Artigos 

Publicado em A Folha de São Paulo, 15/09/1994

O divórcio entre o sindicato e o partido

A deflagração da greve dos metalúrgicos e a ameaça de paralisação dos petroleiros têm levado muita gente a repetir que tais movimentos são essencialmente políticos e que assim sempre será porque a CUT (Central Única dos Trabalhadores) foi, é e continuará sendo uma mera correia de transmissão do PT.

A interação entre sindicato e partido não é tão simples assim. Os estudos mostram que, no começo, tudo é lua-de-mel. Mas, com o passar do tempo, o casamento se complica.

Isso porque nos tempos de expansão e crescimento econômico, os sindicatos percebem que a sua margem de negociação aumenta, buscando tirar proveito disso para exercer construtivamente o seu poder de pressão. Nesse momento, porém, os partidos políticos têm menos interesse de mobilizar a população.

Nos tempos de desaquecimento econômico, as necessidades se invertem. Os sindicatos sentem na carne a redução da sua margem de negociação e, por isso, passam a exercer o seu poder de pressão com muita cautela. Mas, para os partidos políticos - especialmente os de oposição - esse é o clima ideal para usar o sindicato na mobilização da população e, com isso, chegar ao poder. Ao sindicato, que procura ser realista, não agrada a idéia de um partido que procura ser oportunista.

Portanto, sindicato e partido tendem a começar suas vidas com objetivos convergentes, mas se encaminham para um terreno em que suas necessidades começam a divergir. Chegam a um ponto no qual o clima que favorece um, prejudica o outro.

No caso do sindicato, o prejuízo é particularmente grande quando a entidade tem recursos e responsabilidades para com seus associados e seu quadro de pessoal. A cautela do sindicato decorre, assim, do risco de perder aquilo que é muito precioso e que demorou para acumular, em especial, a credibilidade - o seu principal capital.

Esse é o pesadelo que deve estar tumultuando a união CUT-PT nos dias atuais. A central se fortaleceu econômica e politicamente nos últimos dez anos, deixando para trás a sua inicial vocação suicida de se lançar cegamente em toda e qualquer mobilização de interesse do partido.

Ao longo do seu processo de crescimento, a CUT foi se transformando num sindicalismo de "white collars" do setor público. Dos 38 membros da atual diretoria, 28 são funcionários de empresas estatais e repartições públicas, das quais receberam um mandato para afastar a privatização e manter a situação atual. Trata-se de gente que esperava usar o partido para defender conservadoramente o "status quo" do estatismo, por exemplo, sem se deixar dominar por eventuais aventuras de mobilização geral de interesse partidário e que podem pôr em risco a confiança e as finanças da central.

A própria eleição de Vicente Paulo da Silva, como uma liderança mais moderada, simbolizou a vitória de quem faria o discurso da defesa dos interesses conservadores da nova CUT.

Para o PT, eleitoralmente, seria muito mais favorável o clima de inflação alta e divisas baixas, como o que imperou na campanha eleitoral de 1989. Um cenário desse tipo facilitaria também a ação da CUT, pois daria muita convergência entre seus interesses, os do partido e os da população em geral.

Mas hoje a situação é diferente. Com os preços baixando a cada dia, a população sente que o poder de compra dos salários vai aumentando. As esposas dos trabalhadores são as primeiras a sentir isso.

Por essa razão, a idéia de fazer uma greve simplesmente para ajudar um partido que contava com um caos que deixou de existir - pelo menos temporariamente - não deve ter agradado os que foram obrigados a votar pela paralisação, sendo pouco provável que isso venha a comover os demais filiados da CUT e a população em geral.

A greve dos metalúrgicos foi um acidente de percurso, uma "forçada de barra". O casamento entre CUT e PT, portanto, entrou no tempo em que o entusiasmo do sindicato em relação ao partido é cuidadosamente filtrado pelos interesses corporativos dos seus associados. Invertendo a situação da sua infância, o sidicato gostaria de fazer do partido o seu refém.

Por isso, a decisão pela greve deve ter sido um parto doloroso, tendo em Vicentinho um voto vencido. Em seu favor, porém, restará o posicionamento da opinião pública, que, ao que tudo indica, não vê hoje em dia a menor razão para se fazer greve num momento - até há pouco tempo impensável - em que os preços se reduzem aos olhos de todos.

Não antecipo o divórcio entre a CUT e o PT. Mas, é bem provável que os próximos dias venham a dar razão ao Vicentinho, que, então, ganhará o resto da força que lhe faltava para colocar a CUT no caminho da autonomia.

Em suma, a greve dos metalúrgicos foi um acidente de percurso; uma decisão de minoria; uma "forçada de barra" dos que ainda não se aperceberam que a central já ganhou a maioridade e, como tal, tem direito a demandar do partido o mesmo respeito que o partido deveria ter por ela.