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Publicado em A Folha de São Paulo, 08/10/1994

Contrato coletivo à brasileira

O Brasil tem um habitat perverso: quase todos os direitos e deveres estão previstos na lei.

O contrato coletivo vive num habitat onde há muita negociação e pouca legislação. Empregados e empregadores negociam e inserem no contrato quase todos os direitos e deveres referentes ao trabalho.

Quando os ventos são bons, eles negociam de um jeito: quando são maus, negociam de outro. As partes podem prever no contrato até mesmo a proteção do salário e do emprego assim como as formas de resolver conflitos.

O contrato coletivo é um instrumento de grande flexibilidade, especialmente, quando negociado em nível de empresa. O mesmo não se pode dizer do contrato negociado setorial ou nacionalmente. Aliás, a tendência mundial é em direção à negociação por empresa.

O Brasil tem um hábitat perverso para o contrato coletivo. Quase todos os direitos e deveres estão na lei (Constituição e CLT).

Trata-se de um sistema que se baseia em muita legislação e pouca negociação sendo que os impasses são remetidos à Justiça do Trabalho, que tem poderes para julgar até mesmo os conflitos econômicos - único caso no mundo. Quando os ventos mudam, as partes pouco podem fazer. Elas têm de esperar a mudança da lei.

Ao revelar sua simpatia pelo contrato coletivo, o presidente Fernando Henrique Cardoso anunciou que deseja passar de um sistema de muita legislação e pouca negociação para o inverso, com os impasses resolvidos pelas partes - e não pelos juízes.

Para fazer esa travessia, o Brasil terá de enxugar muito a legislação e eliminar o poder da Justiça nos conflitos econômicos. Essa é uma tarefa dificílima.

Qual é o parlamentar que se dispõe a revogar os direitos sociais e mutilar a Justiça? A travessia, como se vê, exige reformas radicais.

Penso, porém, haver uma saída intermediária baseada na "flexibilização dos direitos"e nos julgamentos presididos pelo "sistema de oferta final".

Explico-me. A flexibilidade seria feita a exemplo do que já existe no artigo 7º da Constituição, inciso VI, onde se lê que o salário é irredutível, salvo negociação. Estendendo a possibilidade de negociar a vários direitos, abriríamos espaço para o contrato coletivo.

Quanto ao "sistema de oferta final", teríamos de elevar o risco de se recorrer à Justiça nos casos de conflitos econômicos, estimulando as partes a negociar.

Exemplo: num impasse entre um pedido de 100% de aumento e uma oferta de 20%, ao juíz caberia escolher 100% ou 20% - e nunca um valor intermediário. Isso é tão arriscado que afastaria as partes da Justiça, estimulando-as a investir tudo na negociação.

Essa é uma sugestão de meio-termo. É o contrato coletivo - à brasileira.