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Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/11/99

Estão chegando os direitos negociáveis

Ao aprovar o projeto de lei 4.694/98 que institui as comissões de concili-ação prévia, a Câmara dos Deputados foi além o que queria, e acabou introduzindo uma importante mudança nas relações do trabalho no Brasil. Se o Senado Federal e o Presidente da República vieram a aprovar o projeto, estaremos diante de um significativo marco histórico.

As comissões de conciliação prévia são de uso facultativo e visam ajudar empregados e empregadores a resolverem conflitos individuais, entre si, sem a necessidade de recorrer à Justiça do Trabalho.

As comissões serão paritárias - terão de dois a dez membros. Do lado da empresa, eles serão indicados pelo empregador. Do lado dos trabalhadores, serão eleitos entre os empregados da empresa, com a fiscalização do sindicato.

A nova instituição estará de portas abertas para receber qualquer demanda trabalhista de natureza individual. Aceita a conciliação, é lavrado um termo, assinado pelos empregado, empregador e membros da comissão. Com base nele pagam-se os di-reitos acordados e ponto final. Não há necessidade de homologação na Justiça do Trabalho.

As comissões de conciliação prévia têm tudo para reduzir, em muito, os três milhões de processos que entopem a Justiça do Trabalho. Sim, porque 99% deles são reclamações de natureza individual de empregados despedidos e que discordam do que foi pago pela empresa.

Os advogados trabalhistas têm no seu computador um gabarito de petição inicial que usam generalizadamente para amparar empregados demitidos que reclamam do não pagamento (total ou parcial) de salário vencido, férias, aviso prévio, 13º salário, abono de férias e horas extras.

No âmbito das novas comissões, o ex-empregado e o ex-empregador po-derão fazer acertos expedidos, como os que são realizados, hoje em dia, nas Juntas de Conciliação e Julgamento que, como se sabe, resolvem 50% dos casos na primeira audi-ência de conciliação.

O grande passo foi a permissão das próprias partes, sem a presença do juiz, transacionarem livremente direitos individuais e sociais - mesmo os chamados di-reitos não disponíveis - até então, inegociáveis.

Foi um passo arrojado e na direção certa. O Brasil estava há muito tempo precisando dar às partes a competência para negociar o que acham melhor para si. Isso facilita o entendimento, reduz o potencial de conflito, permite ajustes mais rápidos entre as necessidades das empresas e dos trabalhadores, diminui a informalidade e aumenta a receita da previdência social.

Foi um avanço de monta. Uma revolução. Adotamos, pela primeira vez, a noção de que o negociado pode prevalecer sobre todo tipo de legislado, até mesmo o constitucional. Aceitou-se, enfim, que as partes podem fazer decisões sensatas, e que isso tem de ser respeitado.

Aos poucos os nossos legisladores vão percebendo que nos dias atuais, é impossível querer garantir todas as condições de trabalho por leis inegociáveis. No Bra-sil, as diferenças regionais e setoriais são muito grandes. O ritmo de mudança nas tecno-logias e nos métodos de produção é alucinante. Vence quem tem capacidade de ajuste rápido.

Aliás, isso é assim no mundo inteiro. Em quase todos os países, a fonte do direito do trabalho vem se transferindo da lei para o contrato, ficando para as partes a atribuição de fazer os ajustes que consideram úteis. É isso que o Brasil está prestes a aprovar.

É interessante que a referida abertura foi concebida no contexto das re-clamações dos que já perderam seus empregos - os despedidos. Na prática, as comissões de conciliação prévia vão funcionar para os desempregados. Chega a ser irônico.

Mas, não tem importância. O conceito passou. Ruiu a idéia de direitos sa-grados no campo trabalhista. O Brasil começa a aceitar, finalmente!, que as partes po-dem usar o seu bom senso para negociar em torno dos seus direitos. E compete a elas exercer a sua liberdade para decidir o que fazer. As comissões de conciliação prévia são de uso voluntário. Usa quem quer. Para quem não quer, a Justiça do Trabalho continua com suas portas abertas e os corredores entupidos.

O relevante é que amadurece, entre nós, a idéia da urgente necessidade de se fortalecer no âmbito da própria Constituição Federal a possibilidade das partes nego-ciarem voluntária e livremente os seus direitos. Forma-se, assim, um clima mais favorável à racionalidade nas relações do trabalho. Clima esse que pode ajudar o País a competir melhor, investir mais, gerar mais empregos e, sobretudo, criar uma avalanche de postos de trabalho de boa qualidade.