documentos: (1) diploma de curso superior; ou (2) diploma de habilitação profissional de segundo grau de ator; ou (3) atestado de capacitação profissional fornecido pelo sindicato dos atores, contra-regras, cenotécnicos, sonoplastas e profissões assemelhadas, lembrando que a entidade sindical poderá fornecer ou negar o atestado pretendido.

É isso que manda a Lei 6.533/78 e o Decreto 82.385/78 que regulamentaram as profissões de artista e de técnicos de espetáculos e diversões. Se você é jornalista e pretende trabalhar numa empresa, prestando informações de caráter institucional e facilitando a comunicação entre a empresa e o público, alto lá!, pois isso é privativo dos profissionais de relações públicas. Para tanto você terá de satisfazer as exigências burocráticas do Ministério do Trabalho e dos Conselhos de Relações Públicas para obter o seu registro nos termos da Lei 5.377/67 e do Decreto-Lei 860/69.

Num País onde há leis que pegam e outras que não pegam, é claro que essas exigências são pouco obedecidas. Ademais, os limites da reserva de mercado determinados por esses institutos, são obscuros. Por exemplo, as "atividades privativas" do psicólogo invadem o terreno do assistente social; as dos contadores se chocam com as dos economistas; as dos nutricionistas se sobrepõem às dos economistas domésticos, e assim por diante.

Para cerca de 50 profissões, cabe ainda aos Conselhos Profissionais a fiscalização do exercício dessas atividades. Mas, poucos se importam com a invasão de mercados. O Brasil é um País repleto de regulamentações, fiscalizações e conselhos, carecendo, porém, de mecanismos que zelam pela qualidade e da competência dos profissi-onais.

Bem diferente é a situação dos Estados Unidos, Japão e Europa. As regulamentações existem para proteger o consumidor, em especial, nas áreas de segurança e saúde. E isso vale, inclusive, para os profissionais de nível médio (eletricistas, mecânicos, vidraceiros, etc.) que são submetidos a exames nos quais devem demonstrar sua competência para obter o seu respectivo credenciamento ou certificado profissional.

Naqueles países, a ênfase é no zelo profissional; no Brasil, é na reserva de mercado, na concessão da carteirinha e, sobretudo, na arrecadação de polpudas contribuições.

Existem no Brasil cerca de 30 conselhos que cobrem quase 50 profissões. Todos com enormes poderes. São eles que estabelecem as regras de admissão no mercado reservado; fixam o valor das contribuições anuais, taxas, emolumentos e multas; e aplicam penalidades, que podem variar entre a advertência ao cancelamento definitivo do registro profissional.

Durante muito tempo, os conselhos profissionais foram uma extensão do poder público, estando vinculados ao Ministério do Trabalho, gozando de ampla isenção de impostos e sendo obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União.

Mas, com o advento da Lei 9.649/98, eles foram desvinculados do poder público e reclassificados como entidades de direito privado, libertando-se do Tribunal de Contas da União mas, conservado as isenções de tributos e retendo as funções de fiscali-zação e policiamento que, ao que me consta, são próprias dos órgãos públicos.

No Brasil é sempre fácil regulamentar para cobrar, mas extremamente difícil normatizar para garantir qualidade. O consumidor que se dane. Difundir e zelar pelas profissões têm muito menos importância do que zelar pelo caixa dos cartórios profissionais. Você sabe que os conselhos profissionais arrecadam vários bilhões de reais todos anos? Você já viu algum balanço de conselho profissional publicado em jornal de grande circulação no País?

Com a nova lei, o Tribunal de Contas saiu do caminho dos conselhos. O artigo 58, parágrafo 5º estabeleceu que o controle das atividades financeiras dos conselhos será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas aos federais, e estes, aos regionais.

Ou seja, os conselhos profissionais, apesar de serem órgãos privados, impõe a todos os integrantes da profissão, um pagamento compulsório de anuidades, cassa o registro de quem não paga, estão isentos impostos e prestam contas a si mesmos. Nem as corporações de ofício e as guildas da Idade Média concentraram tanto poder!

Com raras exceções, a regulamentação das profissões no Brasil está confundindo a necessidade por qualidade com os interesses de cartorários. Está na hora de se repensar o assunto. Os conselhos e os mecanismos de fiscalização das profissões podem e devem prestar uma grande colaboração à sociedade na medida em que se dedicarem a cuidar da qualidade dos profissionais e proteger os consumidores.